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PESQUISA PIONEIRA
Pele de tilápia é usada em hospital do Ceará para tratar úlceras causadas por varizes
Estudo acompanha a evolução de 72 pacientes divididos em três grupos que necessitam de curativo
Fortaleza (CE) – Usada para tratar queimaduras e na construção do canal vaginal em mulheres que nasceram com esse canal curto ou mesmo ausente, a pele de tilápia também passou a ser utilizada pelo Hospital Universitário Walter Cantídio, vinculado à Universidade Federal do Ceará e à Rede Ebserh (HUWC-UFC/Ebserh), para tratar úlceras varicosas. Essas úlceras são feridas profundas na pele, geralmente localizadas nas pernas, causadas pelas varizes, podendo demorar de semanas a anos para cicatrizar e, em casos mais graves, nunca curar.
Fred Linhares, cirurgião vascular da Rede Ebserh com atuação no HUWC que está à frente da pesquisa iniciada em novembro, explica que o estudo pioneiro no Brasil acompanha a evolução de 72 pacientes divididos em três grupos que necessitam de curativos para o tratamento de úlceras varicosas: com pele de tilápia, que prevê troca do curativo a cada sete dias; com óleo de AGE (ácidos graxos essenciais), para troca diária de curativos; e com espuma de poliuretano, com curativos a cada cinco dias.
Mesmo ainda inicial, o uso da pele de tilápia em curativos já aponta algumas vantagens em relação aos procedimentos convencionais. “Como a pele de tilápia fica mais tempo, você manipula menos a ferida, diminuindo a dor do paciente e o risco de infecção. Com base nos estudos com queimados, acreditamos que a cicatrização também será mais rápida porque a pele de tilápia estimula a formação de colágeno, que ajuda muito no processo de fechamento da ferida. Com a redução da troca de curativos, também conseguimos diminuir o custo com insumos”, explica Linhares.
Cada paciente é acompanhado por, no máximo, três meses pelo grupo da pesquisa. Se a úlcera fechar, o tratamento é interrompido e o paciente volta ao ambulatório para acompanhamento clínico. Se não fechar em três meses, o paciente volta ao tratamento feito antes do estudo. “No fim do estudo, vamos comparar os resultados e ver o que melhor se aplica”, finaliza o especialista.
Menos inchaço e dor
A empregada doméstica Maria Madalena Nascimento, de 63 anos, sofre com úlcera varicosa na perna esquerda há, pelo menos, quatro anos. “Quando a ferida arrebentou pela primeira vez, eu fiz o tratamento. Mas aí abriu de novo. Então, eu fui encaminhada para cá (HUWC). Aí, falaram comigo da pesquisa e me convidaram a participar. Aceitei porque tenho fé em Deus de que eu vou ficar boa”, faz planos. A paciente também destaca, após as primeiras semanas do novo tratamento, duas importantes melhoras: menos inchaço e dor.
O cirurgião vascular Fred Linhares informa que, entre os principais fatores de risco da úlcera varicosa, estão: genética, sobrepeso, imobilidade e histórico de trombose. “Temos pacientes que são tratados por 30 anos sem que a úlcera feche em definitivo”, alerta. O médico afirma que os impactos desse tipo de lesão na vida dessas pessoas chegam à questão econômica. “É difícil conseguir um emprego com uma ferida na perna. Se há cicatrização, essas pessoas podem, inclusive, voltar ao mercado de trabalho e melhorar a condição econômica de suas famílias”, completa.
Preparo
O especialista esclarece que o preparo da tilápia começa com a retirada de toda a musculatura, deixando apenas a pele. Em seguida, a pele passa por um processo de esterilização, com banhos sucessivos em substâncias químicas para a retirada de bactérias. O material também é liofilizado, isto é, submetido a um processo de desidratação. No fim, o material é irradiado para ter a certeza de que foram eliminados todos os microrganismos que possam causar contaminações. A pele, já preparada, é colocada sobre a ferida. O curativo é, então, fechado com gaze e atadura. “Se for produzida muita secreção, o paciente pode, em casa mesmo, trocar a gaze utilizada”, orienta.
Além do Serviço de Cirurgia Vascular o HUWC, estão envolvidas na pesquisa para tratamento de úlcera varicosa com pele de tilápia as equipes multidisciplinares do Instituto de Apoio ao Queimado do Instituto Dr. José Frota (IAQ/IJF) e do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos da Universidade Federal do Ceará (NPDM/UFC).
Outras aplicações
A pele de tilápia também vem sendo utilizada com muito sucesso no tratamento de queimados, realizado no Ceará desde 2015, implantado pelo cirurgião plástico Edmar Maciel, coordenador da pesquisa e presidente do Instituto de Apoio ao Queimado do IJF, que já aplica a membrana como um regenerador natural da pele humana.
Em 2017, duas pacientes do Ambulatório de Adolescente da Maternidade-Escola Assis Chateaubriand (Meac-UFC/Ebserh) obtiveram resultados positivos com cirurgia minimamente invasiva feita com pele de tilápia na correção da síndrome de Rokitansky, para a construção do canal vaginal. A iniciativa foi idealizada pelo professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) Leonardo Bezerra, coordenador da Residência Médica em Obstetrícia e Ginecologia da Meac. A pesquisa ainda se encontra em caráter clínico-experimental e está sendo executada por equipe multidisciplinar da Maternidade e do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos.
Sobre a Rede Ebserh
O HUWC-UFC 0faz parte da Rede Ebserh desde novembro de 2013. Vinculada ao Ministério da Educação (MEC), a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) foi criada em 2011 e, atualmente, administra 40 hospitais universitários federais, apoiando e impulsionando suas atividades por meio de uma gestão de excelência.
Como hospitais vinculados a universidades federais, essas unidades têm características específicas: atendem pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) e, principalmente, apoiam a formação de profissionais de saúde e o desenvolvimento de pesquisas. Os hospitais universitários são, por sua natureza educacional, campos de formação de profissionais de saúde. A Rede Hospitalar Ebserh não é responsável pela totalidade dos atendimentos de saúde do país, apenas atua de forma complementar ao SUS.