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SAÚDE
24 de março – Dia Mundial de Combate à Tuberculose
Ao contrário do que muitas pessoas acreditam – que a tuberculose é uma doença do século retrasado, já superada, que não existe mais – ela é uma doença endêmica no nosso País. São aproximadamente 90 mil casos a cada ano, são quase 5 mil pessoas morrendo de tuberculose todos os anos no Brasil.
Para saber mais sobre o assunto, leia a entrevista com o professor titular de Pneumologia da Faculdade de Medicina da UFG , o médico Marcelo Fouad Rabahi.
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O que é a tuberculose e quais os seus principais sintomas?
A tuberculose é uma doença infecciosa, causada por um bacilo (que é como se fosse uma bactéria), mas que tem características diferentes da bactéria da pneumonia, pois a bactéria da pneumonia causa uma doença aguda, rápida, por isso a pessoa logo apresenta os sintomas da pneumonia. Já a bactéria da tuberculose é lenta, ela vai aos poucos destruindo o parênquima do pulmão, e, por isso a pessoa demora a perceber que tem tuberculose.
Apesar de ser lenta, a tuberculose é uma doença agressiva e progressiva. Então, se a pessoa não faz o tratamento, ela vai progredindo e causando um emagrecimento, uma fraqueza, uma astenia (fraqueza, perda da força muscular), daí vem a associação da doença com essa figura do sujeito emagrecido, desnutrido, fraco. Ela é, portanto, uma doença contagiosa, a partir de um foco de uma pessoa doente, que transmite para as pessoas saudáveis. Na grande maioria das vezes, essas pessoas saudáveis, que inalam o bacilo, não terão a doença. Algumas pessoas podem ficar infectadas ou incubadas, mas não irão desenvolver a doença, porém em outras pessoas ela poderá se desenvolver.
Uma vez desenvolvida a doença, a pessoa começa a apresentar os sintomas. O mais importante é a tosse. A tosse tem que ser um sinal de alerta. Pessoas que tenham tosse há mais de duas ou três semanas, com astenia, com a perda do apetite, devem ser investigadas para tuberculose.
2. Como é feito o diagnóstico da doença?
A tuberculose é uma doença endêmica no nosso País. São aproximadamente 90 mil casos a cada ano, são quase 5 mil pessoas morrendo de tuberculose todos os anos no Brasil, 400 pessoas por mês, mais de 10 pessoas por dia morrendo de tuberculose. E a demora ou a falta do diagnóstico é um dos grandes problemas. Para isso, tem que haver uma conscientização de toda a equipe de saúde: dos enfermeiros, dos auxiliares e, principalmente, do médico que está atendendo o paciente. Ele precisa reconhecer que essa é uma doença endêmica e que o diagnóstico precisa ser feito numa fase inicial.
O que é a fase inicial da doença? É aquela fase em que o paciente tem poucos sintomas, mas já apresenta uma alteração no raio-X de tórax. Portanto, a radiografia de tórax é uma aliada, um método diagnóstico muito importante na investigação desses pacientes com tosse. O exame de escarro é importante, deve ser feito nas pessoas com tosse e secreção, mas ele sozinho não consegue fazer o diagnóstico da grande maioria dos pacientes. Por isso, a radiografia deve ser realizada, o acesso ao exame de raio-X tem que ser universalizado no nosso País se quisermos um dia controlar a tuberculose.
3. Como ocorre a transmissão da doença?
Eu costumo dizer aos meus alunos que tuberculose pode ocorrer em qualquer lugar do corpo, menos nos dentes e nos cabelos. Tem no olho, na faringe, na mama, no coração, no intestino, nos rins, é causa de infertilidade, dor na coluna, nos ossos, enfim, pode haver tuberculose em todos os órgãos. A única forma de contágio, no entanto, é a pulmonar. Portanto, quando a pessoa inala o bacilo, ele pode, em algum momento, passar pela corrente sanguínea, linfática e parar em alguns desses órgãos. E, por algum motivo de queda da defesa da pessoa, a doença acaba progredindo naquele local.
4. Existem grupos mais suscetíveis para contrair a doença?
O que determina se uma pessoa vai ou não desenvolver a doença? O próprio estado de defesa do indivíduo. Diabéticos têm uma chance muito maior de desenvolver tuberculose do que indivíduos que não têm diabetes; pessoas que fumam têm muito mais chances de desenvolver a doença do que quem não fuma; as pessoas que ingerem álcool com frequência também têm mais chances. Essas pessoas podem ter o bacilo inoculado e, a partir de um desequilíbrio do seu organismo, podem desenvolver a doença.
5. Qual a forma mais eficaz de prevenção da doença?
A melhor forma de prevenção é a imunização. É preciso deixar claro que, não só em relação à tuberculose, essa história de que as vacinas podem ser deixadas de lado, é um contraditório muito grande. As crianças precisam ser vacinadas para serem protegidas contra as formas graves da doença.
