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INCLUSÃO
Hospitais da rede Ebserh foram credenciados pelo Ministério da Saúde para cirurgias de redesignação de gênero
Equipe de cirurgia realiza primeiros procedimentos de redesignação de gênero
Brasília (DF) - No mês do Orgulho LGBTQIAP+, o Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG-Unirio) e o Hospital Universitário Dr. Miguel Riet Correa Jr (HU-FURG), se tornaram parte de um marco histórico para a população trans do Rio de Janeiro (RJ) e do Rio Grande (RS). As unidades, administradas pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), foram credenciadas pelo Ministério da Saúde (MS) e são os mais novos hospitais a oferecer pelo SUS, cirurgias de redesignação sexual no Brasil.
Na última sexta-feira (23), foi dado início aos procedimentos e três mulheres trans já foram submetidas à cirurgia no HUGG. Elas foram coordenadas pela equipe do Serviço de Urologia com o apoio de cirurgiões plásticos e do urologista argentino Javier Belinky, do Hospital Carlos G Durand, localizado em Buenos Aires. O HUGG já realizava cirurgia reconstrutora urogenital e, a partir do apoio da superintendência, solicitou a habilitação do novo serviço.
O cuidado com a população trans acontece na Atenção Básica e na Especializada, sendo esta última o caso do HUGG, que abrange a modalidade hospitalar com a realização de cirurgias e o acompanhamento antes e depois dos procedimentos operatórios.
“O hospital está habilitado na modalidade hospitalar, que é a etapa mais avançada. Faremos cirurgias em mulheres trans que já chegam tendo passado pelo processo hormonal, o que é basicamente fazer uma neovagina na mulher trans. Estamos montando uma estrutura com o objetivo de ser multidisciplinar. Hoje temos serviços de Urologia e Cirurgia Plástica envolvidos e queremos trazer outras áreas vinculadas no processo”, informou o coordenador do Serviço de Urologia do HUGG, André Cavalcanti, completando que um dos motivos de se ter optado, neste primeiro momento, pela modalidade hospitalar é para aliviar o gargalo cirúrgico, já que apenas seis centros eram credenciados para realização desse tipo de procedimento, entre eles, dois também fazem parte da rede Ebserh: Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco e Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás.
A intenção do HUGG é ampliar o atendimento e se tornar referência. “Na verdade, o objetivo é nos tornarmos uma referência nacional, ajudando na formação de novos médicos e trabalhando em equipes multidisciplinares. Queremos criar aqui um modelo de atendimento que, no futuro, possamos tentar replicar em outros centros”, disse o coordenador do Serviço de Urologia do hospital, André Cavalcanti.
Novos caminhos
O Hospital Universitário Dr. Miguel Riet Correa Jr também teve a habilitação do serviço de Atenção Especializada no Processo Transexualizador, de acordo com portaria publicada dia 14 de junho. O HU-Furg está em fase de organização de fluxos e começará os atendimentos em breve.
De acordo com a obstetra e chefe da Unidade da Mulher do HU-Furg, Tânia Fonseca, a habilitação do HU-Furg tem um impacto significativo na diminuição da fila de espera do serviço de referência, do Programa Transdisciplinar de Identidade de Gênero (Protig), do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. A espera por um procedimento de afirmação de sexo, que pode levar até cinco anos, é um grande desafio para muitas pessoas.
“O serviço de Atenção Especializada no Processo Transexualizador, modalidade hospitalar, significa a possibilidade de realização de cirurgias nesta instituição de afirmação de gênero que pode incluir tanto a construção de um novo órgão genital, quanto a remoção de órgãos acessórios, como testículos, mama, útero e ovários”, afirmou Tânia.
História de luta, história de glória
Um oásis no deserto. Assim, Kathyla Katheryne Valverde, 56, pedagoga, musicista, mulher transexual, ativista dos Direitos Humanos, transfeminista e doutoranda de música da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), define a importância da disponibilidade pelo SUS do processo transexualizador. “Eu vivia dentro da caverna de mim mesma. Sabia que o suicídio não era uma alternativa, pois sou de família cristã e sei que não tem salvação, caso contrário teria me matado. Era uma pessoa muito triste e amarga. E, dentro da seara da transexualidade, eu me olhava no espelho e ficava amargurada. Via meu semblante, meu corpo e achava aquilo horrível”, falou, demonstrando o sofrimento vivido por pessoas com a mesma condição. Antes de passar pela redesignação de gênero, Kathyla tentou buscar, no reconhecimento musical, uma projeção artística que conseguisse dar suporte para “sair do armário” e receber apoio da sociedade. “Graças a Deus, o meu talento me permitiu estar num nível bastante acima da média do que era praticado aqui. Conseguia tocar o que estava sendo feito lá fora, mas não conhecia ninguém, morava no subúrbio e as dificuldades eram grandes”, completou.Pioneira
Kathyla foi a primeira mulher trans do Rio de Janeiro a fazer toda documentação social sem ter passado pelo processo transexualizador. Em 2016, finalmente, conseguiu realizar a cirurgia de redesignação sexual, mas as dificuldades encontradas pelo caminho não a impediram de pensar em outras pessoas que passam pelo mesmo problema. “O desespero é tão grande que, aqui no Brasil, muitas mulheres se sujeitam a participar de qualquer coisa para alterar a anatomia. Tudo para acabar com o sofrimento. Fiz parte da câmara técnica de saúde LGBT, que se tornou conselho. Graças a Deus, pude dar muitas contribuições para o movimento social”, disse.
No SUS
O termo "transgênero" é utilizado para descrever pessoas cuja identidade de gênero difere do sexo atribuído ao nascimento. Muitos indivíduos trans sentem uma desconexão entre sua identidade de gênero e seus corpos, como se tivessem nascido no corpo errado. Em agosto de 2008, o Sistema Único de Saúde (SUS) estabeleceu o processo transexualizador , o qual permitiu que essa população tivesse acesso a procedimentos de harmonização, cirurgias de modificação corporal e genital, bem como acompanhamento de profissionais de diversas áreas. Em 2013, por meio da Portaria 2803/2013 , o programa foi redefinido e expandido para incluir também homens trans e travestis no processo transexualizador do SUS, visto que, até então, apenas mulheres trans recebiam assistência por meio desse serviço.
Sobre a Rede Ebserh
Vinculada ao Ministério da Educação (MEC), a Ebserh foi criada em 2011 e, atualmente, administra 41 hospitais universitários federais, apoiando e impulsionando suas atividades por meio de uma gestão de excelência. Como hospitais vinculados a universidades federais, essas unidades têm características específicas: atendem pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) ao mesmo tempo que apoiam a formação de profissionais de saúde e o desenvolvimento de pesquisas e inovação.
Por Felipe Monteiro com contribuições de Andrea Pires e revisão de Luna Normand e Marília Rego
Coordenadoria de Comunicação Social/Ebserh