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Entrevista
Profissional da Rede Ebserh explica sobre tratamento para a doença de Alzheimer
Doença de Alzheimer é considerada a forma mais comum de demência na terceira idade, correspondendo a cerca de 60% dos casos.
Goiânia (GO) – No Brasil, devido ao aumento da expectativa de vida, o número de pessoas com a doença de Alzheimer vem crescendo de forma significativa. Para saber mais sobre o assunto, confira a entrevista com o médico neurologista Delson José da Silva, membro titular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), mestre e doutor pelo Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública (IPTSP), chefe da Unidade do Sistema Neuromuscular (Neurologia e Neurocirurgia) do Hospital das Clínicas da Universidade Federal da Goiás (HC-UFG), hospital vinculado à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh).
- O que é a demência de Alzheimer?
O termo demência se refere a um processo que leva à alteração cognitiva e/ou comportamental, geralmente progressiva, sem cura e que causa restrições na vida diária das pessoas, de maneira gradual. Existem vários tipos de demência e a demência do tipo Alzheimer (DA) é uma síndrome neurológica progressiva, que normalmente começa com alteração da memória, principalmente para aprendizado de novas informações, associada a, pelos menos, uma função cognitiva como atenção, linguagem (diminuição do vocabulário, ou seja, não consegue encontrar palavras durante uma conversa, etc.), funções executivas (diminuição da capacidade de fazer planejamento e executar uma ação), que pode levar a um comprometimento das atividades sociais ou do trabalho.
A doença de Alzheimer (conhecida como mal de Alzheimer, termo em desuso) – nome dado em homenagem ao médico alemão Alois Alzheimer - foi descrita pela primeira vez, no início do século XX, com base nos achados clínicos e patológicos de uma paciente de 51 anos. Ela é a primeira causa de doença neurodegenerativa da terceira idade, seguida pela doença de Parkinson. A DA é considerada a forma mais comum de demência, correspondendo de 50% a 60% dos casos. No Brasil, devido ao aumento da expectativa de vida, o número de pessoas com DA vem crescendo de forma significativa. De acordo com a “Alzheimer`s Disease International”, estima-se que entorno de 50 milhões de pessoas já tivessem demência em 2015, sendo que este número deve dobrar até 2030.
A forma mais frequente da DA é a esporádica. A ocorrência de história familiar aumenta a probabilidade de DA. Parentes de primeiro grau têm o dobro de risco de desenvolver a doença. A DA pode ser transmitida geneticamente e deve ser investigada quando vários casos ocorrem na mesma família ao longo das gerações. Início antes dos 65 anos (mais precoce) também aumenta a chance de ser causa genética. Esses casos correspondem a 10% dos pacientes com DA.
Apesar do número crescente de casos de DA em todo mundo, é importante ressaltar que ainda existem alguns entraves no que se refere à dificuldade dos familiares em perceberem e aceitarem os sintomas da doença: ou por falta de informação – sendo, por eles, considerado como parte do processo natural do envelhecimento – ou por receio dos estigmas sociais impostos à pessoas com demência.
2.Quais os principais fatores de risco para o desenvolvimento da doença?
Envelhecimento (principal), história familiar de DA, trauma cranioencefálico (TCE), baixa escolaridade, diabetes mellitus tipo 2, hipertensão arterial, obesidade, sedentarismo, tabagismo, alcoolismo, perda auditiva, isolamento social, uso crônico de medicamentos (benzodiazepínicos, protetores gástricos), síndrome da apneia do sono. As mulheres – porque vivem mais e por questão hormonal (estrógenos) – correm mais riscos de desenvolver a doença.
3.Quais são as fases da doença de Alzheimer e os principais sinais e sintomas de cada uma delas?
A DA pode ser dividida em três fases: leve, moderada e avançada. Na fase inicial (leve) ocorre prejuízo da memória com esquecimentos (lapsos de memória), como perder objetos dentro de casa, não se lembrar onde guardou determinada coisa, não se lembrar do dia do mês, da semana etc. Esses eventos, normalmente, são pouco percebidos pelas pessoas, ou, quando percebem, tentam justificar como sendo parte do processo de envelhecimento normal, porém podem ser percebidos pelos familiares. Ainda nessa fase inicial, começam a apresentar dificuldades para realizar atividades da vida diária como perder prazo para pagar contas, compromissos, guardar recados, atualizar notícias e acontecimentos. Com a evolução do quadro, ocorre piora para realizar tarefas mais complexas, como cuidar das finanças.
