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Inicialmente, é importante elucidar o que vem a ser o Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas (SPSMFA) que, de acordo com a Lei nº 6.880, de 1980, em seu artigo 50-A, é o conjunto integrado de direitos, serviços e ações, permanentes e interativas, de remuneração, pensão, saúde e assistência.
Sistemas de proteção aos militares das Forças Armadas possuem registros históricos desde a Roma antiga, em razão da singularidade da profissão das armas, a qual requer competências físicas, técnicas e emocionais, além de total entrega e compromisso com a defesa da nação.
Somente os militares estão sujeitos a situações que podem levar ao sacrifício da própria vida, se necessário, em prol da defesa da pátria. Assim, evidencia-se que características como coragem, lealdade, honra e resiliência são requisitos mandatórios para os militares da Forças Armadas. Todavia, essas características inerentes à profissão militar exigem, tanto aos militares, quanto para suas famílias, uma série de privações e dificuldades.
A vida nas Forças Armadas apresenta características como o risco inerente ao serviço militar. Os militares frequentemente enfrentam situações perigosas e podem ser expostos a ameaças físicas e psicológicas durante o cumprimento de suas funções. Isso pode resultar em lesões, traumas emocionais ou até mesmo a perda da vida, deixando um impacto duradouro não apenas no militar, mas também em seus entes queridos.
Outra característica distintiva da carreira militar é a possibilidade de mobilidade geográfica. Os militares frequentemente são transferidos para diferentes unidades ou locais de serviço, o que pode resultar em mudanças frequentes de residência. Esse estilo de vida nômade pode criar desafios para os membros da família, especialmente cônjuges e filhos, em razão da impossibilidade de manutenção de vínculo profissional e dificuldade de adaptação em novos ambientes, como escolas e comunidades.
Além disso, o dever militar muitas vezes implica longos períodos de afastamento da família devido a missões, adestramento militar ou atuação em áreas de conflito. Essas separações prolongadas podem gerar estresse emocional e dificuldades de ajuste tanto para o militar quanto para sua família, que muitas vezes enfrentam responsabilidades adicionais na ausência do membro militar.
Diante dessas peculiaridades, surge a necessidade premente de proteção social aos militares, a fim de assegurar o bem-estar físico e emocional para que possam cumprir suas missões de defesa da Pátria nas melhores condições possíveis. Isso inclui acesso a cuidados médicos, apoio psicológico, assistência financeira em casos de necessidade e programas de reintegração para os militares que retornam de missões.
Outrossim, é fundamental proporcionar oportunidades de desenvolvimento profissional e educacional tanto para os militares quanto para seus familiares, a fim de promover a resiliência em face dos desafios únicos enfrentados pela comunidade militar.
A proteção social ao militar e sua família não é apenas uma questão de justiça pelo serviço prestado à Pátria, mas também é crucial para manter a coesão e a eficácia das Forças Armadas. Um militar que se sente apoiado e valorizado é mais capaz de desempenhar suas funções com excelência e dedicação, garantindo, assim, a segurança e a defesa dos interesses nacionais.
Em resumo, as peculiaridades da carreira militar demandam uma abordagem abrangente e sensível às necessidades dos militares e de suas famílias. A proteção social é essencial para garantir que esses indivíduos corajosos e comprometidos possam cumprir suas missões com segurança e dignidade, enquanto suas famílias são amparadas e apoiadas em todas as etapas dessa jornada única e desafiadora.
Histórico
As origens das Forças Armadas brasileiras remontam aos primórdios da colonização da terra que viria a ser conhecida como Brasil. No cerne dessa história, encontramos a gênese da própria nação brasileira, onde as primeiras povoações prosperaram em torno de fortalezas, símbolos da determinação portuguesa em manter sua presença na colônia.
