História
Criado sob o nome de Inspetoria de Obras Contra as Secas - IOCS através do Decreto 7.619, de 21 de outubro de 1909⇲, editado pelo então Presidente Nilo Peçanha, foi o primeiro órgão a estudar a problemática do semiárido. O DNOCS recebeu ainda em 1919 (Decreto 13.687⇲), o nome de Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas - IFOCS antes de assumir sua denominação atual, que lhe foi conferida em 1945 (Decreto-Lei 8.486, de 28/12/1945⇲), vindo a ser transformado em autarquia federal, através da Lei n° 4.229, de 01/06/1963⇲.
Dentre os órgãos regionais, o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas - DNOCS se constitui na mais antiga instituição federal com atuação no Nordeste.
Sendo, de 1909 até por volta de 1959, praticamente, a única agência governamental federal executora de obras de engenharia na região, fez de tudo. Construiu açudes, estradas, pontes, portos, ferrovias, hospitais e campos de pouso, implantou redes de energia elétrica e telegráficas, usinas hidrelétricas e foi, até a criação da SUDENE, o responsável único pelo socorro às populações flageladas pelas cíclicas secas que assolam a região.
Chegou a se constituir na maior "empreiteira" da América Latina na época em que o Governo Federal construía, no Nordeste, suas obras por administração direta tendo marcado com a sua presença, praticamente, todo o solo nordestino. Além de grandes açudes, como Orós, Banabuiú, Araras, podemos registrar a construção da rodovia Fortaleza-Brasília[Nota 1] e o início da construção da barragem de Boa Esperança.
Com a criação de órgãos especializados, o acervo de obras construídas pelo Departamento vinculado a ações "não hídricas", como rodovias, linhas de transmissão, ferrovias, portos, etc., foram àqueles transferidos. Posteriormente, transferiram-se aos Estados as redes de abastecimento urbano e à SUVALE, hoje CODEVASF, os Projetos públicos de Irrigação situados no vale do Rio São Francisco.
O DNOCS, [...] conforme dispõe a sua legislação básica, tem por finalidade executar a política do Governo Federal, no que se refere a:
- beneficiamento de áreas e obras de proteção contra as secas e inundações;
- irrigação;
- radicação de população em comunidades de irrigantes ou em áreas especiais, abrangidas por seus projetos;
- subsidiariamente, outros assuntos que lhe sejam cometidos pelo Governo Federal, nos campos do saneamento básico, assistência às populações atingidas por calamidades públicas e cooperação com os Municípios.
OS PRIMEIROS PASSOS DA INSPETORIA
Tomemos por empréstimo, sobre este tema, o que escreveu o ilustre Eng°. Agr°. Paulo de Brito Guerra, em seu livro "A Civilização da Seca"[1]:
"Para ocupar a Direção da Inspetoria de Obras Contra as Secas foi designado o Eng°. Miguel Arrojado Ribeiro Lisboa, homem de visão excepcional, que soube promover os estudos básicos sobre a área, de modo amplo, estudos ainda hoje valiosos, realizados na época em que o automóvel, raro nas capitais, transformava-se na "besta fera" quando, a muito custo, conseguia penetrar os sertões bravios, sem estradas.
Arrojado sabia que John Casper Branner, Reitor da Leland Stanford Junior University, em Palo Alto, California ("os ventos da liberdade sopram", é seu lema), havia feito estudos no Brasil, terra que o entusiasmara profundamente. Escreveu-lhe pedindo para indicar geólogos a trabalhar na Inspetoria de Obras Contra as Secas.
Branner enviou Ralf H. Sopper, de 21 anos de idade, Gerald A. Warring e Horace L. Small. Também de Stanford vem Roderic Crandall que em 1910, aos 24 anos de idade, escreveu notável relatório, reeditado em 1923, [...].
Outros técnicos estudaram, na época, o Nordeste, entre os quais Lofgren e Luetzelburg, botânicos, Luciano Jacques de Moraes, geólogo, apresentando relatórios importantes.
"Todos esses trabalhos", dizia o Inspetor, "permitirão abranger, em conjunto, as condições diferentes das regiões flageladas, sob os seus vários aspectos, geográfico, geológico, climatérico, botânico, social e econômico, e assim poderá a Inspetoria traçar o programa dos seus serviços apoiada em fatos de pura e real observação no terreno".
A IOCS adquiriu caráter permanente como Repartição, graças ao decreto 9.256, de 28 de dezembro de 1911⇲. Desde cedo, passou a sofrer alterações através dos decretos no. 11.474, de 03 de fevereiro de 1915⇲, no. 12.330, de 27 de dezembro de 1916⇲ e no. 13.687, de 09 de julho de 1919, que ampliou o nome para Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas - IFOCS.