A segunda forma de prevenção é para quem tiver só a infecção, não tiver a doença. Pouca gente sabe, mas existe um tratamento só para infecção. Se existe uma pessoa doente na casa, os acompanhantes podem ir a um posto de saúde, podem ir ao médico e serem tratados. Isso vai evitar que adoeçam.
A outra forma são os cuidados de isolamento. Quando digo isolamento, me refiro a isolamento dentro do hospital ou a medidas de isolamento pessoal, usando uma máscara simples para quem tem sintomas respiratórios e circula dentro de hospital, ou ficará dentro de sua casa naquele início de tratamento. A questão da contaminação parte por uma questão de higiene geral, cultura geral. Todo indivíduo que tem alguma doença respiratória, como pneumonia, gripe, deveria ter o cuidado de usar, por exemplo, um lenço quando espirrasse, uma máscara cirúrgica simples quando estivesse dentro de uma unidade de saúde. Fazendo assim, eles estarão protegendo outras pessoas. O cuidado de transmitir a doença tem que existir, mas não é só com a tuberculose. E esse cuidado tem que ser instituído dentro de todas as unidades de saúde.
Mas a forma mais importante de prevenção é intensificar o diagnóstico, pois quanto mais esforços fizermos para fazermos o diagnóstico precoce, maior é a chance de o indivíduo ser tratado antes de contaminar outras pessoas. E para que todos os outros pontos funcionem, eu preciso de um último: informação, que é o que estamos fazendo agora. É muito importante repassarmos informações sobre tuberculose para um maior número de pessoas, principalmente para aquelas de dentro das unidades hospitalares, para que elas não fiquem surpresas diante de um paciente com tuberculose e ache que isso é uma doença do século retrasado e que não existe mais. Elas precisam saber dos números dessa doença, que é a principal causa de morte infecciosa em adultos jovens em nosso País.
6. Tuberculose tem cura?
A tuberculose tem cura. A pessoa pode ficar com sintomas o resto da vida se demorar a fazer o diagnóstico, a curar. Mas se ela fez o diagnóstico precoce, usou o remédio corretamente, a chance de cura, por exemplo, é maior do que a de uma pneumonia.
7. Como é feito o tratamento da tuberculose?
O acompanhamento do paciente com tuberculose pode ser feito em qualquer unidade de saúde. Entretanto, a retirada do medicamento é feita exclusivamente na Rede de Atenção Básica ou em hospitais que são especializados no tratamento de doenças infecciosas.
Os remédios são fornecidos gratuitamente no Brasil há muitos anos. O sistema de fornecimento dos medicamentos raramente sofre interrupção. É um programa que tem muita atenção do Governo Federal. Então, o acesso ao medicamento não é difícil e qualquer indivíduo que esteja doente, que tenha a sua prescrição feita por um médico, junto com a ficha de identificação, ao chegar a uma unidade saúde, receberá o medicamento.
O que acontece, às vezes, é que ele não está disponível em qualquer unidade de saúde. Existem algumas unidades de saúde específicas que contêm o medicamento. Mas, na grande maioria das vezes, o acesso ao medicamento é universal e isso é um dado muito importante para o controle.
O paciente que recebe o diagnóstico no Hospital das Clínicas da UFG pega o remédio para os primeiros dias de tratamento. Ele não sai do hospital sem medicação, mas terá que continuar a fazer o tratamento na unidade de saúde mais próxima de sua casa.
8. Como é feito o acompanhamento de pessoas com tuberculose aqui no HC?
Aqui no HC, que é um hospital terciário, não temos uma unidade aberta para o atendimento de pacientes agudamente doentes. O que nós temos são os ambulatórios, onde são referenciados os nossos pacientes. Estes pacientes serão encaminhados para a Rede para realizarem os exames necessários. Nós temos também dentro do HC as Comissões de Infecção muito ativas, que fazem a busca de pacientes internados com outras doenças e que, porventura, tenham um diagnóstico diferencial, que seja tuberculose e, aí, o HC está habilitado para esse tipo de ação.
9. Muitos acreditam que o paciente com tuberculose precisa ser isolado. Isso é verdade?
É importante dizer que o paciente com tuberculose não precisa ser isolado da família. Também não é preciso separar seus copos, talheres, pratos. Isso aumenta ainda mais a discriminação com a pessoa. Se uma pessoa está com resfriado, por exemplo, ele não tem as suas coisas separadas. O vírus da gripe é muito mais transmissível que o bacilo da tuberculose e, nem por isso, cria-se uma discriminação total. É claro que é preciso ter higiene. Não se deve, por exemplo, tomar no copo de outras pessoas, mas não porque ela está doente, mas sim por ser uma questão de higiene. Quando você imputa isso a um indivíduo que está desfavorecido por ter tuberculose e que ele ainda terá que separar suas coisas todas, você cria ainda mais uma discriminação com esse indivíduo. Isso é muito ruim, porque ele tem uma doença em que, historicamente, as pessoas tinham que se isolar para tratar. E hoje a pessoa não precisa se isolar. Ela pode fazer o tratamento dentro da casa dela, em qualquer lugar.
