Relatos e Historias
“Sempre trabalhei com a filosofia da humanização da assistência numa perspectiva interdisciplinar"
Entrei no Hospital Universitário de Florianópolis (HU-UFSC/Ebserh) como psicóloga, após o concurso de 1994, junto com os profissionais que iriam abrir a Maternidade em 1995. Então, fui admitida no HU com o objetivo de compor a equipe multiprofissional que iria implantar a Maternidade.
Inicialmente, participei do Grupo Interdisciplinar de Assessoria a Maternidade que já estava há alguns anos trabalhando neste projeto. Com a abertura da Maternidade, implantamos o Serviço de Psicologia com atuação nos setores que a compõem – Triagem Obstétrica, Centro Obstétrico, Alojamento Conjunto, Unidade Neonatal, e por um período no Ambulatório de Pré-Natal de Alto Risco –, além de desenvolver atividades de extensão e de ensino vinculadas ao Departamento de Psicologia da UFSC e a Residência Multiprofissional em Saúde, onde sigo atualmente.
Ao longo do tempo a rotina foi modificada e adaptada frente as novas demandas que surgiam, projetos foram ampliados, sendo necessário a atuação de mais profissionais da Psicologia. Hoje, somos em três psicólogas que atuam nos diferentes setores da Maternidade frente às diversas situações que se apresentam na Clínica Obstétrica e Neonatal, buscando honrar a filosofia da Maternidade com base na humanização e na atuação interdisciplinar.
Nesse período, foram muitos os momentos marcantes, sendo difícil elencar apenas um. Alguns projetos e intervenções assistenciais desenvolvidos passaram a ser considerados modelos e referências de assistência perinatal, como o Grupo de Gestantes e Casais Grávidos, desenvolvido em parceria com o Departamento de Enfermagem da UFSC, assim como o trabalho junto à equipe para conquistar o título de Hospital Amigo da Criança.
Se fosse destacar um momento nessa trajetória, considerando o forte impacto que tem no desenvolvimento, destacaria todo o trabalho desenvolvido nestes últimos 22 anos para a implantação e fortalecimento da Atenção Humanizada ao Recém-nascido – Método Canguru, que é uma política nacional de saúde desenvolvida junto ao Ministério da Saúde, que coordeno desde seu início e que consagrou o HU como um dos seis Centros de Referência Nacional.
Todo o trabalho desenvolvido junto com a equipe multiprofissional da Unidade Neonatal desde 2000, por meio das capacitações aos profissionais, das adaptações da área física e mudanças de rotina para desenvolver as três etapas deste método, dos enfrentamentos intraequipe e institucionais, todo o trabalho e esforço contínuos para o fortalecimento e manutenção dessa boa prática, sem dúvida foi um dos maiores e marcantes desafios na minha trajetória profissional e pelo qual serei imensamente grata. Destaco também a responsabilidade frente aos cursos de capacitação de diversas equipes de profissionais, das mais variadas regiões do Brasil, e o monitoramento na implantação do Método Canguru em seus serviços.
Certamente houve outros momentos marcantes como, em 2000, o início do atendimento multiprofissional às mulheres vítimas de violência sexual, hoje um protocolo consolidado por uma equipe multiprofissional altamente qualificada; o acompanhamento sistemático às gestantes de alto risco internadas e as mães e familiares de recém-nascidos internados na Unidade Neonatal; os cuidados psicoafetivos junto aos recém-nascidos destinados ao processo de adoção; as intervenções no luto perinatal; as discussões diárias com os profissionais; as reuniões clínicas com a equipe multiprofissional. Enfim, são alguns exemplos de um leque de intervenções realizadas.
Desde o início, estive muito comprometida em implantar um serviço de qualidade com base nas melhores evidências científicas. Busquei apoio na literatura e em trabalhos da Psicologia Perinatal desenvolvidos no Brasil e em outros países. Penso que todo o meu interesse, comprometimento e estudos nessa área, desenvolvidos também em nível de mestrado e doutorado associados à minha prática assistencial junto as equipes, foram na perspectiva de promover saúde, prevenção do adoecimento e na redução de danos.
Posso afirmar, com certeza, que no início da implantação das atividades na Maternidade tivemos, como equipe, muito apoio das gestões que viabilizaram processos de trabalho, facilitavam acesso às chefias e estimulavam nossa autonomia para implantar uma assistência com base nas boas práticas. Os gestores do HU sempre confiaram muito em nosso serviço, admiravam nossa postura e trabalho, e a capacidade de colocarmos o HU em evidência no cenário estadual e nacional.
Considerando que, desde que abrimos a Maternidade, a filosofia era de um trabalho interdisciplinar e de uma visão integral de saúde perinatal, penso que meu trabalho, dentro das equipes, teve um impacto fortemente positivo, porque entendemos que o processo de saúde e adoecimento são permeados pelos aspectos biológicos, sociais, psicológicos, culturais, espirituais. Então, minha atuação, com base no saber psicológico, interpenetra as ações de cuidado desenvolvidas àqueles com os quais me dedico no dia a dia da assistência.
A equipe de profissionais em que atuo representa o protótipo de um trabalho integrado, em que cada um atua com sua expertise, com seu saber específico, de forma interdisciplinar, buscando estabelecer condutas que satisfaçam as necessidades primordiais do paciente. Eu me sinto muito grata e privilegiada em participar de uma equipe que tem essa postura e que respeita os conhecimentos e práticas de diferentes profissionais. Então, a equipe, para mim, representa o trabalho integrado em si, sem o qual, o cuidado em saúde seria fragmentado.
Para quem está chegando para trabalhar nesta equipe, eu diria que é necessário o aprimoramento e estudo contínuos, ter a capacidade de trabalhar em equipe numa perspectiva de cuidado integral, bem como habilidade de acolhimento e empatia frente às demandas dos pacientes, levando em conta o conhecimento dos demais profissionais e agregando a eles o seu próprio conhecimento.
Do ponto de vista da formação pessoal, pretendo continuar me aperfeiçoando, participando de cursos, pesquisando, produzindo artigos e refletindo sobre a minha prática. Embora esteja muito próxima da aposentadoria, sinto que preciso ainda contribuir e aprender com as equipes com as quais trabalho, no sentido de fortalecer os saberes e práticas até então desenvolvidos. Sempre dizia aos meus colegas que quando me aposentasse gostaria de sair da instituição tão motivada e comprometida quanto da minha entrada, no que diz respeito a tornar as boas práticas na clínica obstétrica e neonatal uma realidade sempre presente.
Zaira Aparecida de Oliveira Custódio
Psicóloga do HU-UFSC/Ebserh
O HU-UFSC faz parte da Rede Ebserh desde março de 2016. Saiba mais sobre a Rede Ebserh.