Relatos e Historias
RELATOS DE QUEM CUIDA
“Quem chega para trabalhar aqui não está assumindo somente um cargo, mas uma missão”
Vitória (ES) – Meu nome é Mônica Barros de Pontes e minha trajetória aqui no Hucam começou no início da década de 90, no auge da reestruturação do Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno, em 93, quando foi criada a Comissão Central do Banco de Leite Humano, vinculada ao Ministério da Saúde, responsável por orientar a formulação de políticas do setor. São, portanto, mais de 30 anos em uma frente de batalha cujos resultados só nos trazem orgulho. Hoje, ocupo o cargo de enfermeira assistencial responsável pelo Banco de Leite, onde lidero uma pequena equipe dedicada ao apoio à amamentação e ao cuidado de mães e bebês.
Sou fruto da casa, pois fiz minha graduação aqui, e logo após me formar, fui aprovada no concurso público federal e iniciei minha trajetória na maternidade. Motivada pela minha paixão pela área da saúde materno-infantil, especialmente o cuidado com o aleitamento materno, junto com uma médica neonatologista e uma enfermeira professora do departamento de enfermagem, fundamos o Núcleo de Aleitamento Materno, um projeto de extensão para apoiar mães após a alta hospitalar na amamentação.
Nesse contexto, como enfermeira recém-chegada ao Hucam, fui indicada para o curso de especialização em aleitamento materno e banco de leite humano na Fiocruz e Unirio, o que representou um reconhecimento do trabalho que já desenvolvíamos, como núcleo de extensão, no apoio ao aleitamento materno.
Na época, o Banco de Leite Humano do Hucam ainda não existia e foi a partir da extensão, da pós-graduação e da demanda da população que formalmente surgiu o primeiro BLH/Hucam que foi crescendo e, em outubro de 1995, recebeu sua segunda área física, sendo oficialmente reconhecido como serviço institucional e em 2013 como um serviço de referência estadual na Rede Brasileira de banco de leite humano.
Além de assistir e coordenar o atendimento diário às mães que procuram o Banco de Leite Humano, sou responsável pela supervisão da equipe, garantindo que todo o processo, desde a coleta até o processamento e distribuição do leite humano, siga os mais altos padrões de qualidade e segurança. Também participamos ativamente de ações educativas e de suporte contínuo às mães, visando sempre oferecer um atendimento humanizado.
Como centro de referência estadual, também temos a responsabilidade de colaborar com órgãos de pesquisa e instâncias executoras, implementando as ações planejadas pela Secretaria Estadual de Saúde para os sete bancos de leite humano. Isso inclui desde o apoio técnico até a formulação de estratégias para ampliar o impacto das nossas atividades. Esse trabalho em equipe fortalece a nossa capacidade de promover, proteger e apoiar o aleitamento materno em todo o Estado.
Tenho muito orgulho dessa equipe que formamos ao longo dos anos. Nossa história é uma construção coletiva de muitas mãos juntas e comprometidas com a missão de promover, proteger e apoiar a amamentação e garantindo um cuidado de enfermagem com qualidade e excelência para o bem-estar das mães e dos bebês que atendemos.
Uma das funções mais importantes da nossa equipe é garantir a oferta de leite humano pasteurizado para bebês prematuros e/ou com condições patológicas que estão internados. Sabemos da responsabilidade que temos em proporcionar uma nutrição adequada e segura para esses bebês, e esse compromisso se reflete no cuidado que dedicamos a cada etapa do processo, desde a captação até a distribuição do leite. Nosso trabalho tem impacto direto na recuperação e no bem-estar desses pequenos pacientes, e a equipe compreende plenamente essa importância.
A maior satisfação para a nossa equipe é ouvir que ajudamos uma mãe a alcançar seu objetivo de amamentar. Sabemos que esse é um processo que pode ser desafiador, então quando uma mãe nos diz que, graças ao nosso apoio, ela conseguiu amamentar seu bebê, sentimos que nosso trabalho foi cumprido com sucesso.
Há uma frase que reflete nossa filosofia de que, com o suporte certo, é possível superar muitos dos desafios da amamentação. Esta frase é “Se uma mulher não consegue amamentar, ela pode contar com nossa ajuda”. Afinal, os bancos de leite são como um pronto-socorro para amamentação. Oferecemos um atendimento individualizado, com escuta qualificada com foco nas dificuldades de cada mãe e criando estratégias para ajudá-las. Sejam questões físicas, emocionais ou técnicas, nossa equipe está preparada para auxiliá-las no manejo clínico da amamentação e, quando necessário, alternativas seguras para garantir o uso clínico do leite humano pasteurizado aos bebês internados.