10. O Brasil possui um índice muito elevado de abandono no que se refere ao tratamento? Se sim, por que isso acontece?
Em relação ao abandono, há 20 anos, na minha dissertação de mestrado, eu desenvolvi um trabalho, onde eu peguei os pacientes de um ano inteiro que receberam tratamento da tuberculose e comparei com aqueles que que abandonaram o tratamento e fui atrás das informações desses pacientes para saber o que os levou a esse abandono.
O primeiro fator de risco para o abandono foi a relação médico-paciente. A principal forma de fazer com que o paciente faça uso correto do medicamento é que ele tenha uma boa relação com a equipe que o está atendendo – médico, enfermeiro. Isso é fundamental. É o que comentei anteriormente: a equipe não deve criar uma situação discriminatória, explicar que a doença tem cura, explicar que uma simples medida de uso de máscara protege a família dele, que ele vai fazer o tratamento medicamentoso durante seis meses e que, ao final, vai ficar curado. Portanto, o primeiro problema que entendo é essa relação equipe medico-enfermeiro-paciente.
A segunda causa de abandono foi o alcoolismo. O uso de álcool fez com que os pacientes abandonassem mais o tratamento do que aqueles que não usavam álcool. Pacientes que são considerados etilistas e que usam álcool regularmente e que têm a tuberculose merecem um tratamento supervisionado, porque a chance de abandono desse paciente será maior.
Os outros fatores, como por exemplo, o efeito colateral do remédio, não foi motivo de abandono. Ele não é limitante para o doente tomar o remédio. Tempo de tratamento longo também não é fator limitante. Claro que, se houvesse um tratamento mais curto, com o uso de menos remédios, certamente a adesão seria maior. Mas não se pode colocar toda a culpa do abandono no paciente. Também ele não abandona porque melhora. Abandona porque não foi explicado o tratamento direito para ele, porque não foram fornecidas informações que ele deveria receber para continuar o tratamento. Não podemos esquecer que, quando oferecemos um tratamento para um indivíduo, nós estamos saudáveis. Então, às vezes é fácil falarmos: ‘você tem que tomar o remédio todo dia’, porque eu não estou sentindo nada. Mas ele não. Ele já está doente, não tem trabalho, está sendo discriminado e ainda recebe uma bronca se não tomar o remédio todo dia.
Então, a estratégia tem que ser mudada, tem que ser centrada no paciente. Tenho que entender a expectativa dele e, a partir disso, oferecer o melhor tratamento na percepção dele e não na minha. Com isso, eu (médico) vou fazer com que os indivíduos tomem o medicamento e que recebam alta depois de seis meses, curados.
11. Em breves palavras, trace o cenário atual da extensão da doença no estado de Goiás e no Brasil como um todo.
Os dados do Brasil são parecidos com os de alguns países da África. No entanto, quando a gente vê o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, dentre os dez, quinze maiores do mundo, está muito além do PIB dos países da África. A nossa expectativa de vida é 72 a 73 anos. Da África, 50 a 55 anos. Então, existe uma disparidade muito grande em relação ao que o Brasil é hoje e a questão da tuberculose. Ainda estamos longe de ter esse controle e ele passa por uma série de problemas que vem sendo discutidos.
No meu ponto de vista, essa discussão precisa ganhar novos ares, novo foco, porque senão ela vai continuar igual aos anos anteriores. Mas eu entendo que o Brasil tem condições de ter um controle da doença muito melhor do que tem hoje em função de nossa capacidade de atenção às pessoas quando comparamos o Brasil com a África, por exemplo.
Em relação a Goiás, são aproximadamente 800 a 900 casos a cada ano. Nós ainda temos uma taxa de abandono alta: 10%, 12% desses pacientes abandonam o tratamento, o que é muito ruim, porque assim eles perpetuam a doença e passam a sofrer de uma enfermidade incurável, que antes seria curável, porque, por mais que se mate o bacilo, o paciente terá muitas sequelas, muitas cicatrizes, terá sintomas o resto da vida. Abandonar o tratamento é muito ruim. E, além disso, a taxa de óbito do nosso Estado é tão ruim quanto é no Brasil - de 4% a 5% das pessoas com tuberculose morrendo por ano -, apesar de todo que falei agora há pouco: o tratamento ser acessível, gratuito, curar os pacientes. Mas existe uma distância grande entre o indivíduo ter a doença, ter o seu diagnóstico feito e fazer o tratamento adequado.