Durante o período colonial, os embates em terra e no mar, decorrentes das investidas francesas e holandesas, desempenharam um papel crucial na forja do espírito nacionalista. Foi nesse contexto que as sementes da Nação e de suas Forças Armadas foram semeadas, culminando na proclamação da Independência em 7 de setembro de 1822.
Nos anos que se seguiram, o Império enfrentou dissensões internas e conflitos externos. Em diversas ocasiões, as Forças Armadas foram convocadas a intervir, sempre pautando suas ações na obediência às instituições.
Desde a Guerra da Tríplice Aliança até a Segunda Guerra Mundial, as Forças Armadas, compostas pela Marinha, Exército e Aeronáutica, consolidaram-se como a expressão militar do Poder Nacional. Suas jornadas não foram isentas de desafios, mas em cada momento crítico, demonstraram sua importância para a integridade do território nacional.
A história das Forças Armadas brasileiras evidencia que elas não são apenas um instrumento de defesa, mas sim um pilar fundamental da construção e preservação da soberania nacional.
Desde as primeiras "ideias de Brasil", as Forças Armadas cresceram em identidade de propósitos com a nação que ajudaram a forjar e contribuíram decisivamente para a consolidação da independência e para o estabelecimento das fronteiras do País, defendendo o ideal de integridade territorial em comunhão com a sociedade brasileira.
Ao longo dos anos, as Forças Armadas escreveram capítulos de sacrifício, abnegação e dignidade na história da Nação. Seu legado não se resume apenas às vitórias em campos de batalha, mas também ao compromisso inabalável com os valores e interesses do povo brasileiro.
Assim, as Forças Armadas brasileiras não são apenas uma instituição militar, mas um símbolo vivo da história e da resiliência de uma nação. Seu papel transcende o âmbito estritamente militar, estendendo-se à contribuição para o atingimento dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.
A Profissão Militar
O futuro e a existência da Nação, além de contar com a contribuição de todas as demais instituições nacionais, sujeitam-se, substancialmente, à capacidade de suas Forças Armadas sustentarem as resoluções estratégicas do país, bem como de confrontar ameaças à integridade territorial, à soberania e aos interesses nacionais.
Dentro dessa ordem de ideias, a expressão "defender a Pátria" significa preservar a independência, a autodeterminação e a soberania. Significa, ainda, assegurar o respaldo para a manutenção da unidade nacional, das instituições e da integridade do patrimônio nacional, abrangendo o território, os recursos materiais de toda ordem e os valores nacionais. Assim, recursos humanos motivados, altamente qualificados, bem equipados e dedicados à atividade militar são primordiais à efetividade das Forças Armadas.
As principais peculiaridades da profissão militar, destacando os aspectos únicos que a diferenciam de outras carreiras, incluindo os valores fundamentais e as exigências éticas que regem a vida dos integrantes das Forças Armadas, são:
Sacrifício da própria vida: a carreira das armas, exclusiva por si só, submete o militar à obrigatoriedade legal de sacrificar, se necessário, a própria vida na defesa do País[1].
Preceitos rígidos de disciplina e hierarquia: o militar, ao ingressar nas Forças Armadas, submete-se a estritos preceitos hierárquicos e rígidas normas disciplinares, que moldam toda a sua vida profissional e pessoal. O Estatuto dos Militares é o "principal" instrumento regulador da situação, das obrigações, dos deveres, dos direitos e das prerrogativas dos membros das Forças Armadas. Mesmo os militares inativos estão sujeitos aos regulamentos disciplinares e ao Código Penal Militar.
Dedicação integral e exclusiva: o militar da ativa é legalmente impedido de exercer outra profissão. A dedicação integral e exclusiva compele o militar a especializar-se profissionalmente de forma acentuada, o que é essencial para a defesa da Pátria. Entretanto, essa profissão intensamente especializada impede o militar de exercer outro ofício que seja compatível com sua formação e, por essa razão, após o seu afastamento do serviço ativo, tem dificuldades para desenvolver outra ocupação.
