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Multidisciplinaridade
Profissionais de saúde em evento de hospital Ebserh no RJ explicam causas e efeitos da obesidade e a cirurgia bariátrica como tratamento
A obesidade segue crescendo na população brasileira - Foto: Maya Kruchenkova
Rio de Janeiro (RJ) – A obesidade é uma epidemia global que causa impacto tanto na saúde quanto na expectativa e qualidade de vida. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2025, a estimativa é de que 2,3 bilhões de adultos no mundo estejam acima do peso, sendo 700 milhões deles com obesidade. Apenas no Brasil, a doença crônica cresceu 72% nos últimos treze anos, indo de 11,8% em 2006 para 20,3% em 2019. A discussão sobre esse cenário alarmante ocorreu durante a XLI Jornada Científica do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, vinculado à Rede Ebserh (HUGG-Unirio/Ebserh).
“A obesidade é o excesso de gordura depositada em diferentes partes do corpo. É a base para diversas outras doenças como diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares e aumenta o risco de novas neoplasias. A causa dela é complexa e multifatorial, incluindo ambientais e psicológicos, e não se resume à relação entre consumo e gasto de caloria”, informou a endocrinologista e professora da Escola de Medicina e Cirurgia (EMC) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Marcia Helena Soares.
Para parametrizar a obesidade, a OMS utiliza o Índice de Massa Corporal (IMC), calculado a partir do peso dividido pela altura ao quadrado do indivíduo, subdividindo em: grau um (IMC entre 30 e 35), grau dois (IMC entre 35 e 40) e grau três (a partir de 40). Existem também os superobesos, com IMC acima de 50.
“Apesar de ser um bom indicador, o IMC não se correlaciona totalmente com a gordura corporal. Por isso, é necessário, na prática clínica, estar atento a outros marcadores, como a própria composição corporal e a medida das circunferências. Temos considerado os modelos do IDF (Federação Internacional de Diabetes), que demarcam uma cintura maior de 90 para homens e maior de 80 para mulheres como indicadores de obesidade”, continuou Marcia.
De acordo com a especialista, como forma de contenção desta crescente da doença, tanto a Sociedade Brasileira de Endocrinologia quanto a Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica) propuseram a busca por um tratamento mais real, com classificações da obesidade em reduzida e controlada.
Marcia frisou que é importante entender que cada paciente tem suas particularidades. “O profissional de saúde vai discutir com o paciente, a partir do peso máximo dele, qual a base de perda de peso que ele tem de ter. Não podemos, por exemplo, pegar um paciente com IMC de 50 e querer trazer o IMC normal. Isso é uma meta quase impossível de atingir e desestimula. Podemos usar esta métrica em casos em que o IMC não mudou com o tratamento e casos em que houve redução de IMC. Isso é importante para identificar a trajetória do paciente”, salientou.
Outro ponto levantado pela endocrinologista é quanto à ciência de que quando se trata a obesidade também se está lutando contra diversas outras patologias relacionadas. “Reduzir o peso é reduzir uma série de comorbidades no processo inflamatório. Mesmo que haja redução de peso, é importante que o paciente saiba que ele não deixa de ser obeso e que vai ter de fazer uma mudança de vida e, quando prescrito, usar os medicamentos indicados de forma regular”, alertou.
A cirurgia bariátrica, um dos tratamentos mais efetivos para eliminação do excesso de peso, ajuda também na manutenção de um peso saudável para os pacientes que apresentam obesidade refratária aos tratamentos convencionais, além de melhorar a remissão dos problemas de saúde vinculados à obesidade. Os candidatos ao procedimento devem preencher requisitos legais desde IMC acima de 40, ou 35 e alguma doença associada, como diabetes, comprovar tratamento clínico prévio por ao menos dois anos, e ter entre 18 e 65 anos, na grande maioria dos casos.
É necessário, porém, estar atento, também, às contraindicações, como o caso de limitação intelectual significativa, onde o paciente não é capaz de entender os procedimentos pré e pós-operatórios, ou se não houver suporte familiar adequado. “Há contraindicação se o paciente tiver um transtorno psicológico não controlado, incluindo uso de álcool e drogas ilícitas”, informou Bruno Caldas, médico do HUGG-Unirio/Ebserh.
Equipe multidisciplinar
O cirurgião bariátrico, porém, não trabalha sozinho. Há um grupo de profissionais que, geralmente, inclui endocrinologista, nutricionista, fisioterapeuta, assistente social e psicólogo. A meta desse esforço coletivo é apoiar e preparar o usuário para os momentos de antes e depois da cirurgia.
A participação de um profissional de saúde mental também se faz essencial para que se possa identificar possíveis transtornos alimentares, definidos como conjuntos de síndromes clínicas caracterizadas por grave alteração de comportamento alimentar por sofrimento ou preocupação excessiva com a forma e o peso corporal.
“A maior vulnerabilidade psicológica é a dificuldade no acesso à saúde mental. Isso faz muita diferença quando se vai avaliar as questões emocionais e psicológicas dos candidatos à cirurgia bariátrica”, explica Dayse Oliveira, psicóloga do Hospital de Força Aérea do Galeão (HFAG), que também participou do debate promovido pelo HUGG-Unirio/Ebserh.
Dentre os principais transtornos do tipo, de acordo com a especialista, está a anorexia nervosa, onde ocorre uma restrição extra calórica em relação às necessidades levando a um peso corporal significativamente baixo no contexto individual. Nestes casos, há um medo intenso de ganhar peso ou engordar e é de difícil tratamento. Outro tipo é a bulimia nervosa, marcada por episódios recorrentes de compulsão alimentar seguidos de mecanismos compensatórios e inadequados, como uso de laxantes, vômito e excesso de exercício. Nestes casos, geralmente, a pessoa tem vergonha e relata não conseguir parar de se alimentar.
Entretanto, o que aparece em maior prevalência nos elegíveis à cirurgia bariátrica é mesmo o transtorno de compulsão alimentar. “A pessoa não tenta exaustivamente compensar o excesso de alimento, ao contrário da bulimia. Ocorre apenas a ingestão de grandes quantidades de comida sem controle. Está associado a três ou mais das seguintes características, corriqueiramente: comer mais rápido que o habitual; comer até se sentir cheio; comer grandes quantidades mesmo sem sentir fome; comer sozinho por vergonha da quantidade de comida ingerida e ter repulsa por si próprio logo após a compulsão”, elenca Dayse.
Durante a consulta deve-se observar, ainda, se esses transtornos estão ligados a outros transtornos psiquiátricos primários (como depressão). Ademais, como a cirurgia não opera a mente das pessoas, de acordo com a psicóloga, é necessário se atentar para a atualização das compulsões, com a comida podendo dar lugar a outra. E, principalmente, precisa-se praticar empatia.
“Padrões persistentes de experiências internas e comportamentos desviam-se de uma forma marcante das expectativas e da cultura do indivíduo. Não se deve ter preconceito e sim cuidado, paciência e atenção para ajudar no tratamento”, concluiu.
Com informações do HUGG-Unirio/Ebserh/MEC