Até 1915 a Repartição deu grande ênfase a estudos cartográficos, tendo feito mapas de vários Estados. E procurou ativar a perfuração de poços, a construção de estradas de rodagem e carroçáveis, a de açudes públicos e incentivar a de açudes particulares, concedendo-lhes "prêmios" (subsídios) de até 50% do orçamento. Alguns reservatórios surgiram aqui e ali.
O Ceará, por exemplo, além do Cedro em Quixadá, já contava com açudes construídos antes da criação da IOCS, como Acaraú Mirim, Mocambinho, São Gabriel, Breguedofe, Lagoa das Pombas, e outros em construção. O Piauí tinha Aldeia e Bonfim; e o Rio Grande do Norte, Currais, Corredor, Santa Cruz, Mundo Novo, Santana de Pau dos Ferros e Santo Antonio.
Dois fatores de alta importância caracterizaram este período "pré-Epitaciano": os estudos já citados, a cargo de cientistas pátrios e estrangeiros, que desvendavam os mistérios dos solos e clima da região nordeste, e a criação, durante a seca do 15, das "Obras Novas", que dinamizaram os trabalhos da Inspetoria."
Recordemos que Miguel Arrojado Ribeiro Lisboa encetou uma programação de pesquisas sobre a realidade concreta do meio e sobre aspectos sociais da região assolada pelas secas, visando a adquirir dados confiáveis para nortear um programa de ação ao combate aos efeitos das secas.
De pronto, ficaram patentes abusivas e impertinentes intromissões de segmentos políticos da sociedade, na orientação científica dos trabalhos, o que obrigou Arrojado a organizar novo Regulamento, aprovado em 20/12/1911, já no Governo de Marechal Hermes da Fonseca.
Foi por decorrência deste Decreto que se iniciaram a instalação e funcionamento de postos de observação plúvio-fluviométricos e que foram adotadas medidas para promover a piscicultura nos açudes e nos rios intermitentes do semiárido, segundo refere o Eng° Tomás Pompeu Sobrinho, em artigo publicado na Revista do Instituto do Ceará - Tomo LXXII - 1958.
O alto custo dos serviços de natureza científica, que não são compreendidos pelos não interessados em resultados mediatos, e que somente preconizam aplicações financeiras a obras de interesse da "política", determinaram a demissão de Arrojado.
O primeiro Inspetor de Secas, diante da insuficiência do número de profissionais, qualificados e habilitados, nos diversos ramos da ciência, fez contratar topógrafos, fisiógrafos, geólogos, engenheiros hidráulicos, botânicos, hidrólogos, sociólogos, etc, que acumularam enorme acervo de conhecimento sobre o meio.
Com a exoneração de Arrojado, do cargo de Inspetor, os trabalhos de natureza científica, foram drasticamente reduzidos, subjacendo num plano inferior.
Retornando ao posto de Inspetor, na Presidência Epitácio Pessoa, não conseguiu Arrojado, embora tivesse se esforçado, restaurar os trabalhos de pesquisa. A tônica era construir obras!
Com a eleição de Artur Bernardes a IFOCS quase desaparece, possibilidade quase concretizada nos Governos de José Sarney, Collor de Melo e Itamar Franco. No atual, busca-se o processo de modernização que se faz mistér implantar.
Logo que deixou de estar presente, na Inspetoria, o espírito científico de Arrojado, a nortear a conduta da elite dirigente do órgão, o Departamento passou a adotar providências lastreadas em empirismo vulgar, por consequência da visão imediatista da classe política.
Como há pouco se mencionou, as providências para a coleta sistemática de dados de natureza plúvio-fluviométrica foi iniciativa de Arrojado Ribeiro Lisboa, ativada a partir de 1911, quando já era Presidente o Marechal Hermes da Fonseca.
Antes, anotações mais confiáveis, só existiam aquelas colhidas em Quixeramobim e Fortaleza.
A partir de 1911, foram instalados numerosos postos pluviométricos, disseminados na vasta extensão territorial nordestina com uma densidade próxima das recomendadas pelos padrões internacionais então vigentes.
As anotações sistemáticas foram devidamente enfeixadas em publicações cuidadosas, inicialmente, sob a orientação de Horace Williams e Roderic Crandall e, posteriormente, por engenheiros nacionais, pertencentes aos quadro da Inspetoria.
As medidas das descargas, em estações fluviométricas, foram cuidadosamente efetuadas, orientadas inicialmente por G.A. Warring e depois por C.M. Delgado, e utilizados pelo notável Eng° Francisco Gonçalves Aguiar.