Na fase moderada, passam a apresentar dificuldades com cuidados e higiene pessoal como tomar banho, pentear cabelos, barbear-se, vestir-se, necessitando de auxílio de terceiros (familiar ou cuidador). Ainda, nessa fase, com a progressão, a pessoa apresenta alterações mais evidentes e mais complexas nas linguagens falada e escrita (vocabulário bastante empobrecido, dificuldade para reconhecer pessoas conhecidas, reconhecer e nomear objetos, etc.), na atenção e na execução de tarefas mais simples. Apresentam, ainda, alterações de humor e comportamento inicialmente com depressão, apatia. Após algum tempo, pode mudar o padrão com agitação, desorientação e, finalmente, delírios e alucinações.
Na fase avançada, o paciente não consegue realizar nenhuma atividade, sendo totalmente dependente, e, finalmente, retido ao leito e óbito, causado, principalmente por complicações clínicas (infecções, trauma, etc.).
Em relação às alterações de comportamento, elas podem se manifestar antes do início dos sintomas cognitivos, tais como, depressão, ansiedade, apatia (as mais comuns) e podem piorar com evolução da doença. Nas fases moderada e avançada, ocorrem mais comumente sintomas de agitação psicomotora, agressividade, delírios e alucinações. Mais de dois terços dos pacientes com DA, apresentam alterações de comportamento em algum momento da doença. Essas alterações são as maiores causas de institucionalização dos pacientes com DA.
4. De que modo é realizado o diagnóstico da doença de Alzheimer?
O diagnóstico é baseado em uma conjunção dos achados clínicos e dos exames complementares, na tentativa de confirmar ou afastar a DA.
a) no quadro clínico que descrevemos acima, pela história abrangente e detalhada que contenha informações sobre o início dos primeiros sintomas relacionados à memória (esquecimentos), atenção, linguagem, realização de tarefas, alteração de comportamento e humor. Averiguar como sucedeu a instalação dos sintomas: de forma rápida ou gradual; se a piora foi progressiva ou estacionária, e qual o impacto sobre as atividades diárias, laborais e sociais. Para tanto, é necessário que as informações sejam colhidas pelo paciente, caso tenha condições de responder, com a participação de um familiar ou de um acompanhante que conheça a vida do paciente;
b) No exame clínico-neurológico, aplicação de testes de rastreio rápidos - Mini Exame do Estado Mental (MEEM), ”Montreal Cognitive Assessment (MoCa), teste do desenho do relógio e de fluência verbal;
c) Exames complementares (laboratório, imagens e líquido encefaloraquidiano, em casos específicos) deve ser realizada para ajudar no diagnóstico diferencial da DA com outras demências (demência vascular, frontotemporal, entre outras) e, em especial, das formas reversíveis (neurossífilis, hipotireoidismo, deficiência de vitamina B12, hidrocefalia de pressão normal, etc.).
A ressonância do crânio na DA pode apresentar atrofia dos hipocampos, achado que a diferencia das outras formas de demências. Exames da função cerebral, como PET-Scan (Tomografia por emissão de prótons) e SPECT (Tomografia de emissão de fótons), podem auxiliar no diagnóstico. O exame do LCR é realizado para estudo de proteínas específicas na tentativa de identificar a DA e outras demências. Portanto,
Importante esclarecer, na fase inicial da DA, as alterações ainda são pouco significativas, portanto, subdiagnosticadas, sendo que três em cada quatro pessoas com demência não receberam diagnóstico e tratamento adequados.
5. É possível determinados hábitos para prevenir os riscos do Alzheimer? Se sim, poderia citar alguns?
Não há nenhuma medicação específica que previna ou retarde a progressão da DA. No entanto, mudança nos hábitos de vida podem, de forma indireta, prevenir ou retardar o aparecimento a doença, tais como, exercícios físicos regulares, controle de peso e de doenças, como hipertensão arterial, diabetes, dieta equilibrada (dieta mediterrânea), atividade mental que melhore a reserva cognitiva (jogos, palavra cruzada, aprendizado de novas tarefas, atividades com música, leitura, artesanato, socialização, entre outras).
6. De que forma a doença de Alzheimer deve ser tratada?
O tratamento deve se iniciar tão logo que realizado o diagnóstico. Estudos demonstram que o tratamento precoce na fase inicial da doença apresenta melhor evolução e ganhos na qualidade de vida do paciente.