Disponibilidade permanente: o militar encontra-se em disponibilidade permanente durante 24 horas por dia, 7 dias por semana, podendo, inclusive, ter suas férias interrompidas nos casos de interesse da segurança nacional, de manutenção da ordem ou de extrema necessidade do serviço.
Mobilidade geográfica: as movimentações ex officio a que o militar se submete por toda a carreira visam a atender o interesse do serviço e podem ocorrer em qualquer época do ano, para qualquer região do país. Assim, o militar e sua família, em alguns casos, passam a residir em locais inóspitos e destituídos de infraestrutura mínima de apoio, tais como, educação, saúde, moradia, dentre outros aspectos de apoio social que repercutem no projeto de vida dos filhos e do cônjuge.
Vigor físico: as atividades que o militar desempenha durante sua carreira, seja em tempo de paz, seja em tempo de guerra, exigem do profissional um elevado nível de higidez física, implicando treinamentos constantes, bem como a execução de Testes de Aptidão Física (TAF) periodicamente.
Desgaste físico e mental: as atividades militares expõem os profissionais a riscos de lesões, transtornos psicológicos e doenças respiratórias e infectocontagiosas. Este desgaste é agravado pela exposição a condições extremas e ambientes insalubres.
Preparação para a guerra: mesmo em tempos de paz, as Forças Armadas são preparadas para a guerra, com investimentos em tecnologia, armamentos e treinamento constante. Esta preparação serve como dissuasão, demonstrando força e capacidade de resposta a potenciais ameaças.
Estrutura piramidal da carreira: a doutrina militar exige uma maior quantidade de cargos no início da carreira, afunilando-se nos postos mais elevados. Esta estrutura pode levar à inatividade precoce de militares, necessária para a renovação gradual do pessoal.
Proibição de filiação a partidos políticos: a filiação a partidos políticos implicaria o risco de politização das instituições militares, que devem ser apolíticas por natureza para garantir sua neutralidade e eficácia[2].
Proibição à sindicalização e à greve: considerando a elevada missão constitucional de defender a Pátria e garantir os poderes constitucionais, é incongruente a hipótese de o militar participar de movimentos grevistas. A sindicalização do militar, por sua vez, não se coaduna com os princípios da hierarquia e da disciplina, que servem de base às Forças Armadas[3].
Vínculo com a profissão: na inatividade, o militar, agora na condição de veterano, segue vinculado à carreira até a sua morte, submetendo-se ao regramento militar e devendo manter-se pronto para atender a eventuais convocações para retornar ao serviço ativo, não podendo eximir-se dessa obrigação.
"A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam." (Rui Barbosa)
Ausência de direitos: vários direitos, normalmente assegurados aos demais trabalhadores, são vedados aos militares[4], por não se harmonizarem com as exigências legais e doutrinárias da carreira das armas, dentre os quais se incluem:
Consequências para a família: as exigências da profissão não ficam restritas à pessoa do militar, mas afetam, também, a vida familiar, a tal ponto que a condição do militar e a condição da sua família se tornam estreitamente ligadas, pois a formação do patrimônio familiar é extremamente dificultada; a educação dos filhos é prejudicada; o exercício de atividades remuneradas por cônjuge do militar fica, praticamente, inviabilizado; e o núcleo familiar, não estabelece relações duradouras na cidade em que reside, porque sua permanência será efêmera.
Valores Essenciais do Militar: entre as manifestações fundamentais do valor militar, destacam-se:
Ética e conduta: os integrantes das Forças Armadas são guiados por um código de ética que exige conduta moral e profissional irrepreensível. O sentimento de dever, a honra militar e o decoro da classe impõem a cada militar a observância integral dos preceitos militares.
Dedicação e fidelidade à Pátria: a honra, integridade e instituições nacionais devem ser defendidas, mesmo ao custo da própria vida.