De posse do acervo de dados coletados entre 1911 e 1930, o Eng° Gonçalves Aguiar conseguiu realizar notável síntese hidrológica de cunho determinístico, consubstaciando na chamada "Curva de Rendimentos" da região nordestina, calcada nos dados das bacias do Quixeramobim e do Jaguaribe, e nos de outras bacias, que bem se adequa às condições do semi-árido, estudos hoje, talvez, carentes de retoques, dado o nefasto desmatamento indiscriminado no "facies" nordestino e de outras agressões ao meio.
Aguiar, deixou publicado um notável trabalho, intitulado "Estudo Hidrométrico do Nordeste" que, com sua "Curva", é adequado às condições nordestinas.
O Eng° Vinícius Berredo, com base naqueles dados coletados pela IOCS/IFOCS, escreveu outro notável trabalho sobre o "Aproveitamento dos grandes Açudes Nordestinos", infelizmente, de curso restrito às salas técnicas do DNOCS.
As formulações da IFOCS, produto da "inteligência" técnica nordestina foi inquinada de ultrapassada pela elite dirigente da SUDENE dos primeiros dias, tendo dado, como resultado, a transferência do controle dos postos e das anotações sistemáticas, pelo DNOCS, para a Superintendência, que pouco tempo após, deixaram de ter a continuidade e abrangência, desejáveis.
Entretanto, na linha de Aguiar, técnicos franceses, a trabalhar para a SUDENE, como Molle e Cartier, procuraram modernizar os preceitos do sábio Aguiar, atualizando-os.
A INSPETORIA, NO PERÍODO DE GETÚLIO VARGAS
Profundas modificações experimentou o mundo após o término da primeira guerra mundial. Em primeiro lugar, a Inglaterra perdeu o comando economia, cujo centro se deslocou da "City", em Londres, para Wall-Street, em Nova York. A economia brasileira orbitava em torno da economia inglesa, e passa a se vincular à norte-americana.
O fortalecimento dos laços econômicos entre o Brasil e os EUA, refletiu-se na vida brasileira. O "american way of life" contamina a sociedade brasileira. A política brasileira se conturba por sucessivos movimentos de tendência modernizadora, que deságuam na vitoriosa Revolução de Trinta, assumindo o poder o Presidente Getúlio Vargas.
Vargas nomeia o paraibano José Américo de Almeida para o cargo de Ministro de Viação Obras Públicas, e o cearense Juarez Távora, para a pasta da Agricultura.
José Américo faz do Engenheiro Artur Fragoso de Lima Campos o novo Inspetor de Secas, que dá nova organização à IFOCS, denominação com a qual, a partir de 1919, ficou sendo conhecida a primitiva IOCS. Lamentável acidente aviatório ceifa a vida de Lima Campos, cabendo ao Eng° Luiz Augusto da Silva Vieira, substituí-lo no posto de Inspetor.
Persuadido de que, a acumulação d'água era essencial à sustentabilidade da vida social e econômica no Nordeste, Vieira deu o maior apoio às tarefas de açudagem e promoveu, com grande ímpeto, à implantação rodoviária. Por outro lado, daquela época em diante, descem a um segundo plano, no seio da Inspetoria, os estudos hidrológicos, até porque a síntese hidrológica de Aguiar, logrando notável adequação ao meio, perduraria válida por muitas décadas posteriores.
Também, a Inspetoria, segundo alguns analistas, como Thomás Pompeu Sobrinho e Celso Furtado, demorou-se em demasia, na execução de obras de acumulação, deixando de lado a modernização da agricultura e a promoção da irrigação.
Ora, as sucessivas secas demonstraram, até à última delas, a validade da orientação de se contar com águas açudadas. E mais, a modernização da agricultura competia, não à IFOCS, e sim, ao Ministério da Agricultura, ou, alternativamente, às forças do mercado, isto é, à iniciativa privada.
José Américo constatando a inapetência do Ministério da Agricultura para atuar na peculiar zona semi-árida do Nordeste (atuou com desenvoltura na faixa litorânea nordestina) criou diretamente subordinadas a seu Ministério, as Comissões Técnicas: de Reflorestamento e de Postos Agrícolas no Nordeste, sediada em João Pessoa, e de Piscicultura, sediada em Fortaleza.
A primeira ficou sob a chefia do notável agrônomo José Augusto Trindade e a segunda, sob o comando do eminente cientista Rodolpho von Ihering. Foram opimos os frutos colhidos por tais Comissões, mas, aos olhos dos burocratas, deveriam ser extintas, quando promulgada a Constituição de 1934 porque não ficavam bem posicionadas no organograma do MVOP.
