Notícias
AGOSTO LILÁS
Agosto Lilás: Hospital das Clínicas da UFG fortalece política de atenção à mulheres vítimas de violência doméstica e familiar
O Hospital das Clínicas da UFG, vinculado à Rede Ebserh (HC-UFG/EBSERH), possui um protocolo clínico voltado para mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. O documento foi implantado em outubro de 2022, um mês após a campanha Agosto Lilás ter sido sancionada pelo Senado Federal. A partir desse protocolo, os profissionais de saúde irão ter mais preparo ao identificar e conduzir casos de violência contra mulheres de qualquer idade e condições físicas, psicológicas e financeiras.
O Protocolo Clínico de Atenção às Mulheres em Situações de Violências, do HC-UFG, veio para reforçar o Agosto Lilás, que homenageia a Lei Maria da Penha, reconhecida em 07 de agosto de 2006. Para saber mais sobre o assunto, leia a entrevista que a equipe de comunicação realizou com a médica clínica geral e sanitarista da instituição e servidora da Gerência de Vigilância de Violências e Acidentes da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia, Marta Maria Alves da Silva:
-
HC-UFG: O que é o Agosto Lilás?
Médica Marta Maria Alves: O Agosto Lilás é uma campanha de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher, instituída no Estado de Goiás por meio da Lei Estadual nº 21.274, de 05 de abril de 2022, com o objetivo de intensificar a divulgação da Lei Maria da Penha, sensibilizar e conscientizar a sociedade sobre a violência contra a mulher e seu enfrentamento, divulgar os serviços especializados da rede de atendimento à mulher em situação de violência e os mecanismos de denúncia existentes. A campanha nasceu em 2016 por iniciativa da Subsecretaria de Políticas Públicas para Mulheres (SPPM), para comemorar os 10 anos da Lei Maria da Penha, por meio de articulação com parceiros governamentais e não-governamentais.
-
HC-UFG: Qual o papel do Estado para combater a violência contra as mulheres?
Médica Marta Maria Alves: O Estado tem o papel de garantir o direito das mulheres à vida, o direito de viverem sem violências. Ele é responsável pela implantação e implementação de políticas e ações de enfrentamento das violências contra as mulheres, tanto em relação às ações de prevenção de violências e de promoção de uma cultura de paz quanto ao cuidado e proteção das vítimas e responsabilização dos autores de violências. Isso está garantido na Constituição Federal de 1988, em outras legislações nacionais e acordos internacionais firmados pelo Brasil em relação à erradicação das violências contra as mulheres.
-
HC-UFG: Quais medidas as mulheres vítimas de violência devem tomar?
Médica Marta Maria Alves: As mulheres devem quebrar o silêncio e revelarem que estão vivendo ou que sofrem violências. É preciso que elas falem e peçam ajuda. Quebrar o silêncio é fundamental para o rompimento do ciclo de violência. As mulheres precisam denunciar as violências que sofrem. Elas devem procurar ajuda em uma unidade de saúde, seja nos centros ou prontos socorros, se necessário, para atendimentos decorrentes da situação de violências. Devem procurar um serviço de assistência social perto de casa, como os Centros de Referência da Assistência Social (CREAS), que têm como um de suas atribuições assegurar proteção social imediata e atendimento interdisciplinar às pessoas em situação de violência visando sua integridade física, mental e social. Outro serviço onde elas podem procurar ajuda é a Secretaria de Políticas para as Mulheres, que tem o papel de acolhê-las, de orientá-las e encaminhá-las para apoio psicossocial e jurídico. Podem também procurar o Ministério Público ou Defensoria Pública para que a Lei Maria da Penha seja cumprida e que as mulheres sejam protegidas e cuidadas. É muito importante também que elas denunciem as violências sofridas numa delegacia de polícia ou no Disque 100 (Disque Direitos Humanos), pelo Disque 180 ou mesmo pelo Disque 190 da Polícia Militar, o que é fundamental para que as mulheres tenham medidas protetivas.
-
HC-UFG: Quais as alterações da Lei Maria da Penha, nos últimos anos, e como elas fortaleceram os mecanismos de proteção a essas mulheres?