Ao longo dos anos, muitos momentos me emocionaram, mas dois me marcaram profundamente: o reconhecimento do Banco de Leite Humano do Hucam como serviço de referência estadual, em 2013, e o Prêmio Anna Nery, em 2023, a honraria máxima da enfermagem no País. Mais que a premiação, saber que nossa qualidade e excelência no trabalho impacta diretamente a saúde de milhares de bebês e mães é extremamente gratificante.
Os dois momentos reafirmam nosso o compromisso e o protagonismo da enfermagem como profissão inigualável com o cuidado humano. Além disso, ver mães que chegam inseguras e saem com confiança renovada para amamentar é algo que me emociona diariamente. E essa emoção faz parte de nossa rotina. Trata-se de uma rotina bastante dinâmica, que envolve várias frentes de atuação contemplando a tríade assistência, ensino e extensão.
Outro momento importante foi a oportunidade de participar da cooperação bilateral entre Brasil e Angola para a implantação do sistema de informação de Banco de Leite Humano, foi uma experiência ímpar e transformadora. Contribuir junto à Fiocruz para a estruturação desse sistema em um contexto tão diferente do nosso foi extremamente enriquecedor. Tivemos a oportunidade de adaptar soluções às realidades locais e fortalecer as práticas de aleitamento materno, algo que considero essencial para a saúde materno-infantil. Essa troca de vivências me trouxe uma nova perspectiva sobre o alcance global do trabalho que fazemos e reforçou ainda mais meu compromisso com a causa.
Mas não só somente recompensas, pois a atuação no Banco de Leite Humano também traz desafios. Muitas vezes, enfrentamos escassez de recursos humanos e equipamentos, o que exige criatividade e resiliência para manter o padrão de qualidade necessário no atendimento ao usuário. É lidar diariamente com situações delicadas, como bebês e mães em condições de vulnerabilidade, o que pode ser emocionalmente desgastante.
Um desses momentos mais difíceis foi a pandemia da Covid-19, talvez um dos maiores desafios da minha carreira. O medo e a incerteza eram palpáveis, tanto para nós profissionais quanto para as mães que atendíamos. Tivemos que nos reinventar, criar protocolos de segurança rigorosos e adaptar nosso atendimento para garantir que as mães continuassem recebendo suporte, mesmo em meio às restrições.
Apesar dessas dificuldades, o prazer de atuar como servidora nesse campo é imenso e conseguimos manter o Banco de Leite em pleno funcionamento e salvando vidas com melhoria a saúde de bebês em condições clínicas complexas é profundamente gratificante. Como parte de um sistema público, há a satisfação de contribuir para a construção de políticas de saúde que podem impactar positivamente a sociedade de forma mais ampla em âmbito local e nacional.
Por isso, eu diria que quem chega para trabalhar aqui que está assumindo não apenas um cargo, mas uma missão. O Banco de Leite Humano é um lugar onde o cuidado de enfermagem, a dedicação e o compromisso se transformam em vida para os bebês que mais precisam.
Quem chega aqui deve ter empatia, paciência e paixão por ajudar, pois cada gesto, cada orientação, e cada gota de leite fazem a diferença na vida de cada família cuidada. Não é um trabalho fácil, como muitos pensam; enfrentamos muitos desafios e complexidade das situações que chegam até nós, mas sabemos que o impacto que causamos é imensurável.
O serviço exige dedicação, disciplina, comprometimento e sensibilidade, a função é apoiar e acolher a todas as mães e nutrizes em um dos momentos mais importantes de suas vidas, oferecendo a elas não apenas suporte técnico, mas também empatia e confiança com qualidade e segurança em cada etapa do processo de trabalho, sem perder de vista o carinho e a humanidade que este trabalho exige.
Essa pessoa que aceita este desafio é uma privilegiada pois terá a oportunidade de participar da vida de muitas famílias, e isso é algo que marca profundamente. Nestes meus 32 anos de atuação aprendi que o conhecimento técnico é essencial, mas o que realmente faz a diferença é o amor pelo que fazemos. Deixe sempre que esse sentimento te guie todos os dias. Você está em um lugar que transforma vidas, e o que você fará aqui também transformará a sua.
Mônica Barros de Pontes, enfermeira do Hucam