Entretanto, o Inspetor Luiz Vieira criou a Comissão de Serviços Complementares da IFOCS, dando abrigo aos profissionais de alto gabarito símiles aos dos dirigentes citados como: José Guimarães Duque, Paulo de Brito Guerra, Jairo Padilha e outros, na Piscicultura, Pedro Menezes, Ruy Simões de Menezes, Osmar Fontenele, e outros.
A IFOCS criou o Instituto Agronômico de Área Seca, depois nominado Instituto José Augusto Trindade, até que, no Governo Castelo Branco, foi extinto.
Pioneiro na divulgação dos preceitos da ecologia foi o ilustre agrônomo Carlos Bastos Tigre, que estimulou o reflorestamento, a defesa da vegetação da caatinga e das matas ciliares aos cursos intermitentes.
Pena é que a exiguidade de recursos haja impedido o desenvolvimento destas tarefas e que, hoje, se denuncie não haver os Inspetores dado maior importância a essas ações, que corroboram para o desenvolvimento e a elevação do padrão de vida, e que complementam o essencial: a acumulação de águas superficiais, sem a qual retornaria o dilema d'antanho: água ou morte!
Quanto à promoção da irrigação, que aqueles dois eminentes vultos citados, Thomas Pompeu e Celso Furtado, imputaram à Inspetoria, de ter dado mais ênfase à açudagem do que à irrigação, e esqueceram o fato de que se não fora a existência de açudes, não haveria, no semiárido, irrigação. Até porque, escreveu o egípcio por adoção e russo de nascimento, Serge Leliavski, que até o século XIX, "Irrigação" era uma forma adiantada de agricultar, mas que do ponto de vista da engenharia civil, a palavra Irrigação traduz o conjunto de obras hidráulicas que permitem a captação d'água dos mananciais naturais ou dos construídos pela ação humana, como os açudes, e de seu transporte, por canais ou tubulações, aos locais onde será utilizada.
Do ponto de vista agronômico aquele termo significa as diferentes maneiras de espargir água sobre os terrenos em cultivo, quando a natureza lh'a nega a certa altura do ciclo vegetativo das espécies cultivadas.
Além desses dois significados, os norte-americanos, entre estes, Israelsen e Ivan Houk, usam o termo para significar a ciência agronômica envolvida na produção agrícola.
O conceito de irrigação, como um dos ramos da engenharia civil, é, pois relativamente recente, remontando ao começo deste século, dos dias em que o notável engenheiro inglês Bligh publicou sua obra intitulada "Practical Design of Irrigation Works", a tratar com exclusividade dos projetos de captação d'água e de sua condução, sem nele inserir quaisquer informações sobre como devam os agricultores aplicar água às culturas, em benefício da produção agrícola.
A IOCS, depois IFOCS, hoje DNOCS sempre dominou os conhecimentos do projeto e da implantação das obras civis (hidráulicas) de irrigação, não conseguindo obter resultados mais expressivos na irrigação do ponto de vista agronômico, apesar de ter alcançando êxito pioneiro nos aspectos científicos das ciências agrológicas, no IAJAT.
É que somente na década de trinta, ou seja, uma vintena de anos após criada a IOCS, a Inspetoria se aproximou da irrigação do ponto de vista agronômico e das pesquisas agrológicas, como se mencionará adiante.
A Inspetoria de Obras Contra as Secas - IOCS - foi criada com a precípua finalidade de construir açudes e barragens para acumular água, nos anos de pluviosidade normal ou mais acentuada, para ser consumida pelas populações e pelos rebanhos, nos anos secos.
A versão, hoje dominante, porém falaciosa, de que a Inspetoria tivera por incumbência a promoção do fomento da agricultura irrigada, do ponto de vista agronômico, ou do ponto de vista científico de ciência agrológica, não encontra respaldo na realidade: primeiro, porque o senhor da produção, àquela época, era deixado à iniciativa particular e não atribuição de agências governamentais e, segundo, porque o moderno arsenal científico em que hoje se arrima a produção agrícola, ainda não havia sido criado.
É conveniente destacar os condicionamentos sociais e econômicos que se antepunham ao desenvolvimento autossustentado nordestino, entre os quais a exiguidade dos recursos hídricos agravada pela ocorrência cíclica, mas de periodicidade até hoje desconhecida, das secas.
A Inspetoria foi encarregada de acumular água aos sertões, e nisso, foi eficiente e eficaz. Mas, não tinha por obrigação fomentar o desenvolvimento da agricultura (do ponto de vista agronômico).
As mais fortes raízes do subdesenvolvimento nordestino não são aquelas condicionadas pelo fenômeno das secas, e sim, aquelas alimentadas pelo regime feudal, que esteve presente por 300 anos na metrópole lusa, e que foi transplantado ao Brasil pelos colonizadores portugueses.
