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“A gente ressuscita sonho onde existia luto”
Rio de Janeiro (RJ) - Olhar o ser humano além da doença. Quem abre as portas do Centro de Terapia Intensiva Adulto (CTIA) do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG-Unirio) assiste a essa prática com frequência. Os profissionais do serviço vão além dos protocolos, agindo por princípios e empatia. E um exemplo disso pôde ser visto no último dia 19, quando trabalhadores da unidade, administrada pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), estatal vinculada ao Ministério da Educação (MEC), realizaram um desejo de Patrícia da Conceição, 33, paciente internada há mais de três anos. Com uma doença do neurônio motor, enfermidade genética sem tratamento e cura, ela tinha um sonho: ver o mar.
“E, a partir desse desejo dela, conseguimos nos reunir com toda a equipe multiprofissional para decidirmos quem iria acompanhar. Escolhemos pessoas com mais afinidade e que, ao mesmo tempo, tinham expertise na logística e no atendimento necessários, já que ela também é dependente de ventilação mecânica”, explicou a chefe do setor de Cuidados Especializados, e enfermeira, Catia Fonseca.
Após a definição do grupo, a equipe do CTI realizou um dia de teste, levando Patrícia, de elevador, até o jardim, já que sua condição incapacitante paralisa todos os movimentos, acarretando tetraplegia, e tornando necessária a utilização de maca na locomoção. “Não é a mesma coisa que cuidar de um paciente aqui dentro, com um ambiente controlado, pois diversas coisas podem acontecer”, salientou Catia.
“Poder sair do hospital é sempre muito bom, imagina ficar em um lugar fechado, vendo as mesmas pessoas todos os dias e fazendo sempre as mesmas coisas? Não é legal. Se alguém chegar para mim e falar ‘vamos no jardim?’, eu topo na hora! Como vai ser, não sei, só sei que quero ir”, relatou Patrícia, mãe de três filhos, animada com a saída e se comunicando através de um tablet, doado por uma ONG, que transcreve, por decodificação, movimentos da cabeça e dos olhos.
Além de passear pela orla do Arpoador, com direito a pegar na areia, banhar-se na chuva e lavar as mãos com água do mar, Patrícia pôde visitar o quartel do Corpo de Bombeiros e se aproximar do helicóptero da corporação, com a ajuda de Ademir do Canto, enfermeiro do CTI e, também, bombeiro, que conseguiu autorização para visitação. Nem mesmo o mau tempo atrapalhou: “Como sou muito pé-frio, nos meus passeios sempre chove, mas isso não é problema, fomos com chuva mesmo. E, quando cheguei na praia, abriu até um sol para eu prestigiar”, falou Patrícia.
Paliatividade
Boa parte da equipe do CTI, composta por enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeutas, assistentes sociais, fonoaudiólogos, psicólogos, dentistas, terapeutas ocupacionais e médicos, realiza atividades como essa fora do seu horário de serviço, contribuindo para um processo terapêutico e humanístico fundamental: a autonomia. Eles entendem que a criação de um campo empático e acolhedor muda completamente a maneira como a doença será experenciada.
Pedaço considerável dessa cultura é disseminado pela Comissão de Cuidados Paliativos (CCP) do HUGG, que percebe no processo de morrer algo não diferente, em termos de demanda do cuidado, do processo de nascer, conforme expôs a enfermeira do CTIA e membro da CCP, Luana Andrieto. “Quando a Medicina não consegue mais lutar contra, temos de criar um ambiente que dê conforto ao paciente e aos seus. Além disso, temos que acertar a linguagem e a comunicação utilizadas nesse momento delicado. A gente ressuscita sonho onde existia luto”.
Para Catia, admiradora do trabalho da CCP, alimentar e limpar a pessoa não é o suficiente, sendo necessária a criação de uma relação afetiva. De acordo com a gestora, todos estão ali para ajudar. Essa ligação facilita, consequentemente, o atendimento, fazendo com que diversos pacientes, pós-alta, mantenham contato ou visitem, com regularidade, o HUGG.
Esta aproximação não é diferente com Patrícia : “São três anos dela aqui. Ela faz parte da nossa vida. A gente troca de emprego, de marido, os filhos crescem e ela está aqui. Não tem como não criarmos esse vínculo com pacientes de longa permanência. Mesmo um paciente sedado, vamos ao leito e conversamos com ele. É uma mudança de hábito”, relata. Prova disso é que a equipe já busca novas atividades, como encontrar uma graduação, para que, através do tablet, Patrícia continue estudando.
“Antes de ficar doente, via na televisão muitas reportagens sobre os hospitais e sempre falei com Deus que, se um dia precisasse de um hospital público, que me colocasse em um hospital "bom " e assim foi feito. Hoje tenho pessoas maravilhosas cuidando de mim, me sinto privilegiada por ter uma equipe que faz o possível para que eu me sinta melhor a cada dia. E assim vamos seguindo, fazendo vários planos para o próximo passeio”, concluiu Patrícia.
Sobre a Rede Ebserh
O Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro faz parte da Rede Ebserh desde dezembro de 2015. Vinculada ao Ministério da Educação (MEC), a Ebserh foi criada em 2011 e, atualmente, administra 41 hospitais universitários federais, apoiando e impulsionando suas atividades por meio de uma gestão de excelência. Como hospitais vinculados a universidades federais, essas unidades têm características específicas: atendem pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) ao mesmo tempo em que apoiam a formação de profissionais de saúde e o desenvolvimento de pesquisas e inovação.