Séries Especiais
SÉRIE PEQUENOS GUERREIROS
Atendimento humanizado e avanços na medicina possibilitam melhoras no desenvolvimento de bebês nascidos entre 22 e 30 semanas
Brasília (DF) – A prematuridade de uma criança pode quebrar as expectativas dos pais sobre o ideal de uma gestação tranquila. No entanto, com os avanços atuais da tecnologia e do conhecimento, a passagem pela UTI neonatal torna-se apenas uma fase, até mesmo em casos de bebês muito prematuros, que segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) são os nascidos entre 28 e 32 semanas de gestação, e os extremamente prematuros, que nascem com menos de 28 semanas. Na segunda reportagem da série “Pequenos Guerreiros”, vamos acompanhar histórias de crianças atendidas nos hospitais vinculados à Rede da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) que mostraram, desde cedo, sua garra e determinação na luta pela vida.
O pequeno João Elias nasceu no dia 8 de março de 2021, na Maternidade Escola Assis-Chateaubriand (MEAC-UFC/Ebserh), com apenas 22 semanas, 29 centímetros e pesando 600 gramas. A mãe, Jéssika Abreu, conta que tudo aconteceu em meio à pandemia de covid-19, e quando o bebê nasceu, ela ouviu da equipe médica que João era o caso mais extremo de prematuridade que já havia dado entrada na UTI neonatal, por isso não havia chance de sobrevivência.
“Foi quando meu mundo caiu. Olhei para meu filho e vi aquele pinguinho de gente, coloquei o dedo na incubadora, peguei a mãozinha e ele também segurou o meu dedo. Ali, eu senti Deus dizendo para mim ‘ele vai ser seu, vai ser difícil, mas ele vai ser seu’. Senti também meu filho dizendo para eu ter calma, pois ele iria ser forte”, relata Jéssika Abreu, mãe de João Elias. Ao longo dos seis meses de internação na MEAC-UFC, foram várias intercorrências, que foram vencidas, uma a uma.
Hoje, João vai completar três anos e a cada dia seu desenvolvimento surpreende a família com sua inteligência e aprendizado. “Para um bebê que não sobreviveria, o João prova todos os dias o poder de Deus e o poder da medicina, ele é realmente um milagre”, comenta Jéssika, que também teve sua segunda filha, Luísa, nascida na MEAC-UFC. “É a segunda família do João, tanto que, quando ele fez um ano, eu levei ele para comemorar junto com a equipe, e sempre nas campanhas de prematuridade eu o levo como exemplo para outras famílias que também estão enfrentando essa fase difícil, para provar que é possível vencer”, destaca.
A primeira hora de ouro do bebê
O neonatologista do Hospital Universitário Antônio Pedro (Huap-UFF/Ebserh) e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense, Alan Araujo Vieira, explica que a melhor maneira de garantir o desenvolvimento saudável do feto durante a gestação é prevenindo doenças na gestante, tais como o diabetes, a hipertensão e as infecções. No entanto, mesmo com todos esses cuidados, ainda há casos de prematuridade sem causa definida, quando o bebê nasce antes do esperado; nesses casos, a melhor forma de propiciar a chance de um bom desenvolvimento é garantir um atendimento em local preparado, com equipe multidisciplinar acostumada a atender esses frágeis pacientes.
A primeira hora de vida após o nascimento, conhecida como a “hora de ouro” do bebê, ganha especial atenção. “Quando não conseguimos prevenir o parto prematuro, a equipe pode tentar melhorar as condições de nascimento desse bebê: encaminhar a gestante para um parto em local especializado no atendimento aos prematuros, utilizar medicações para aumentar a maturidade do feto ainda na barriga da mãe, ou seja, antes do nascimento, e garantir que na primeira hora de vida, o bebê prematuro extremo receba cuidados relacionados a um bom controle da temperatura, uma ventilação pulmonar adequada e gentil, uso racional de antibioticoterapia, garantir a nutrição, entre outras necessidades”, afirma.