Em dezembro de 1945, o Presidente José Linhares e o Ministro Maurício Joppert da Silva, promovem a reformulação da IFOCS, transformando-a em DNOCS, inserindo em sua nova estrutura, o Serviço Agroindustrial e o Serviço de Piscicultura, evolução das antigas comissões técnicas criadas em 1932.
A exiguidade de recursos deferidos ao DNOCS aplicados, quase exclusivamente, nos setores hidráulicos de acumulação, impediram a aceleração das obras de irrigação e dos serviços de piscicultura.
As áreas irrigadas, dominadas pelos canais, permaneceram às mãos de proprietários desprovidos de mentalidade e de capacitação gerencial, desassistidos de crédito e a contar com a ajuda de rurícolas não afeiçoados à irrigação.
É que o caráter paraindustrial de que se reveste a irrigação do ponto de vista agronômico, não dispensava a orientação e de ajuda governamentais.
Não houve um esforço paralelo, antes de 1968, no sentido da reorganização fundiária nas áreas dominadas pelos canais e no de alfabetizar e instruir o campesinato; no de financiar a mecanização das lavouras; no sentido da difusão de insumos - fertilizantes, pesticidas e outros; de criar estruturas de estocagem; de industrializar os produtos agrícolas; de monetarizar o mercado interiorano, que funcionava à base do escambo; de elastecer o crédito etc., cuidados que escapavam às atribuições da IFOCS, depois, DNOCS.
Não havia, ainda, o aproveitamento da energia gerada na calha sanfranciscana, apesar da IFOCS haver iniciado os estudos básicos para o aproveitamento dos potenciais energético, com criação no seio da Inspetoria, da Comissão do Vale do São Francisco, antecessora da CHESF e da SUVALE (hoje CODEVASF).
O Governo não forneceu meios suficientes para que o DNOCS promovesse e ampliasse e modernizasse seus setores encarregados de estudos hidrológicos em escala regional, inclusive os de meteorologia, apesar do Departamento ter logrado notável êxito na formulação de uma síntese hidrológica, de cunho determinístico, com base nos dados coletados nas duas primeiras décadas de sua existência.
Por volta de 1956, o Governo Federal criou o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste - GTDN - que trazia em seu bojo a ideia de desenvolver o Nordeste com base na industrialização.
Este Grupo de Trabalho produziu um famoso Relatório, fundamentado nas análises realizadas sobre a problemática regional, pelo qual era sugerida a adoção das seguintes medidas:
- Intensificação dos investimentos industriais, visando a criar no Nordeste um centro autônomo de expansão manufatureira;
- Transformação da economia agrícola da faixa úmida com vistas a proporcionar uma oferta adequada de alimentos aos centros urbanos;
- Transformação progressiva das zonas semiáridas no sentido de elevar sua produtividade e torná-las resistentes ao impacto das secas;
- Deslocamento da fronteira agrícola do Nordeste com o fito de incorporar à economia da região as terras úmidas do "hinterland" maranhense. A reorganização da economia da zona semiárida liberaria os contingentes de mão de obra, parte dos quais seriam absorvidos pelas frentes de colonização.
Logo depois é criada a SUDENE, que concorreu para a veiculação da versão, só em parte verdadeira, de que a capacidade dos açudes então existentes, já era suficiente para atender a demanda d'água na zona semiárida e que era chegada a hora de ser fomentada a irrigação.
Divulgou a ideia de que construir novos açudes era exigência dos chamados "industriais das secas", apodo perspegado aos que advogavam o aumento da capacidade de acumulação, por ocasião da organização da Carta Constitucional de 1946, perversamente, estendido à elite dirigente do DNOCS.
Os mentores da Superintendência não deram o devido valor ao que havia sido feito pela Inspetoria, estabelecendo-se nos primeiros dias da SUDENE, forte animadversão entre ela e o DNOCS, com prejuízos para ambos e, para o Nordeste.
A SUDENE divulga uma versão desfavorável ao DNOCS ao veicular que o órgão descuidara da agricultura nordestina que, como se mostrou linhas acima, não era atribuição do Departamento, se não e parcialmente, depois de 1934.
Foi obstaculada a política de açudagem até que as secas ocorridas nos primeiros anos da década de 80, demonstraram o erro dessa obstaculização.
A SUDENE inicialmente preconizava o emprego das águas açudadas na irrigação, pensando até em ser a agência executora da implantação das obras primárias do cometimento, entretanto, prevalecendo o bom senso, as mesmas continuaram a cargo do Departamento.
