A cidade nacional do Brasil
Aldo Rebelo
Ministro da Defesa
Desde o padre-estadista Manuel da Nóbrega, que fundou São Paulo a 25 de janeiro de 1554 e expandiu a partir da pequena vila seu projeto de interiorização da colonização portuguesa, a cidade tem sido cabeça de ponte da conquista e consolidação do território ao par da irradiação do processo civilizatório do Brasil. Num país continental, a influência paulistana cruzou regiões, alcançou lugares remotos e só se ampliou e se refinou nesses quase cinco séculos, lançando jorros de progresso na formação social brasileira.
A mais recente documentação desse influxo modernizador foi feita no ano passado pelo IBGE com base no conceito novo de “cidade-região”, utilizando dados do Censo de 2010 na pesquisa Arranjos Populacionais e Concentrações Urbanas no Brasil. Com 11 milhões de habitantes e epicentro de uma região metropolitana de 36 municípios e 19 milhões de pessoas, São Paulo entrelaçava num raio imediato 89 municípios com 27,4 milhões de moradores. Nada menos que 993 mil empresas declararam estar inseridas numa cadeia de vínculos permanentes com a capital paulista.
Ignorando os limites políticos e administrativos, a cidade agiganta-se, segundo o IBGE, como uma megalópole que assume o papel de “grande estruturador” de numerosos núcleos produtivos que ao se relacionarem “cumprem múltiplas funções e potencializam a capacidade de produzir bens, prestar serviços, estabelecer parcerias e gerir recursos”.
Uma pesquisa anterior, de 2007, também feita pelo IBGE, já revelara que São Paulo tem influência marcante num raio remoto de 2.000 quilômetros a partir da Praça da Sé. Tangenciando 1.018 municípios, essa megametrópole reunia 28% da população e 40,5 do produto interno bruto do Brasil. O fenômeno foi incentivado pela modernização da infraestrutura de logística, com estradas que alcançam todos os pontos do território nacional, e redes de comunicação que interligam empresas, incluindo o decisivo sistema financeiro para os negócios que têm sede na Avenida Paulista.
A estatística documenta o que o olho nu já divisava. O desenvolvimento alcançado pela capital paulista estendeu-se como uma teia de presença nos lugares mais polarizados do mapa nacional. Quem mora em Uiramutã, em Roraima, no Chuí, no Rio Grande do Sul, na Vila dos Remédios, em Fernando de Noronha, ou Cruzeiro do Sul, no Acre, utiliza no dia a dia produtos e serviços de toda natureza realizados em São Paulo.
Em movimento oposto, atraiu volumosa migração de todas as partes do País e detém a maior fatia do “turismo de negócios” do Brasil, rubrica que inclui a enorme quantidade de congressos, seminários, reuniões, qualificando-se como referência nacional por seus centros de excelência em Educação, Saúde, Ciência, Tecnologia, Cultura. As feiras de negócios aproximam-se do milhar por ano, visitadas por quase 10 milhões de pessoas.
A Política está na base histórica desse progresso. Voltando ao primordial padre Nóbrega, ele partiu de sua base no Pátio do Colégio para missões diplomáticas, como negociar a paz com os índios tamoios que haviam se aliado a franceses, e foi ajudar Estácio de Sá a fundar o Rio de Janeiro. Pelo Tietê, bandeirantes como o intrépido Raposo Tavares traçaram limites, aumentaram o território, fundaram cidades e ciclos econômicos como o do Ouro, e ainda foram ao Nordeste ajudar no combate aos holandeses que invadiram a região no século XVII.
Em São Paulo José Bonifácio começou a arquitetar a Independência, e foi na cidade que dom Pedro I a proclamou às margens do Ipiranga. Os movimentos abolicionista e republicano, embora mais fortes no Rio de Janeiro, capital e centro político do Brasil, germinaram no território paulistano, tendo o pioneiro curso jurídico do Largo de São Francisco se destacado como um ponto de efusão da causa dos escravos, concentrando inteligências poderosas e ativistas como as de Castro Alves, barão do Rio Branco e Rui Barbosa.
Para a causa da República foi fundamental o engajamento da burguesia do café. A partir da Convenção de Itu, fundou o Partido Republicano e jornais (O Estado de S. Paulo, Diário Popular) de propaganda do novo sistema de governo para livrar o País do garrote monárquico. Mais tarde, os expoentes dessa corrente (Campos Sales, Bernardino de Campos) foram decisivos na ocupação do poder e na consolidação da República empreendida com mão de ferro pelo presidente Floriano Peixoto.
Nas Artes, o movimento mais revolucionário e fecundo da primeira metade do século XX foi a Semana de Arte Moderna de 1922. Lançou as bases do Modernismo, arejando o ambiente artístico e cultural com uma revolução estética de influência marcante nos usos e costumes de todo o País. O Brasil profundo e popular, e não mais a Europa das elites, passava a ser a referência na Literatura, Pintura, Escultura, Música, Arquitetura.
Caldeirão que emula a formação étnica brasileira, pátria de imigrantes oriundos de todo o mundo, a cidade se construiu e se vitaliza com a força do povo que tem orgulho de sua liderança, expressa na frase latina do seu brasão: Non dvcor dvco, Não sou conduzido, conduzo.
Aldo Rebelo é ministro da Defesa.