Compromisso de Honra: ao ingressar em uma das Forças Armadas, seja por incorporação, matrícula ou nomeação, todos os militares prestam um compromisso de honra, quando aceitam, livre e conscientemente, as obrigações e deveres militares, manifestando a firme disposição de cumpri-los com excelência.
Há, ainda, outras peculiaridades próprias da carreira militar, que inviabilizam a configuração de um sistema de proteção social em modelos ortodoxos.
A doutrina de emprego militar prevê uma necessidade maior de cargos no início da carreira, os quais se afunilam nos postos e graduações mais elevados. Esta característica do "fluxo piramidal" da carreira, em muitas situações, ocasiona a transferência para inatividade, ex officio, de militares.
Em função da doutrina de emprego militar, as idades máximas de permanência no serviço ativo são limitadas de maneira a disciplinar a renovação gradual de pessoal para que as Forças Armadas cumpram a sua destinação constitucional[5] e as suas atribuições subsidiárias[6].
Dessa forma, "aposentadoria" e "inatividade militar" são situações jurídicas diferentes. Enquanto o aposentado desvincula-se totalmente da profissão, o militar na inatividade permanece vinculado à instituição e "em disponibilidade", podendo, inclusive, ser convocado para o serviço ativo em caso de necessidade de enfrentamento de uma agressão estrangeira ou outras situações previstas em lei.
Ainda que o Brasil passe por um período prolongado de paz, há que se lembrar que a estrutura e doutrina das Forças Armadas são concebidas para a guerra. Dessa forma, a definição dos cargos, das competências necessárias, das capacidades físicas, dos parâmetros anatômicos, dos limites de idade e da necessidade de mobilização são fatores fundamentais para a configuração das estruturas de recursos humanos das Forças Armadas.
Portanto, por mais distante que pareça a ideia de o Brasil envolver-se em um conflito armado ou em uma guerra, no momento atual, a Constituição Federal de 1988 não é omissa a tal hipótese, conforme se lê a seguir:
Art. 21. Compete à União:
[...]
II - declarar a guerra e celebrar a paz;
[...]
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
[...]
II - autorizar o Presidente da República a declarar guerra, a celebrar a paz, a permitir que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente, ressalvados os casos previstos em lei complementar;
[...]
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
[...]
XIX - declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional; (grifos nossos)
Afastados os eufemismos desnecessários, as guerras, com efeito, provocam um elevado número de mortes entre os militares, que são homens e mulheres em idade econômica ativa e que, como qualquer cidadão, possuem familiares que deles dependem.
É preciso, igualmente, levar em conta os inválidos (física e mentalmente) que remanescem dos campos de batalha, cujo ônus precisa ser suportado por décadas.
Essas perdas, cujos óbitos e mutilações, em regra, incidem mais contundentemente entre os militares mais jovens, inviabilizam a existência de um regime previdenciário contributivo, uma vez que um conflito armado levaria a óbito e a invalidez boa parcela dos contribuintes jovens e deixando um efetivo expressivo e irremunerável de pensionistas e inválidos, provocando a insolvência de qualquer fundo de previdência que se venha a conceber.
Desta maneira, é incabível submeter os militares das Forças Armadas a um regime previdenciário, uma vez que um eventual regime previdenciário comprometeria o emprego operacional das Forças Armadas e a sua missão constitucional.
A carreira militar, portanto, é marcada por características únicas que justificam a existência de um sistema de proteção social específico. Na estratégia militar moderna, apesar do amplo uso de tecnologias avançadas, continua sendo fundamental que os militares estejam preparados e altamente motivados.
O Militar Veterano
Amplamente empregado para definir a inatividade dos civis, o termo "aposentadoria" não traduz a situação a que o militar se submete, pois ele segue na inatividade em "disponibilidade permanente”, bem como não tem o direito à aposentadoria garantido na Constituição Federal, de 1988. Não há, nem nunca houve um regime previdenciário para os militares das Forças Armadas, seja no nível constitucional, seja no nível da legislação infraconstitucional.