No presente item deste retrospecto histórico se procura por em evidência a evolução histórica dos fatores que concorrem para o subdesenvolvimento da agricultura nordestina, chamando-se a atenção para o fato de que, sobre a Inspetoria, não pesou responsabilidades por seu descuro, que lhe não dizia respeito, procurando-se mostrar como o DNOCS foi sendo paulatinamente empurrado em direção à irrigação (com sentido agronômico), sendo que na seara das obras primárias, sempre atuou de forma eficaz. Mostrou-se, "en passant", como o DNOCS iniciou as pesquisas agronômicas do semiárido, tendo sido levado a delas se afastar, com a extinção do IAJAT no Governo Castelo Branco.
A IRRIGAÇÃO E O "MODELO" CRIADO PELO MINTER/SUDENE PARA O DNOCS IMPLANTAR
Dissemos, há pouco, que a Inspetoria, de 1909 a 1945, e o DNOCS de 1945 até agora, se dedicaram com o maior empenho, na implantação de açudes e estradas, sendo que estas escaparam às competências do DNOCS, ao serem criados o DNER, os Departamentos Estaduais de Estradas de Rodagem e o Departamento Nacional de Estradas de Ferro - DNEF, no período Presidencial do cearense José Linhares.
Os resultados obtidos no tocante à construção de açudes foram revestidos de êxito, assim como os relativos à implantação de estradas.
Entretanto, as atividades concernentes à implantação das obras primárias de irrigação e as de implantação de adutoras, para condução de águas dos açudes aos núcleos urbanizados, não alcançaram os mesmos êxito e vultos que o das obras de açudagem e de viação, menos por dificuldades de cunho tecnológico, mas pelas decorrentes da exiguidade de verbas.
Basta lembrar que a IFOCS esteve presente aos trabalhos de implantação da adutora Acarape do Meio - Fortaleza e, depois, aos de sua reformulação, na segunda metade da década de trinta; na implantação da adutora, do Açude Público Epitácio Pessoa - Campina Grande, na Paraíba, no Governo Juscelino.
Com as águas estocadas aos açudes que construíra, a Inspetoria ou o DNOCS poderiam ter levado a cabo, com maior celeridade, a implantação de canais para irrigar, o que se deixou de fazer entre 1945 e 1964, pela exiguidade de recursos alocados pelo Governo Federal ao cometimento.
À época, a IFOCS era repartição subordinada ao MVOP.
Mesmo assim, foram beneficiados 16.055 hectares, desde 1909 até 1958, assim distribuídos:
- Às bacias hidráulicas dos açudes:
- Na faixa seca 6.602 hectares
- Nas vazantes 4.337 hectares
- Subtotal 10.939 hectares
- Na faixa seca 6.602 hectares
- Às bacias de irrigação:
- Nos postos agrícolas 655 hectares
- Por particulares, a partir de canais construídos pela IFOCS 4.461 hectares
- Subtotal 5.116 hectares
- Total 16.055 hectares.
Conforme levantamentos publicados no Boletim do DNOCS, N° 6, vol. 20, de novembro de 1959, às páginas 248.
Devemos recordar que a Segunda Guerra Mundial contribuiu para postergar a construção dos grandes açudes que restavam por implantar e para impedir a implantação de canais e drenos, com vistas à irrigação.
Não havia, porém, dúvida quanto a conveniência de irrigar as terras da zona semiárida, porque o sol nos possibilita cultivar durante os doze meses do ano, não fosse a irregularidade ou ausência, às vezes total, das chuvas.
Todavia, não foi somente a curteza de recursos financeiros que tolheu o florescimento da agricultura por via irrigada. A tal óbice devemos agregar outros, como a pequena rentabilidade do capital aplicado na agricultura, a incapacidade gerencial dos donos de terras, a inexistência de energia elétrica no meio rural, a mão de obra campesina não qualificada e não afeiçoada à faina agrícola; a inexistência de estruturas para estocar, as dificuldades de crédito e a inexistência de agroindústrias, e a fragilidade do mercado etc.
Com a criação da CHESF, alargam-se as perspectivas da aceleração do desenvolvimento nordestino, ampliadas com a criação do BNB e da SUVALE, hoje CODEVASF.
A ascensão de Juscelino Kubitschek à Presidência da República trouxe com ela um rol de metas a serem concretizadas, e para serem atingidas em seu período presidencial, destacando-se, entre várias, a implantação de usinas hidroelétricas nos rios da região sudeste, a implantação da indústria automobilística, o refino de petróleo, a química fina, a construção de estradas de rodagem e a "meta-síntese" - a construção de Brasília.
As obras de açudagem, no semiárido nordestino, foram retomadas, em número e porte expressivos, em ritmo acelerado.
