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24/11/2010 - DEFESA - Discurso do Ministro Jobim na IX Conferência de Ministros da Defesa das Américas (Bolívia)
PALAVRAS DO MINISTRO DE ESTADO DA DEFESA DO BRASIL, NELSON A. JOBIM, NA SESSÃO PLENÁRIA DA IX CONFERÊNCIA DE MINISTROS DA DEFESA DAS AMÉRICAS (SANTA CRUZ DE LA SIERRA, 22 DE NOVEMBRO DE 2010)
FAÇO UMA AFIRMAÇÃO TÃO ÓBVIA QUANTO CATEGÓRICA:
- SOU PAGO PELOS CONTRIBUINTES BRASILEIROS PARA DEFENDER SEUS INTERESSES.
O INTERESSE PRIMORDIAL DE MEU POVO É O RESGUARDO DE SUA SOBERANIA.
TAMBÉM O É A MANUTENÇÃO DE RELAÇÕES COOPERATIVAS E AMISTOSAS COM NOSSOS VIZINHOS.
DIGO ISSO PORQUE IDENTIFICO DOIS ASPECTOS FUNDAMENTAIS RELACIONADOS A ESTA CONFERÊNCIA.
A NÃO SER DE MODO SUBSIDIÁRIO, A CMDA NÃO TRATA DE “DEFESA”, MAS DE “SEGURANÇA EM SENTIDO LATO”.
A CONFERÊNCIA PADECE DE ASSIMETRIAS FUNDAMENTAIS ENTRE SEUS MEMBROS – O QUE FOMENTA AGUDAS DIFERENÇAS DE PERSPECTIVA A RESPEITO DA SUA INSTRUMENTALIDADE.
ESCLAREÇO ESSAS AFIRMATIVAS COM UMA PEQUENA DIGRESSÃO SOBRE AS ORIGENS DA CMDA (WILLIAMSBURG, EUA, 1995).
ELA NASCE EM CONTEXTO PARTICULAR:
- O DO OTIMISMO TRIUNFALISTA QUE SE SEGUIU À DERROCADA DO SOCIALISMO REAL E À PRIMEIRA GUERRA DO GOLFO, NO INÍCIO DOS ANOS 1990.
À ESSES FATORES SE SOMARAM DOIS OUTROS QUE REAVIVARAM A FÉ NA POSSIBILIDADE DE UM MUNDO ISENTO DE CONFLITOS ENTRE ESTADOS.
REFIRO-ME:
- A DIFUSÃO DA DEMOCRACIA EM VÁRIAS PARTES DO PLANETA, INCLUSIVE NA AMÉRICA LATINA; E
- A CRENÇA, QUASE MÍSTICA POR PARTE DE MUITO NA REGIÃO, NA EXPANSÃO DO CAPITALISMO.
NAQUELA CIRCUNSTÂNCIA, EM QUE OS PARADIGMAS DA GUERRA FRIA ESVANECIAM, O PAN-AMERICANISMO DO INÍCIO DO SÉCULO XX FOI RESSUCITADO POR UM DUPLO MOVIMENTO SINTETIZADO NAS CÚPULAS DAS AMÉRICAS:
- O ECONÔMICO-COMERCIAL, CONFORME A PROPOSTA DA ÁREA DE LIVRE COMÉRCIO DAS AMÉRICAS – A ALCA; E
- O POLÍTICO-ESTRATÉGICO, POR MEIO DA INSTITUICIONALIZAÇÃO DA CMDA;
NÃO TOCAREI NA PROPOSTA DA ALCA.
FAREI BREVE COMENTÁRIO SOBRE A AGENDA NORTE-AMERICANA PARA A AMÉRICA LATINA NO QUE TANGE AO PLANO POLÍTICO-ESTRATÉGICO.