Considerando as peculiaridades da carreira militar e o correspondente ordenamento jurídico, não há a expectativa do gozo de um suposto benefício previdenciário por parte dos militares das Forças Armadas. Isso se deve, dentre outros aspectos, ao fato de os militares, mesmo na reserva remunerada, poderem ser convocados para o serviço ativo (Art. 96 da Lei nº 6.880, de 1980 - Estatuto dos Militares). A convocação para o serviço ativo poderá ocorrer a qualquer momento, principalmente, nas situações de guerra ou crise, por meio de convocação ou mobilização.
É importante registrar que o Tesouro Nacional não participa com contrapartida patronal para o custeio do SPSMFA. O único desconto sobre a remuneração bruta dos militares, tanto na ativa como na inatividade, destina-se à Pensão Militar, para atender aos beneficiários dos militares falecidos.
“Até a Emenda Constitucional nº 18/1998, eles eram tratados como ‘servidores militares’. A partir dessa Emenda, excluiu-se, em relação a eles, a denominação de servidores, o que significa ter de incluir, na classificação apresentada, mais uma categoria de agente público, ou seja, a dos militares. Essa inclusão em nova categoria é feita em atenção ao tratamento dispensado pela referida Emenda Constitucional.”
(Di Pietro, 2011)
A Emenda Constitucional nº 18, de 1998, desvinculou os militares dos servidores da União e dos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. Essa Emenda, por intermédio dessa distinção, reconheceu as peculiaridades dos militares das Forças Armadas, que constituem, em seu conjunto, um universo singular, que não se assemelha a nenhuma outra carreira pública ou privada.
“(...) os integrantes das Forças Armadas têm seus direitos, garantias, prerrogativas e impedimentos definidos no §3º do citado art. 142, desvinculados, assim, do conceito de servidores públicos, por força da EC – 18/1998.”
(Da Silva, 2007.)
Cabe destacar que, no decorrer dos estudos que fundamentaram a Reforma da Previdência Social de 1998/2003, desenvolvidos no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, na Casa Civil, no Legislativo, no Ministério do Planejamento, no Ministério da Previdência Social, no Ministério da Defesa e nos Comandos das Forças Armadas, constatou-se que seria impossível fazer-se a adequação do sistema de previdência social, que estava sendo concebido para os servidores públicos, às características da carreira militar, em razão dos princípios fundadores daquele sistema.
O fluxo piramidal da carreira militar, imposto por questões doutrinárias de emprego; o tempo de permanência máximo nos postos e nas graduações; a possibilidade de retorno ao serviço ativo, mesmo após o militar ter ingressado na reserva; e as expressivas mortes de militares jovens em caso de guerra formam um conjunto de fatores que impossibilitam que o regime de previdência social dos civis, mesmo com adaptações, seja adequado às peculiaridades da carreira militar.
Assim, enquanto o “regime administrativo” dos servidores civis, vigente até 1993, evoluiu para o corrente Regime Próprio de Previdência dos Servidores (RPPS), os militares das Forças Armadas mantiveram o seu “regime administrativo”, sofrendo alterações, inclusive, quanto à significativa elevação do percentual da contribuição para a Pensão Militar, conforme a Medida Provisória nº 2.215-10, de 2001.
Além disso, o inciso X do § 3º do artigo 142 da Constituição Federal de 1988, afirma que a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, limites de idade, estabilidade e condições de transferência do militar para inatividade, consideradas as peculiaridades do serviço, não havendo quaisquer referências a um regime previdenciário para os militares. O que se afigura, em verdade, é a extensão do vínculo de trabalho da atividade para a inatividade, sendo total a responsabilidade do Tesouro Nacional com o pagamento de proventos para os militares inativos.
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
[...]
§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições:
[...]