Entretanto, os investimentos aplicados no Sudeste, foram muito maiores e muito mais diversificados do que aqueles deferidos ao Nordeste, assim aumentado o desnível do desenvolvimento entre tais regiões.
Se bem que a região semiárida nordestina tivesse sido bem contemplada, em comparação com o que os Governos anteriores nela aplicaram, os do Nordeste Oriental se queixavam, afirmando que a área delimitada pelo Polígono das Secas, estava recebendo melhor tratamento da parte de Governo Federal.
O Governo Jânio Quadros interrompeu a concessão de subsídios à implantação de açudes particulares pelo regime de cooperação, desacelerada também a construção de açudes públicos.
Com a renúncia de Jânio, instala-se, por pequeno intervalo de tempo, o regime parlamentarista, sucedido pela Presidência João Goulart, durante a qual o DNOCS é transformado em Autarquia, pela Lei 4.229, de 01.06.63.
Oito meses após, assiste o país a Revolução de 31 de março de 1964, e logo após a instalação do Governo Castelo Branco, sucedendo-se na Direção Geral do DNOCS, as figuras de vários militares ilustres, mas, infelizmente não suficientemente versados sobre a problemática nordestina.
A antiga modalidade empregada pelo DNOCS de construir obras por administração direta foi abolida e, de uma hora para outra, o grosso do efetivo dos servidores especializados pertencentes aos quadros do órgão, mergulhou em ociosidade, aproveitada a oportunidade para ser divulgado que o contingente ficara ocioso não pela intempestiva mudança do tipo de execução por administração direta, mas atribuída a conluio de políticos clientelistas, com dirigentes do Departamento.
A ideia central de promover a irrigação consistia no DNOCS desapropriar as terras das bacias de irrigação, onde seriam implantados os "perímetros irrigados", e dividi-las em pequenos lotes, onde seriam assentados os "colonos", em parte recrutados entre os antigos "moradores" dos estabelecimentos rurais particulares desapropriados.
A implantação de tal modelo, idealizada pelo MINTER e pela SUDENE, foi atribuída ao DNOCS, o que gerou forte antipatia para com o Departamento, da parte dos proprietários expropriados, e de seus representantes, com assento nas casas legislativas, oriunda mormente dos preços deprimidos com os quais se compuseram os custos das desapropriações e, da parte dos "moradores" excluídos do processo de assentamento, que se viram expulsos e desassistidos de apoio para recomposição de suas moradias.
Ao DNOCS restou, também, a atribuição de orientar as tarefas de instituir estratégias coerentes, com o objetivo de desenvolver a produção agrícola, no âmbito dos perímetros irrigados.
Para tanto, coube ao Departamento instalar, em cada pequeno lote, o colono e sua família, encarados como uma "empresa familiar", prover o conjunto das estruturas habitacionais e de serviços públicos, além de montar uma estrutura administrativa no local e exercer o papel de uma espécie de "holding", as gerências de perímetros, para gerir o empreendimento, uma vez que as cooperativas de irrigantes criadas para congregar os colonos eram extremamente frágeis e apenas cumpriam as determinações dos prepostos do DNOCS.
A prática consagrou a concessão de subsídios aos colonos sob as mais diversas formas, tais como: pagamento de energia elétrica consumida, fornecimento d'água sem cobrança de tarifa, e de insumos agrícolas os mais diversos, despesas de conservação gerais etc., cuja concessão, em escala crescente e indisciplinada, se revestiram de caráter paternalista.
O paternalismo e a inadequação da escolha da clientela a que se destinavam os perímetros públicos de irrigação, tão criticados no "modelo" adotado a partir dos anos 70, não tiveram, na verdade, origem no Departamento, e sim no GEIDA - Grupo Executivo de Irrigação e Desenvolvimento Agrário, do MINTER. "Modelo" este transferido à própria SUDENE, e materializado nas experiências pioneiras de Bebedouro, projetado e implantado por aquela Superintendência, posteriormente transferido à CODEVASF, e Morada Nova, cujo projeto foi transferido pela SUDENE ao DNOCS, a quem coube a sua implantação.
Não se pode deixar de fazer referência, em respeito à história, do assessoramento dado àqueles órgãos por parte das missões técnicas dos governos de Israel, da Espanha e da França, bem como das consultorias de empresas desses países e de Portugal que aqui aportaram através de consórcios com nascentes empresas brasileiras. Esse assessoramento, desenvolvido sob a égide da transferência de tecnologia, encontrou terreno fértil para a transposição de modelos por força da, então incipiente, experiência nacional neste setor.
