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JANEIRO BRANCO
Excesso de conteúdos curtos e superficiais afeta a saúde mental
O termo brain rot, que significa apodrecimento cerebral, foi escolhido como a palavra do ano pela Oxford em 2024. Imagem ilustrativa.
Nesta reportagem, você vai ver:
- Conteúdo digital pode causar dependência
- Problema é acentuado entre os mais jovens
- Mais saúde e menos conteúdo superficial
Brasília (DF) - O primeiro contato com as telas acontece logo ao acordar, com o despertador do smartphone. Ao longo do dia, o aparelho continua como uma espécie de segunda pele: é utilizado para conversar com amigos e familiares, estudar, trabalhar e se entreter. Entre uma tarefa e outra, uma espiadinha nas redes sociais. Mas a rotina conectada tem um preço - às vezes muito elevado. O consumo constante de conteúdo digital, especialmente de forma rápida e superficial, pode afetar nossa saúde cognitiva de maneiras invisíveis, profundas e até irreparáveis. Assim, a campanha Janeiro Branco, que dedica o primeiro mês do ano à reflexão sobre o cuidado com a saúde emocional, também representa um convite a uma vida mais equilibrada entre o online e o offline.
A dificuldade de desconectar-se das telas é um fenômeno mundial. Em 2024, o termo brain rot, que significa ‘apodrecimento cerebral’, foi escolhido como a palavra do ano pela Universidade de Oxford, após uma votação pública que reuniu mais de 37 mil participantes. A expressão descreve um processo de desgaste mental que ocorre com a exposição contínua a conteúdos rápidos e superficiais, como vídeos curtos no TikTok ou Instagram. Pensando nisso, especialistas ligados à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), estatal que administra 45 hospitais universitários espalhados pelo Brasil, compartilham dicas de como preservar a saúde mental em meio ao ritmo acelerado da vida digital.
De acordo com o psiquiatra Sávio Teixeira, profissional do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC-UFG), o fenômeno ocorre quando o cérebro se acostuma a processar informações sem profundidade. Isso prejudica a atenção e a capacidade de realizar tarefas que exigem mais tempo e reflexão. “Com o passar dos meses, o cérebro perde a capacidade de focar em atividades que demandam maior concentração e análise. Desta forma, é importante que as pessoas aproveitem esse início de ano para refletir sobre os impactos da tela na saúde mental”, explica.
Os efeitos do brain rot costumam ser sutis no início. No entanto, se não tratados, podem afetar o sistema cognitivo dos indivíduos de maneira significativa. Os principais sintomas incluem dificuldades de concentração, cansaço mental constante e falta de interesse por atividades que exigem mais tempo e dedicação mental. “Se essa sobrecarga não for abordada, pode levar a problemas como ansiedade, depressão, baixa autoestima, isolamento social, perda de prazer por atividades que antes eram prazerosas e até dificuldades em tomar decisões simples no dia a dia”, alerta Teixeira.
Conteúdo digital pode causar dependência
Se foge do controle, é preciso ligar o sinal de alerta. Por isso, a psicóloga Rafaela Reginato, do Hospital da Universidade Federal da Grande Dourados (HU-UFGD), compara o consumo excessivo de conteúdo digital ao vício. “Assim como outras dependências, o uso constante de conteúdos digitais cria uma sensação de prazer imediato, mas temporário, fazendo com que a pessoa busque cada vez mais esses estímulos rápidos”, afirma.
Para evitar os efeitos do brain rot, a psicóloga recomenda estratégias como estabelecer limites para o uso de telas, procurar atividades que desafiem o cérebro, como leitura e esportes, e praticar mais interações sociais presenciais. “É importante também reservar momentos para introspecção e autoconhecimento, evitando usar as redes como uma fuga emocional”, sugere.
Problema é acentuado entre os mais jovens
A pesquisa TIC Kids Online Brasil 2024 revelou que 93% da população brasileira de 9 a 17 anos utiliza a internet, com 83% acessando plataformas como WhatsApp, Instagram, TikTok e YouTube. O estudo, realizado pelo Cetic.br, também mostrou que 98% dos jovens acessam a rede pelo smartphone, refletindo a predominância do uso de dispositivos móveis. O consumo constante de conteúdo digital tem gerado preocupações sobre o impacto no desenvolvimento cognitivo dos mais jovens.
A neuropediatra Madacilina Teixeira, do Hospital Bettina Ferro de Souza (HUBFS), integrante do Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Pará (CHU-UFPA), destaca que a exposição prolongada a conteúdos rápidos e superficiais pode afetar a capacidade do cérebro de realizar análises profundas. “As crianças e adolescentes estão cada vez mais acostumados a processar informações de forma rápida, mas sem reflexão crítica, o que pode comprometer seu desenvolvimento cognitivo a longo prazo”, detalha Teixeira. Ela ressalta que “o impacto é ainda mais grave em crianças pequenas, cujos cérebros estão em fase de formação”, complementa Teixeira.
A preocupação com o uso da tecnologia nas escolas tem gerado debates em todo o país. No mês passado, o Senado aprovou o Projeto de Lei que proíbe o uso de celulares por alunos dos ensinos infantil, fundamental e médio. As exceções incluem o uso para fins pedagógicos, sob a supervisão de professores, e para estudantes que necessitem de recursos de acessibilidade. A proposta, já aprovada pela Câmara dos Deputados, aguarda a sanção presidencial para se tornar lei e entrar em vigor.
Para a neuropediatra Madacilina, a medida é necessária para proteger o desenvolvimento infantojuvenil no Brasil. "A restrição do uso indiscriminado de celulares nas escolas vai permitir que os alunos resgatem a capacidade de concentração e reflexão durante as aulas, representando um ganho que vai acompanhá-los pelo resto da vida", garante a profissional.
Mais saúde e menos conteúdo superficial
Criada em 2014, a campanha Janeiro Branco busca conscientizar a população sobre a importância do cuidado com a saúde mental, com foco na reflexão sobre a vida, relações sociais e emoções. A escolha do primeiro mês do ano tem um significado simbólico, já que muitas pessoas estão mais propensas a avaliar suas condições de existência nesse período.
Assim como uma ‘folha em branco’, a mobilização convida todos a escreverem ou reescreverem suas histórias de vida, reforçando a necessidade de preservar o bem-estar psicológico. Esse cuidado se torna ainda mais necessário diante dos impactos negativos causados pelo uso excessivo de tecnologia, como o fenômeno do brain rot.
Sobre a Ebserh
Vinculada ao Ministério da Educação (MEC), a Ebserh foi criada em 2011 e, atualmente, administra 45 hospitais universitários federais, apoiando e impulsionando suas atividades por meio de uma gestão de excelência. Como hospitais vinculados a universidades federais, essas unidades têm características específicas: atendem pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) ao mesmo tempo que apoiam a formação de profissionais de saúde e o desenvolvimento de pesquisas e inovação.
Por George Miranda, com edição de Danielle Morais.
Coordenadoria de Comunicação Social da Rede Ebserh