Na DA existem basicamente três modalidades de tratamento:
a) Tratamento medicamentoso específico da DA: é baseado nas alterações de substâncias neuroquímicas da doença. Nas fases iniciais usa-se medicamentos que venham a aumentar a acetilcolina neurotransmissor da memória, diminuído na DA (donepezila, rivastigmina e galantamina) e, nas fases moderadas e avançadas, usa-se medicamento para diminuir o glutamato, nocivo para os pacientes e que se encontra aumentado na DA (memantina).
b) Tratamento não medicamentoso: A reabilitação cognitiva em suas várias abordagens pode melhorar o desempenho funcional e resgatar algumas capacidades cognitivas dos pacientes. Este tratamento é igualmente importante ao uso de medicamentos e os estudos revelam que pode contribuir positivamente para retardar a evolução da doença. Realização de fisioterapia, fonoaudiologia, nutricionista, terapia ocupacional, psicoterapia, musicoterapia, arteterapia, entre outros, é imperativo para o cuidado.
c) Tratamento das alterações de humor e de comportamento: Para depressão e apatia, podem ser usados antidepressivos. Para ansiedade, medidas não medicamentosas ajudam, tais como, atividades físicas leves e caminhadas, arteterapia, musicoterapia. Benzodiazepínicos devem ser evitados, com intuito de evitar a piora cognitiva dos pacientes. Agitação, agressividade, principalmente quando associadas a delírios e alucinações, podem ser tratadas com antipsicóticos, preferencialmente os atípicos, para evitar efeitos colaterais.
7. De que forma os laços familiares e sociais podem contribuir para a melhoria da qualidade de vida de uma pessoa com a doença?
No idoso, o apoio familiar é fundamental. Nas demências, e em especial na DA, é imprescindível o envolvimento da família, principalmente nas fases iniciais, quando o paciente ainda consegue manter contato, pois as manifestações de carinho, amor, afetividade fortalecem a pessoa, emocionalmente. Além do mais, estabelecer diálogos, recordar histórias, músicas, eventos do passado, fotografias da família, ajudam a estimular a memória, linguagem, promovem sentimento de pertencimento que contribuem para melhor bem-estar da pessoa com DA. Além do mais, o monitoramento do cuidado por um familiar, ou do cuidador, garante a efetividade e qualidade do cuidado.
8. Como o maior distanciamento social provocado pelo coronavírus pode impactar na vida das pessoas com Alzheimer?
O convívio social sempre foi importante para pessoas com DA, porque além de reforçar laços com as pessoas, ajuda a preservar e estimular funções cognitivas como atenção, memória e linguagem, entre outras. As associações de pacientes, casas de convívio de idosos e especializadas, podem oferecer atividades que melhorem a qualidade de vida dos portadores de DA. Nesse sentido, não há dúvida de que a pandemia do novo coronavírus mudou completamente as relações das pessoas, principalmente do idoso e do paciente com DA que são fatores de risco de morte pela covid-19. O distanciamento e o isolamento comprometeram o convívio e o cuidado direta e indiretamente, impactando a qualidade de vida, tanto emocional, psicológica e fisicamente dos pacientes e causando transtornos em familiares e/ou cuidadores.
9.Quais os avanços mais relevantes no que se refere ao enfretamento ao Alzheimer?
Sendo a DA uma doença neurodegenerativa, progressiva, que até o momento não tem tratamento que possa curar ou impedir a sua progressão, os novos tratamentos em desenvolvimento são no sentido de encontrarmos medicamentos que possam modificar a evolução da doença, que visam impedir o depósito de beta-amiloide, proteína, que, em excesso, leva à morte dos neurônios, e consequente sintomas da DA. Os estudos demonstram que, em fase avançada, não tem o efeito desejado, portanto o tratamento deve ser instituído nas fases iniciais. Apesar dos tímidos resultados até o momento, os estudos são promissores, na esperança de melhorar da qualidade de vida dos pacientes.
Detectar marcadores da doença por meio de exames, antes do aparecimento dos sintomas de DA e, consequentemente, realizar o diagnóstico e tratamento precoces no sentido de tentar impedir a evolução da doença é outra frente de pesquisa.
9. Considerações finais
No HC-UFG/Ebserh, na Unidade de Neurologia e Neurocirurgia, realizamos atendimento específico no ambulatório de demências para diagnóstico e tratamento da DA. Ressaltamos ainda que quase todas medicações são disponibilizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Centro de Medicações de alto Custo da Secretaria Estadual de Saúde e as consultas podem ser reguladas por meio do sistema SUS.
Sobre a Rede Ebserh
O HC-UFG faz parte da Rede Ebserh desde dezembro de 2014. Vinculada ao Ministério da Educação (MEC), a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) foi criada em 2011 e, atualmente, administra 40 hospitais universitários federais, apoiando e impulsionando suas atividades por meio de uma gestão de excelência.
Como hospitais vinculados a universidades federais, essas unidades têm características específicas: atendem pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), e, principalmente, apoiam a formação de profissionais de saúde e o desenvolvimento de pesquisas.
Devido a essa natureza educacional, os hospitais universitários são campos de formação de profissionais de saúde. Com isso, a Rede Ebserh atua de forma complementar ao SUS, não sendo responsável pela totalidade dos atendimentos de saúde do país.
Com informações do HC-UFG/Ebserh