Por outro lado, a excepcionalidade do regime vigente, favorecia a verticalidade das ações de implementação do modelo de assentamento definido para a região e inibia possíveis iniciativas de contestação do mesmo. Concebido sob a égide do amortecimento de tensões sociais no campo, viria este modelo a se transformar, com a liberalização do regime, em um verdadeiro libelo, unilateralmente lançado contra o DNOCS, identificado, inicialmente em teses acadêmicas e, posteriormente, introduzido no discurso de setores do próprio governo, como repositório de todos os ranços do autoritarismo, do paternalismo, e da concepção, hoje por todos apontada como nefasta, do chamado "Estado-produtor".
Neste emaranhado de críticas de todos os matizes ideológicos, obscureceu-se, sempre, o fato de que, equivocada ou não, esta era uma política de governo, e ao DNOCS, como órgão de governo cabia executá-la. As críticas, algumas fundadas, outras não, cuidaram, sempre, de omitir que, ao estruturar o aparelho de governo de acordo com concepções, tidas à época como "modernizantes", separaram-se as funções de planejamento e de execução, ficando a cargo do DNOCS, no que lhe competia, esta última.
Registre-se o fato histórico de que o GEIDA - Grupo Executivo de Irrigação para o Desenvolvimento Agrícola, já mencionado, criado pelo MINTER em 1968, contando com representantes dos Ministérios da Agricultura, Fazenda, Minas e Energia, Planejamento e Saúde, definiu no documento intitulado Programa Plurianual de Irrigação - PPI, não só o escopo dos projetos, como, também relacionou as áreas objeto de intervenção nominando, inclusive, os perímetros que seriam implantados. A própria Portaria 001/70, do MINTER, define as responsabilidades no campo da irrigação no Nordeste:
- GEIDA: formulação de políticas
- SUDENE: supervisão e coordenação
- SUVALE, DNOCS e DNOS: execução, operação e manutenção dos projetos.
Embora creiamos que devam ser esses fatos do conhecimento daqueles que estudam e se dedicam à problemática da irrigação no Nordeste semiárido, entendemos ser este registro histórico necessário, primeiro, para que não se continue a atribuir ao DNOCS um contencioso maior do que ele já detém, segundo, porque a identificação das raízes dos problemas que hoje enfrentamos é fundamental para que não se incorram nos mesmos erros do passado, embora com isso não queiramos subtrair do DNOCS a sua parcela de culpa, ao analisar os fatos históricos aqui relatados.
É meridianamente claro, que, de tudo isso também afloram, evidentes acertos, dentre os quais o mais importante é, sem dúvida, a introdução definitiva da tecnologia da irrigação nos sertões semiáridos e a sua irreversibilidade como fator de modernização agrícola, além da geração de externalidades que se incorporaram ao processo socioeconômico das regiões em que os projetos foram implantados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que pretendemos aqui, deixar registrado, mesmo resumidamente, foi o papel relevante desempenhado pela mais antiga agência governamental com atuação no Nordeste brasileiro - o DNOCS.
Esta instituição, apesar do desgaste de seu reconhecimento perante a opinião pública, decorre, em grande parte de motivos que lhe foram alheios, tem a sua marca impressa em cada palmo de chão dessa sofrida região.
A nossa história, e dela muito nos orgulhamos, se confunde com a história da ocupação do semiárido pelo homem e se expressa por um acervo material e tecnológico que nos foi legado pelos que nos antecederam, tenham sido eles engenheiros de larga visão, como Arrojado Lisboa, cientistas do porte de Von Ihering, de Francisco Aguiar, pesquisadores do nível de Guimarães Duque, ou simples "cassacos" que, com as mãos, transformaram a rocha e a terra estéreis, nas barragens que reservam a água, mitigam a sede de homens, animais e de plantas e que pintaram de verde as manchas cinzentas da caatinga adusta.
Ultrapassados os momentos difíceis que a instituição tem vivido, um fenômeno tão cíclico como o das secas que assolam a nossa região, eis que, mais uma vez, reagrupamos forças e nos aprestamos para o cumprimento de novas tarefas, com mais entusiasmo, se por acaso não se reinstalarem as práticas mal-sãs de içarem os cargos de chefia, de pessoal despreparado para o desempenho de suas missões.
Esta é a nossa saga. Este é o cimento da cultura da nossa casa, argamassa que consubstancia a nossa identidade. Por isso, parafraseamos o apóstolo Paulo: insistimos em combater o bom combate.
Fonte: Diversos discursos dos diretores do DNOCS com correções em novembro/2016 de alguns dados.
Legenda:
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Notas:
- ↑Rodovia Presidente Juscelino Kubitschek, BR-020.
Referências:
- ↑GUERRA, Paulo de Brito. A Civilização da Seca: o Nordeste é uma história mal contada. Fortaleza: Ministério do Interior, Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, 1981. 324 p.