ESTANDO SUAS PREOCUPAÇÕES DE DEFESA VOLTADAS PRIMORDIALMENTE PARA OUTRAS PARTES DO GLOBO, OS ESTADOS UNIDOS PROCURAM, DESDE 1995, UNIVERSALIZAR NO PLANO HEMISFÉRICO SUAS PREOCUPAÇÕES COM AS DITAS “NOVAS AMEAÇAS”:
- TERRORISMO;
- NARCOTRÁFICO;
- CATÁSTROFES NATURAIS;
- TRÁFICO DE SERES HUMANOS;
- PROLIFERAÇÃO DE ARMAS DE DESTRUIÇÃO EM MASSA;
- TRÁFICO DE ARMAS; E
- DESTRUIÇÃO DO MEIO AMBIENTE;
A PARTIR DESSA AGENDA FICA SUBENTENDIDA, MAS NUNCA EXPLICITADA, UMA DIVISÃO DE TRABALHO INFORMAL:
- OS EUA CUIDARIAM DA DEFESA DO HEMISFÉRIO (SEGUNDO SEUS CRITÉRIOS UNILATERAIS, COMO OCORREU DURANTE A GUERRA DAS MALVINAS);
- OS DEMAIS PAÍSES DAS AMÉRICAS CUIDARIAM DE IMPEDIR QUE AS DITAS “NOVAS AMEAÇAS” TRANSBORDASSEM EM DIREÇÃO AO TERRITÓRIO NORTE-AMERICANO OU QUE PREJUDICASSEM SEUS INTERESSES;
PERGUNTO:
- NÃO CABERIA A CADA UM DOS ESTADOS DEFINIR, AUTONOMAMENTE, AQUILO QUE ENTENDE COMO AMEAÇA?
AS ASSIMETRIAS FLAGRANTES QUE A MENCIONADA DIVISÃO DE TRABALHO INFORMAL ESPELHA FAZEM-ME ACREDITAR NA EXISTÊNCIA DE DESEQUILÍBRIOS ESSENCIAIS NESSA DIVISÃO DE TRABALHO.
O RESULTADO SERIA O ESGOTAMENTO DO “PROCESSO DE WILLIAMSBURG”.
O BRASIL NÃO PODE ACEITAR QUE ESSES DESEQUILÍBRIOS SE REFLITAM EM UMA AGENDA TÃO ENVIESADA.
A EXAGERADA ÊNFASE NA TEMÁTICA DA SEGURANÇA ESTÁ EM DISSONÂNCIA COM A PRÓPRIA ATRIBUIÇÃO CONSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO DA DEFESA BRASILEIRO.
ESCLAREÇO:
- NÃO QUERO COM ISSO MINIMIZAR A IMPORTÂNCIA INTRÍNSECA DESSES TEMAS.
É O CASO, POR EXEMPLO, DA PROPOSTA NORTE-AMERICANA DE PARCERIA EM ASSISTÊNCIA HUMANITÁRIA E EM SITUAÇÕES DE DESASTRES NATURAIS, CONSUBSTANCIADA NA “MILITARY ASSISTANCE COLLABORATION CELL” (MACC), DE ENORME OBJETIVO MERITÓRIO.
NO ENTANTO, O PRÓPRIO TEXTO DA PROPOSTA RECONHECE QUE DEVERIA HAVER COORDENAÇÃO ENTRE FORÇAS DE SEGURANÇA E MILITARES DOS PAÍSES ENVOLVIDOS.
RESTA CLARA A AMBIGUIDADE SOBRE O TIPO DE ENTIDADE RESPONSÁVEL PELO TRATAMENTO DA QUESTÃO.
CADA PAÍS ATRIBUIRÁ ESSAS TAREFAS A INSTITUIÇÕES DISTINTAS.
ISSO OCORRE JUSTAMENTE PORQUE NOSSOS PAÍSES NÃO COMPARTILHAM DOS MESMOS CONCEITOS SOBRE SEGURANÇA E DEFESA.
TEMOS EXTENSÕES CONCEITUAIS DIVERSAS.
POR ISSO, TEMOS DIFICULDADES DE IDENTIFICAÇÃO DOS ÓRGÃO E DAS AÇÕES.
DA PERSPECTIVA BRASILEIRA, ESTA CONFERÊNCIA É DE MINISTROS DA DEFESA E NÃO DE SEGURANÇA.
EM VISTA DISSO, GOSTARIA DE FAZER UMA PROPOSTA QUE, A MEU JUÍZO, PODERIA RESOLVER UMA SÉRIE DE PROBLEMAS AO MESMO TEMPO.
EIS A PROPOSTA, QUE, SE APROVADA, DEVERÁ SER ENCAMINHADA AO SECRETÁRIO GERAL DA OEA :
- CRIAR UM “GRUPO DE TRABALHO” QUE ESTUDE, EM PRAZO QUE VIERMOS A ENTENDER RAZOÁVEL, A CISÃO DA CMDA EM DUAS DISTINTAS CONFERÊNCIAS:
1) A PRÓPRIA CMDA – QUE TRATARIA DOS TEMAS AFETOS À DEFESA STRICTO SENSU, COM PARTICIPAÇÃO DOS MINISTROS DA DEFESA;
2) A CONFERÊNCIA DE MINISTROS DE SEGURANÇA DAS AMÉRICAS – QUE TRATARIA DOS TEMAS RELACIONADOS À SEGURANÇA LATO SENSU, ENVOLVENDO OS MINISTROS DA JUSTIÇA, DO INTERIOR, ENTRE OUTROS;
A PROPOSTA DECORRENTE DESSE GRUPO DE TRABALHO SERIA SUBMETIDA À APROVAÇÃO DOS MINISTROS DA DEFESA DO HEMISFÉRIO, QUANDO OPORTUNO.