O neonatologista explica que, para isso, é essencial que haja equipamentos adequados, mas principalmente, a tecnologia humana, que é o grande diferencial que existe hoje em dia no atendimento a esses bebês. Na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal do Huap-UFF, a taxa de sobrevida de bebês entre 750g e 1000g é de 90%. Entre 500g e 750g, a taxa é de 65%.
Foi durante o pré-natal que Daiane Trugilho, mãe das gêmeas Ana Clara e Maria Luíza, descobriu um problema no cordão umbilical de uma das meninas, e por isso referenciada para o atendimento no Huap-UFF. As meninas nasceram com 30 semanas de gestação, no dia 1º de setembro. “Eu já sabia que, por ser uma gestação gemelar, poderia acontecer de ter uma prematuridade. Foi meio assustador para nós pensar que elas nasceriam e iriam para a UTI neonatal, mas todos aqui foram muito solícitos. Meu tratamento foi todo pelo SUS e fiquei surpresa com a qualidade do atendimento, desde a maternidade, a UTI neonatal, tive suporte psicológico desde a gestação, todos foram ímpares”, ressalta. Ao final de setembro, Ana Clara e Maria Luíza foram para a unidade canguru, onde puderam ter os cuidados da mãe, Daiane, e do pai, Leonardo, durante as 24 horas do dia, e no último dia 6 de novembro finalmente puderam ir para casa.
Presença da família é fundamental
Segundo o professor Alan Araujo Vieira, a presença dos familiares dentro da UTI neonatal contribui muito para o desenvolvimento do bebê pretermo, pois estimula imunidade a produção de leite pela mãe. “Hoje em dia a gente se preocupa muito com o cérebro do recém-nascido, e todos esses fatores fazem com que o desenvolvimento neurológico desses bebês seja muito melhor. Temos vários estudos que mostram que, quando tudo isso é provido, esses bebês se desenvolvem melhor”, afirma.
Foi o caso de Sophia Vitória, que nasceu no dia 18 de julho no Hospital Universitário da Universidade Federal do Rio Grande (Hu-Furg/Ebserh), e em todos os momentos contou com a presença da mãe, Josiane Silva, e do pai, Luis Santana, na UTI neonatal. O HU-Furg, assim como a MEAC-UFC e o Huap-UFF, faz parte da Iniciativa Hospital Amigo da Criança, que incentiva o aleitamento materno para diminuir a morbimortalidade. Sophia nasceu com 28 semanas de gestação, pesando apenas 615 gramas, e após quase quatro meses de luta, no último dia 4 de novembro ela teve alta hospitalar.
O pai de Sophia, Luís Santana, afirma que a sensação de ter a filha em casa é surreal. “Ver ela lutando etapa por etapa, tirando aparelho por aparelho, passando por tudo o que ela passou, e depois ver ela se arrumando para deixar a neonatologia, a ficha começou a cair. Sair com ela na rua, chegar em casa com ela, apresentá-la para os dois cachorros da família, colocar ela no berço que já estava montado desde os seis meses de gestação, ouvir o choro dela em casa, tudo é motivo de festa e de comemoração. A vida prevaleceu!”, celebra.
Sobre a Ebserh
Vinculada ao Ministério da Educação (MEC), a Ebserh foi criada em 2011 e, atualmente, administra 41 hospitais universitários federais, apoiando e impulsionando suas atividades por meio de uma gestão de excelência. Como hospitais vinculados a universidades federais, essas unidades têm características específicas: atendem pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) ao mesmo tempo que apoiam a formação de profissionais de saúde e o desenvolvimento de pesquisas e inovação.
Por Paola Caracciolo, com revisão de Danielle Campos
Fotos: Paola Caracciolo, Andreia Pires e arquivo pessoal de Jéssika Abreu
Coordenadoria de Comunicação Social/Ebserh