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SETEMBRO AZUL
Uso de línguas de sinais promove a inclusão e autonomia do paciente nos hospitais da Ebserh
A comunicação em língua de sinais garante um lugar de fala para o surdo.
Brasília (DF) – De acordo com a Federação Mundial de Surdos, há mais de 70 milhões de surdos no mundo, e mais de 300 línguas de sinais diferentes são usadas para possibilitar a comunicação, expressão e inclusão destas pessoas. No Brasil, é utilizada a Língua Brasileira de Sinais (Libras). O Dia Internacional das Línguas de Sinais, 23 de setembro, é uma forma de apoiar e proteger a identidade linguística e a diversidade cultural de todos.
Por isso, especialistas da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), que administra 45 hospitais universitários federais, apresentando algumas iniciativas e ações sobre a importância da Libras para a inclusão dos surdos e a promoção da sua autonomia, enquanto cidadãos e usuários do Sistema Único de Saúde (SUS).
Acolhimento através da língua de sinais
No Hospital Universitário da Universidade Federal do Amapá (HU-Unifap/Ebserh), a médica Márcia Lorena Ferreira de Andrade realizou o atendimento ao paciente com uso da Libras na primeira cirurgia plástica reparadora do hospital.
“Imagina você indo para outro país, e chegando lá, ser recebido por alguém falando na sua língua. Maravilhoso, não é? Pois, foi isso que fizemos no HU”, disse a médica. No dia da cirurgia, ela ensinou toda a equipe que estava em sala a falar “bom dia” em Libras. “E assim, esse paciente foi recebido na sala, com todos buscando falar a língua dele e recebê-lo com empatia”.
Márcia Lorena frisou que os surdos, normalmente, são tratados como deficientes e explicou que eles apenas falam uma língua diferente, dentro de um país onde só se fala português. “Não sou tão fluente em Libras, mas consigo entender o básico, e foi muito legal ouvir as queixas desse paciente, e seu relato”. A cirurgiã explicou que geralmente o paciente com surdez quando vai ao médico precisa de acompanhante que agirá como intérprete. “Imagina toda vez que quiser se consultar ou falar de algo íntimo, precisar de algum familiar ou amigo para poder interpretar sua fala para o médico!”. Para Lorena, a comunicação em Libras com o paciente, fará com que ele se sinta muito mais acolhido, além de garantir que suas queixas serão verdadeiramente “ouvidas”.
Mais autonomia para o paciente
No Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (HC-UFPE/Ebserh), a participação da psicóloga Mônica Mota Silveira na interlocução em Libras, entre a equipe de saúde e uma paciente surda de 33 anos, assegurou o respeito a sua autonomia, garantindo o seu direito de decisão.
A paciente, acompanhada por sua mãe ouvinte, estava internada com anemia grave, ocasionada por uma síndrome genética denominada de neurofibromatose, e tinha desenvolvido freocomocitoma e um câncer na paratireóide. Em decorrência, apresentava uma doença óssea que a impossibilitava de andar. Pelo quadro e pela necessidade de cirurgia, ela precisava autorizar uma transfusão de sangue. A equipe de saúde só realizaria a cirurgia caso a transfusão fosse autorizada, em virtude do quadro da paciente e pela possibilidade de sua morte.
A mãe dessa paciente intermediava a comunicação entre ela e a equipe médica, respondendo e expressando o que a filha desejava, colocando-se, desta forma, como detentora da tomada de decisão pela filha. Essa mãe não autorizou a realização da transfusão, referindo a impossibilidade da paciente em virtude da crença religiosa.
O HC resolveu que seria necessário ouvir a paciente, para que ela mesma decidisse sobre a transfusão. Para conversar com ela, entrou em cena a psicóloga Mônica Silveira, pelo seu conhecimento em Libras e por já ter atendido nove mulheres trans surdas (usando essa linguagem), enquanto integrante do Espaço Trans do HC-UFPE. Quando a paciente decidiu fazer a cirurgia, mesmo com risco e podendo receber transfusão de sangue, o setor jurídico do HC pediu para a psicóloga atendê-la na frente da sua mãe, em Libras. “A decisão da paciente foi documentada. Ela foi cirurgiada e voltou a andar. Também passou por fisioterapia e a ter uma vida normal”, explicou Mônica Silveira.
Para a psicóloga, o uso da Libras foi fundamental para a autonomia da paciente, e ela mesma poder comunicar sua vontade. “Cada vez que chega uma paciente surda no HC, e sou convidada a atendê-la, percebo a emoção em ver que tem alguém que se preocupou em aprender Libras”, relatou. “Acredito que isso faz diferença no atendimento, e ainda, que a pessoa tenha o poder de decidir o que ela quer. É um direito seu, está nos preceitos do SUS, na autonomia da pessoa, e é fundamental”, frisou a psicóloga.
O relato dessa experiência “Libras Assegurando a Autonomia do Paciente no Direito de Decisão sobre a Realização de Procedimento Hospitalar”, elaborado pela psicóloga, foi premiado no II Congresso Brasileiro de Saúde em Libras, realizado em Juazeiro (BA), no final de 2023.
Capacitação de colaboradores para inclusão do paciente
No Hospital Universitário Alcides Carneiro da Universidade Federal de Campina Grande (HUAC-UFCG/Ebserh), um projeto vinculado ao Programa de Bolsas de Extensão da UFCG está levando o aprendizado de Libras para 30 colaboradores, por meio do curso "Libras no Contexto Hospitalar".
A coordenadora, Fabiana Leite Dezes, auxiliar de enfermagem do HUAC, explicou a motivação para essa ação: “Vi a oportunidade de promover a inclusão e acessibilidade através da comunicação para os surdos, pois é importante usarmos Libras no atendimento hospitalar, já que, a qualquer momento, podemos nos deparar com um paciente surdo”, explicou.
Fabiana também destacou que é importante que as barreiras comecem a ser derrubadas. “Sabemos que os surdos vivem à margem da sociedade, então seria importante, também o uso da Libras em outros contextos como no comércio, no setor bancário, por exemplo”, acrescentou.
Ela esclarece que pensou nesse projeto quando estudou a disciplina Libras no curso de Biologia e relacionou a língua de sinais com seu trabalho na pediatria do HUAC. “Eu ficava imaginando algumas possibilidades: se chegar uma criança surda, ou pai e mãe também surdos? Como falar com essa comunidade? E fui percebendo essa necessidade de uso da Libras no setor que eu trabalho”.
Em alusão ao Setembro Azul, mês de visibilidade das lutas e conquistas da comunidade surda, o projeto realizou, no último dia 13, no auditório do HUAC-UFCG, o evento pedagógico "Setembro Azul: A Importância da Libras no Contexto Hospitalar". A condução foi de Tiago Belo e Girlaine Aguiar, respectivamente, coordenador e professora do Curso de Letras Libras da UFCG. “Foi um dia de muita aprendizagem, acerca do direito linguístico dos surdos, e de celebração das lutas e conquistas desta comunidade”, concluiu Fabiana.
Sobre a Ebserh
Vinculada ao Ministério da Educação (MEC), a Ebserh foi criada em 2011 e, atualmente, administra 45 hospitais universitários federais, apoiando e impulsionando suas atividades por meio de uma gestão de excelência. Como hospitais vinculados a universidades federais, essas unidades têm características específicas: atendem pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) ao mesmo tempo que apoiam a formação de profissionais de saúde e o desenvolvimento de pesquisas e inovação.
Por Rosenato Barreto, com revisão de Danielle Campos
Coordenadoria de Comunicação Social da Rede Ebserh