ALÉM DE ESCLARECER OS TEMÁRIOS A SEREM ABORDADOS EM CADA UMA DELAS, A CRIAÇÃO DE DUAS CONFERÊNCIAS PODERIA FORTALECER OS ORGANISMOS DA OEA.
REFIRO-ME À “SECRETARIA DE SEGURANÇA MULTIDIMENSIONAL”, CRIADA EM 2005 EM DECORRÊNCIA DA DECLARAÇÃO SOBRE SEGURANÇA NAS AMÉRICAS (2003).
REFIRO-ME TAMBÉM À “JUNTA INTERAMERICANA DE DEFESA” (JID).
A SEPARAÇÃO CLARA DOS TEMAS DE SEGURANÇA E DE DEFESA, POR MEIO DE DOIS PROCESSOS DE CONFERÊNCIAS DISTINTOS, DELIMITARÁ, DE MODO PRECISO, O ESCOPO DE ATUAÇÃO TANTO DA PRIMEIRA QUANTO DA SEGUNDA.
ALÉM DO BENEFÍCIO DA CLAREZA, PODEREMOS ESTABELECER AGENDAS DE SEGURANÇA E DEFESA MAIS DENSAS, CLARAS E CONSEQUENTES, TENDO LOCI BEM DEFINIDOS PARA SECRETARIAR CADA UMA:
- OS TEMAS DE SEGURANÇA SERIAM SECRETARIADOS PELA “SECRETARIA DE SEGURANÇA MULTIDIMENSIONAL”; E
- OS TEMAS DE DEFESA DA CDMA SERIAM SECRETARIADOS PELA JID;
NÃO SE TRATA DE UMA MUDANÇA DE CUNHO MERAMENTE ADMINISTRATIVO.
UMA DAS MAIS GRAVES CARÊNCIAS DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO REFERE-SE AO SEU REDUZIDO NÚMERO DE INSTITUIÇÕES FORTES.
PARA NÃO TER DE ENTRAR EM UMA DISCUSSÃO SOBRE SOCIOLOGIA HISTÓRICA, SEREI TAQUIGRÁFICO:
- É EVIDENTE QUE O CAMINHO DO DESENVOLVIMENTO PASSA PELO FORTALECIMENTO INSTITUCIONAL.
NESSE SENTIDO, TEMOS DE CONSIDERAR QUE A HISTÓRIA RECENTE DO DESENVOLVIMENTO DAS SOCIEDADES DEMOCRÁTICAS IMPLICA CRESCENTE DIFERENCIAÇÃO E ESPECIALIZAÇÃO FUNCIONAL DAS INSTITUIÇÕES.
SOBRE AS INSTITUIÇÕES MODERNAS INCIDEM DEMANDAS CADA VEZ MAIS COMPLEXAS.
ELAS EXIGEM BUROCRACIAS ALTAMENTE ESPECIALIZADAS.
POR ISSO, PERGUNTO:
- QUE SENTIDO PODE HAVER EM SATURAR COM UMA MIRÍADE DE ATRIBUIÇÕES, NO PLANO DA SEGURANÇA, AS INSTITUIÇÕES CASTRENSES LATINO-AMERICANAS QUE TANTAS DIFICULDADES ENFRENTAM PARA DAR CONTA DE SUAS ATRIBUIÇÕES NO PLANO DA DEFESA?
ESSA “SOBRECARGA” DE ATRIBUIÇÕES NÃO DEIXA DE TER CONSEQUÊNCIAS NEFASTAS PARA A PRÓPRIA PERPETUAÇÃO DA DEMOCRACIA.
FAÇO REFERÊNCIA, POR EXEMPLO, AOS EFEITOS NEGATIVOS QUE O EMPREGO GENERALIZADO DOS MILITARES NO COMBATE AO NARCOTRÁFICO ACARRETA.
A CORRUPÇÃO DAS INSTITUIÇÕES CASTRENSES, DECORRENTE DO CONTATO COM A MARGINALIDADE, CONJUGADA À REFERIDA SOBRECARGA DE ATRIBUIÇÕES, SOLAPA NÃO SOMENTE AS SUAS CAPACIDADES OPERATIVAS, MAS TAMBÉM A SUA ADESÃO ÀS REGRAS DO JOGO DEMOCRÁTICO.