X - a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra.
A redação da Constituição Federal denota que houve a nítida intenção de oferecer um regramento funcional distinto dos demais agentes públicos, conforme previsto de forma expressa e independente no artigo 142. É assim que, a título de exemplo, e sem que se fale em quebra do princípio da isonomia, aos militares não se aplicam as regras atinentes à previdência, à greve, à sindicalização, à filiação partidária, dentre outras.
“Em verdade, acredito que nem seria correto falar-se em regime previdenciário dos militares, pois estes simplesmente seguem à inatividade remunerada, custeada integralmente pelo Tesouro, sem perder a condição de militar. As especificidades desta categoria dificilmente permitirão a criação de um regime securitário atuarialmente viável, pois o afastamento do trabalho é frequentemente precoce, seja pelas rigorosas exigências físicas da atividade militar ou mesmo por critérios de hierarquia...”
(Ibrahin, 2015)
O inciso X do § 3º do art. 142 da Constituição Federal de 1988, como já foi visto, portanto, não dispõe sobre “regime previdenciário próprio dos militares” ou as características desse regime ou os seus princípios organizatórios, mas se refere às peculiaridades da atividade militar, como critério orientador da transferência do militar para a inatividade, os limites de idade, a remuneração na ativa e na inatividade e outros aspectos.
Esse entendimento é corroborado pelo Relatório da Comissão Especial da Câmara dos Deputados, constituída para apreciar a Proposta de Emenda Constitucional nº 40-A, de 2003, e que descreve o entendimento da legislação sobre situação dos militares da Forças Armadas perante a reforma da previdência social estabelecida pela Emenda Constitucional nº 41, de 2003:
O regime a que se sujeita o militar exige-lhe, antes de mais nada, a disposição para expor a risco sua própria vida, em obediência a ordens superiores. Impõe-lhe a eventualidade de prestar serviço em qualquer horário, sem limitação de jornada e sem direito a qualquer das compensações pecuniárias previstas na legislação trabalhista. O regime militar sujeita-o a ser transferido para qualquer localidade, eventualmente submetendo a si e a seus familiares a condições inóspitas. Pode, ainda, já estando na reserva remunerada, ser reconvocado para o serviço ativo. Ao militar são também proibidas a sindicalização e a greve, bem como a filiação a partidos políticos, enquanto em serviço ativo. Todas essas obrigações e restrições expressam a integral dedicação que é exigida dos militares, que também os impede de exercer outras atividades remuneradas. Em contrapartida, o Estado assume responsabilidades para com os militares, dentre as quais a de garantir-lhes os meios de sobrevivência digna após deixarem o serviço ativo. Os militares das Forças Armadas não se vinculam, por conseguinte, a um regime previdenciário em que os benefícios devam ter por fundamento as contribuições vertidas ao regime. Ao contrário, as próprias peculiaridades da carreira militar inviabilizam a sujeição de seus integrantes a um regime de caráter estritamente contributivo.
[...]
Essas alterações, de natureza pontual, são plenamente justificáveis e em nada afetam o reconhecimento de que os militares federais não estão, a rigor, vinculados a um regime previdenciário. Os benefícios a que têm direito, incluindo a reserva remunerada e a reforma, integram o próprio regime militar a que estão sujeitos. A própria expressão “regime previdenciário” não condiz com a realidade, constituindo mera liberdade de expressão.
O Tribunal de Contas da União, por meio do Acórdão nº 684/2022 – TCU – Plenário, já fixou o entendimento de que o SPSMFA não é um regime previdenciário, conforme se lê a seguir:
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, diante das razões expostas pelo 2º Revisor, em:
[...]