Médica Marta Maria Alves: A Lei nº 14.550, que entrou em vigor em 20 de abril deste ano, promoveu importantes alterações na Lei nº 11.340/06, com o nítido objetivo de reforçar o caráter protetivo à mulher vítima de violência doméstica e implementar uma igualdade substantiva. Esta será aplicada a todas as situações, independentemente da causa ou da motivação dos atos de violência e da condição do ofensor ou da ofendida. Ou seja, todas as formas de violência contra as mulheres no contexto das relações domésticas, familiares e íntimas de afeto são manifestações de violência baseada no gênero, que invocam e legitimam a proteção diferenciada para as mulheres. Com isso, fatores como a existência de conflitos patrimoniais, problemas com álcool ou drogas ou mesmo a vulnerabilidade decorrente da idade da vítima, eram frequentemente invocados para descaracterizar a violência de gênero e, portanto, afastar a incidência da Lei Maria da Penha. Portanto, toda e qualquer violência praticada contra a mulher no âmbito doméstico, familiar ou íntimo-afetivo deve ser reconhecida como violência de gênero, independentemente de comprovação em concreto de motivação de gênero ou de relação de subordinação.
-
HC-UFG: Em relação ao Protocolo Clínico de Atenção às Mulheres em Situação de Violência, criado pelo HC-UFG, onde e por quem deve ser acessado?
Marta Maria Alves: O Protocolo Clínico de Atenção às Mulheres (adolescentes, adultas e idosas) em Situação de Violências do HC-UFG, implantado em outubro de 2022, tem como objetivo auxiliar os profissionais de saúde na identificação e conduta de situações de violências cometidas contra mulheres (adolescentes, adultas e idosas) durante o atendimento nas unidades e serviços do Hospital das Clínicas da UFG/Ebserh, definir fluxos e orientar o manejo adequado. Ele se aplica a todas as situações de violências identificadas em qualquer unidade ou serviço do HC, seja de um caso suspeito ou confirmado de violência, e deve ser acessado por qualquer profissional de saúde que esteja realizando o atendimento da mulher, independentemente do motivo da consulta ou do procedimento realizado.
O protocolo orienta os profissionais sobre como identificar sinais e sintomas sugestivos de violências, como fazer a notificação de violências e como conduzir o caso. Em relação às violências sexuais, há orientações sobre as medidas de profilaxia para alguns agravos, como IST/Aids, Hepatite B, dentre outros.
O documento pode ser acessado pelo seguinte link: https://intranet.hc-ufg.ebserh/?docs=pop-umul-020-protocolo-clinico-de-atencao-as-mulheres-adolescentes-adultas-e-idosas-em-situacao-de-violencias.
-
HC-UFG: Como os profissionais de saúde devem conduzir os casos de violência de gênero dentro da instituição?
Marta Maria Alves: O atendimento deve ser feito de forma multiprofissional e interdisciplinar, garantindo-se a humanização e resolutividade no cuidado. Essa atenção integral segue as etapas: Acolhimento, devendo ser garantido um espaço ou local adequado e um posicionamento ético, humano, respeitoso, sem julgamento de valor ou discriminação; Atendimento, onde é realizada a anamnese, o exame físico, a solicitação de exames complementares, se necessário, e o planejamento e realização da conduta clínica e/ou cirúrgica a depender do tipo e natureza da violência, seja física, sexual, psicológica, negligência, patrimonial ou mesmo as auto-infligidas; Notificação da violência, seja de caso suspeito ou confirmado, por meio do preenchimento da ficha do Ministério da Saúde (disponível no link: http://portalsinan.saude.gov.br/images/documentos/Agravos/via/violencia_v5.pdf). Em algumas situações, como no caso de violências envolvendo crianças, adolescentes, pessoas idosas ou com deficiência, deve-se fazer uma comunicação externa para outros órgãos conforme a legislação brasileira. Essa comunicação externa deve ser feita por meio de um relato sintético do caso. A ficha de notificação de violências não deve ser encaminhada para órgãos externos, pois esta é um documento interno da vigilância epidemiológica do HC-UFG. Após o atendimento no HC, a mulher vítima de violência deverá ser encaminhada para acompanhamento pela Rede de Atenção e Proteção às Mulheres em situação de violências do município de residência (esta rede engloba os serviços de saúde, da assistência social, educação, Ministério Público, Defensoria Pública, Conselho Tutelar, dentre outros).
-
HC-UFG: Qual a importância dos profissionais de saúde notificarem outros órgãos?
Marta Maria Alves: A notificação de violências se insere no cuidado em saúde e é compulsória para os profissionais de saúde de acordo com a legislação brasileira. Nós, profissionais de saúde, somos obrigados a realizar a notificação de violências, quando identificamos sinais ou sintomas indicativos de que a mulher sofreu violência. Essa notificação é feita pelo preenchimento da ficha de notificação de violências do Ministério da Saúde, que pode ser localizada no link http://portalsinan.saude.gov.br/images/documentos/Agravos/via/violencia_v5.pdf.