A POLITIZAÇÃO QUE PODE DECORRER DESSE TIPO DE CIRCUNSTÂNCIA CONSTITUI UMA GRAVE AMEAÇA ÀS BASES DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.
AS FORÇAS ARMADAS OU, EM ALGUNS CASOS, AS FORÇAS DE SEGURANÇA, REPRESENTAM, NOS ESTADOS DEMOCRÁTICOS CONSOLIDADOS, UM DOS PILARES FUNDAMENTAIS DE SUA SUSTENTAÇÃO.
NENHUMA DELAS PODE ESTAR À DISPOSIÇÃO DE INTERESSES POLÍTICO-PARTIDÁRIOS, SOB PENA DE COLOCAREM EM RISCO O MODELO DEMOCRÁTICO.
ACREDITO QUE O ENCAMINHAMENTO DA AGENDA DE SEGURANÇA HEMISFÉRICA DEPENDE DO FORTALECIMENTO E DA ESPECIALIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES PRIORITARIAMENTE PROJETADAS PARA DAR CONTA DE TAREFAS ESPECÍFICAS.
POR OUTRO LADO, LEMBRO QUE A REDEMOCRATIZAÇÃO DA AMÉRICA LATINA NÃO CONSOLIDOU, AINDA, EM ALGUNS PAÍSES, A INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS, COM A SUA EFETIVA SUBORDINAÇÃO AO PODER POLÍTICO DEMOCRÁTICO E SUA RELAÇÃO COM A SOCIEDADE.
NÃO PRETENDO COM ISSO SUGERIR MODELO ÚNICO PARA TODOS.
CADA PAÍS ORGANIZARÁ SUAS INSTITUIÇÕES DO MODO QUE ENTENDER MAIS ADEQUADO.
DEFENDO APENAS QUE HAJA UMA CLARA DIFERENCIAÇÃO ENTRE SEGURANÇA E DEFESA.
SE ALGUM ESTADO JULGAR QUE O MELHOR MODELO É O DO EMPREGO DAS FORÇAS ARMADAS EM FUNÇÕES DE SEGURANÇA INTERNA, QUE ASSIM O SEJA.
NO BRASIL, AS FORÇAS ARMADAS PODEM EXERCER TAIS TAREFAS, SEM INVASÃO DA COMPETÊNCIA DOS ÓRGÃOS DE SEGURANÇA, E DE FORMA SUBSIDIÁRIA E LIMITADA.
ESSE É O MODELO QUE ATENDE AO BRASIL.
SENHORES
POSSUÍMOS UM SÓLIDO COMPROMISSO COM O CONTINENTE AMERICANO:
- TEMOS APROXIMAÇÃO COM TODAS AS SUB-REGIÕES DO CONTINENTE
- TRABALHAMOS PARA CONSTRUIR, DE MODO COMPARTILHADO, UMA IDENTIDADE COMUM NO CONTEXTO DO CONSELHO DE DEFESA SUL-AMERICANO.
- APROFUNDAMOS NOSSAS RELAÇÕES COM A AMÉRICA CENTRAL E O CARIBE;
- TEMOS FORTE PRESENÇA NO HAITI; E
- MANTEMOS RELAÇÕES COOPERATIVAS COM AS NAÇÕES DA AMÉRICA DO NORTE.
COM TODOS, A TRANSPARÊNCIA É O PARADIGMA DAS NOSSAS RELAÇÕES.
ESSE COMPROMISSO TRADUZ-SE NESTA TENTATIVA DE CLARIFICAÇÃO CONCEITUAL, ETAPA PRÉVIA PARA QUE SE POSSA DAR MAIS CONSEQUÊNCIA À SECRETARIA DE SEGURANÇA MULDIMENSIONAL, À JUNTA INTERAMERICANA DE DEFESA E, SOBRETUDO, A ESTA CONFERÊNCIA.
DOU CONTA DE QUE MEU PAÍS PRETENDE SER PARTE ATIVA DO GRUPO DE TRABALHO EVENTUALMENTE CRIADO PARA ESTUDAR A CISÃO DA CMDA.
SE A PROPOSTA FOR ACEITA, O BRASIL APRESENTARÁ, TÃO LOGO SEJA AGENDADA REUNIÃO DO GT, UMA SUGESTÃO PARA UMA AGENDA E UMA ESTRUTURA DE CADA CONFERÊNCIA.
MUITO OBRIGADO.