9.1. fixar o entendimento de que, em virtude da alteração do § 20, in fine, do art. 40 da Constituição Federal, introduzida pela Emenda Constitucional 103/2019, das modificações da Lei 6.880/1980, promovidas pela Lei 13.954/2019, em consonância com a exposição de motivos que fundamentou a referida alteração legislativa, o Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas (SPSMFA) enquadra-se como programa estatal de natureza atuarial, mas não é formalmente regime previdenciário, nos termos do § 20, in fine, do art. 40 da Constituição Federal; (grifo nosso)
[...]
9.7. Cientificar a Secretaria-Geral e a Secretaria de Organização Institucional, ambas do Ministério da Defesa, de que:
[...]
9.8.1. nas futuras ações de controle promovidas por suas unidades, com enfoque no SPSMFA, especialmente nas auditorias para subsidiar o parecer prévio das contas do Presidente da República, sejam efetuadas as respectivas análises de forma segregada da gestão previdenciária da União, em processos distintos daqueles alusivos ao RPPS e RGPS, considerando, apesar da natureza atuarial, o caráter não previdenciário dos encargos do Tesouro Nacional com o custeio dos militares inativos e respectivos pensionistas; (grifo nosso)
De acordo com a Lei nº 6.880, de 1980, os proventos dos militares na inatividade são custeados pelo Tesouro Nacional. Essa mesma Lei indica que as pensões militares, também, são encargos do Tesouro Nacional, contando, ainda, com as contribuições dos ativos, inativos e dos pensionistas na alíquota de 10,5% sobre a totalidade de suas remunerações brutas.
Por essa razão, as peculiaridades da carreira militar somente podem ser avaliadas em conjunto. Avaliar a inatividade militar, sem a análise detida das suas peculiaridades, distorce o contexto no qual a profissão está inserida. Assim, tais peculiaridades influem, decisivamente, na configuração das condições de ingresso e de transferência para a inatividade. Por isso, o texto constitucional realça a prevalência dessas peculiaridades no delineamento dos direitos e das obrigações dos militares.
A Pensão Militar
A pensão militar[7] é a importância paga, mensalmente, aos beneficiários do militar falecido ou extraviado, cujo custeio é realizado por meio das contribuições dos militares das Forças Armadas, de seus pensionistas e complementado com recursos do Tesouro Nacional.
A Pensão Militar teve origem no Plano de Montepio Militar dos Oficiais do Corpo da Marinha, em 23 de setembro de 1795, sendo que, de acordo com Silva (1954, p. 9), as contribuições dos militares para o Montepio, desde sua gênese, eram destinadas aos cofres públicos sem qualquer especificação:
A contribuição para o montepio sempre foi obrigatória, desde mesmo, a vigência do Plano de 23 de setembro de 1795, que instituiu o montepio para os Oficiais, determinando em seu art. 1º:
“Todos os oficiais deixarão cada mês um dia de seus respectivos soldos (sem quebrados, pois não são úteis em pagamentos pecuniários); estes ficarão desde logo confundidos com a Real Fazenda.”
A participação das Forças Armadas na expulsão de invasores estrangeiros, nas lutas pela Independência, na consolidação da Nação durante o Império e na manutenção territorial na instalação da República, demandou a criação de um sistema que garantisse o sustento das famílias dos militares mortos em combate. Dessa forma, foi instituído o Montepio Militar para possibilitar o pagamento de pensões às viúvas dos militares.
O Montepio Militar, instituído no Século XVIII, foi pioneiro na concessão desse tipo de benefício no Brasil. O sistema passou por diversas reformas e, hoje, está amparado na Lei n° 6.880, de 1980 - Estatuto dos Militares; na Lei n° 3.765, de 1960 - Lei de Pensões; e na Lei nº 13.954, de 2019.
A pensão militar nas Forças Armadas desempenha um papel fundamental na garantia da segurança financeira e dignidade das famílias dos militares após sua morte. Ao longo dos anos, essa instituição passou por diversas mudanças e desafios, refletindo as transformações sociais e legislativas do país.