Importante lembrar que essa notificação compulsória de violência cometida contra a mulher independe do tipo de violência, seja física, psicológica, sexual, negligência, ou mesmo nos casos de violências autoprovocadas (tentativas de suicídio ou automutilação). A ficha deve ser preenchida e encaminhada para a Vigilância Epidemiológica do HC, sendo que, nas situações de violência sexual ou tentativas de suicídio, essa notificação deve ser feita de forma imediata, devendo ser realizada em até 24 horas da identificação do caso.
A ficha de notificação não deve ser encaminhada para outro órgão, pois é um documento da vigilância epidemiológica do HC. Entretanto, a partir da notificação de violências, pode ser gerado uma comunicação externa para outros órgãos nas situações de violências contra crianças, adolescentes, pessoas idosas e com deficiência de acordo com a legislação nacional. Essa comunicação deve ser feita por meio de um relato resumido do caso, que deverá ser enviado para o Conselho Tutelar, nas situações de violências contra crianças ou adolescentes, ou ao MP/GO nas situações de violências contra mulheres idosas ou com deficiências. Nas situações de violências contra mulheres adultas, deve-se orientá-las a procurar a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher.
-
HC-UFG: Em média, quantos casos de violência o HC-UFG recebe por ano?
Marta Maria Alves: Em Goiânia, houveram 17.510 casos de violência notificados contra pessoas dos sexos masculino e feminino em todas as idades no período de 2018 a 2022 (dados preliminares). Desse total, 11.501 (65,7%) são de pessoas residentes de Goiânia. Desse total de residentes em Goiânia, a grande maioria das notificações foi no sexo feminino: 8.469 (70,5%), principalmente em mulheres negras e adultas jovens (20 a 29 anos). Essas mulheres sofreram a violência em casa (80%) e 42% das vítimas sofreram violência mais de uma vez. As violências física e sexual foram as mais identificadas nos atendimentos e o meio da agressão mais utilizado foi a força corporal ou espancamento. Os principais autores da violência contra as mulheres são familiares e parceiros/ex-parceiros, o que caracteriza a violência doméstica ou de gênero.
No HC-UFG, no período de janeiro de 2022 a julho de 2023 foram notificados 43 casos de violências contra homens e mulheres dos sexos masculino e feminino. Destas notificações, 34 (79%) foram em pessoas do sexo feminino, sendo 12 (27%) em meninas de 0 a 9 anos, 20 (47%) em adolescentes de 10 a 19 anos, 9 (21%) em adultas e 2 (5%) em idosas. As vítimas de violências identificadas no HC, na maioria, são mulheres negras (77%), 16,3% estavam grávidas, 33% tinham algum tipo de deficiência ou transtorno. A grande maioria das mulheres vítimas residia em Goiânia (72%), sendo que 51% das violências ocorreram na residência. O principal autor das violências foi um familiar ou companheiro da vítima.
Embora os números sejam expressivos, ainda há um sub registro muito grande e a realidade é muito mais grave do que o revelado pelas estatísticas. A violência contra mulheres ainda é invisibilizada e naturalizada. Capacitar profissionais de saúde para identificar sinais e sintomas de violências é fundamental para que se conheça a magnitude e gravidade desse problema de saúde, possibilitando a garantia de cuidado integral e proteção às vítimas de violências. Portanto, nosso desafio é capacitar profissionais de saúde para que identifiquem situações de violências e notifiquem as violências, independentemente do serviço onde a mulher esteja sendo atendida. É fundamental dar visibilidade a esse grave problema de saúde para que sejam implementadas medidas de prevenção, de cuidado e proteção às mulheres vítimas de violências.
-
HC-UFG: Em casos dos profissionais de saúde terem dúvida sobre como notificar os casos, quem eles devem procurar dentro do hospital?
Médica Marta Maria Alves: Em caso de dúvidas, os profissionais de saúde podem procurar obter informações com o Núcleo Hospitalar Epidemiológico HC-UFG/Ebserh (16º andar, sala 1601).
Para mais informações sobre preenchimento da ficha, basta acessar o manual instrutivo de preenchimento da Ficha de Notificação Individual de Violência Interpessoal/Autoprovocada clicando aqui, ou por meio do link abaixo:
A ficha pode ser acessada e baixada por meio do link abaixo:
http://portalsinan.saude.gov.br/images/documentos/Agravos/via/violencia_v5.pdfq
Dúvidas também podem ser esclarecidas com a Gerência de Vigilância às Violências e Acidentes da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia pelo e-mail npvsgoiania@yahoo.com.br ou pelo telefone: (62) 3524-3392.