A história da pensão militar no Brasil remonta ao início do século XX, quando foi instituída como uma forma de proteção social para os membros das Forças Armadas e suas famílias. Na época, a concessão da pensão era baseada principalmente no tempo de serviço do militar e em sua patente, garantindo um sustento digno para os beneficiários.
Ao longo do tempo, a legislação que rege a pensão militar passou por várias alterações para se adequar às necessidades e demandas da sociedade e das próprias Forças Armadas. Uma das mudanças significativas ocorreu com a Lei nº 13.954, de 2019, que determinou que os pensionistas também contribuíssem para a pensão militar.
A contribuição para a pensão militar é obrigatória para todos os militares ativos, inativos e pensionistas, sendo equivalente a 10,5% dos vencimentos brutos até a morte. Além da pensão em si, os pensionistas militares têm acesso ao sistema de saúde militar mediante o pagamento obrigatório de até 3,5% dos vencimentos brutos.
A pensão militar é concedida aos beneficiários cadastrados, como cônjuge, companheiro e filhos menores ou incapazes. A pensão é afetada pelo valor bruto do salário do militar em vida, estabelecido conforme seu posto ou graduação durante o serviço ativo.
A pessoa separada de fato, separada judicialmente ou divorciada do instituidor, ou ex-convivente, desde que perceba pensão alimentícia, receberá quota da pensão militar correspondente à pensão alimentícia judicialmente arbitrada.
Embora não haja programas adicionais de assistência social para os pensionistas militares, o sistema de pensão continua a ser um elemento essencial do sistema de proteção social das Forças Armadas.
No que diz respeito às perspectivas futuras, o valor total dispendido pelo Tesouro Nacional com a pensão militar está em declínio, com tendência a estabilizar-se no médio prazo e longo prazo, não apresentando risco fiscal quando comparado ao PIB, garantindo a sustentabilidade do sistema e o bem-estar das famílias militares no futuro.
Reformas no Sistema de Proteção Social dos Militares
Deste a promulgação da Constituição Federal de 1988, os militares sofreram duas profundas reformas no regramento do SPSMFA. Em 2000, por meio da Medida Provisória nº 2.131, de 2000 (atual Medida Provisória nº 2.215-10, de 2001), foram extintos os seguintes direitos:
Em 2019, por meio da Lei nº 13.954, de 2019, foram implementadas as seguintes principais modificações:
Os efeitos desta reforma se fazem notar nas contas do país, materializados no relatório da Prestação de Contas do Presidente da República referente ao exercício de 2023. O Tribunal de Contas da União (TCU) revela que, desde 2019, o déficit do SPSMFA se reduz, reflexo das alterações em comento. Nesse sentido, esclarece que as receitas do Sistema aumentaram mais de 160%, enquanto as despesas decresceram 7,1%.
Portanto, como resultado das reformas houve um aumento das receitas e diminuição das despesas do SPSMFA.
Conclusão
Os militares das Forças Armadas representam uma categoria profissional cuja principal missão é a defesa da Pátria, tornando-se assim uma das carreiras mais emblemáticas do Estado. Enquanto outras carreiras de Estado encerram-se com a aposentadoria, extinguindo o vínculo profissional, a carreira militar, dadas suas particularidades, implica um compromisso vitalício com a Pátria.
Os militares e o conhecimento que possuem integram o patrimônio nacional e constituem a base das Forças Armadas, cuja justificativa primordial é a defesa da Pátria, permitindo o exercício da soberania nacional. O papel fundamental desempenhado pelas Forças Armadas como guardiãs da soberania, do patrimônio nacional e da integridade territorial justifica ações voltadas ao fortalecimento de um contingente militar qualificado e motivado, requerendo, portanto, um tratamento diferenciado para seus integrantes.
O regime jurídico distinto que rege os militares das Forças Armadas visa mitigar as desvantagens impostas a esses profissionais pelas particularidades da profissão militar. A supressão de certos direitos sociais, justificada pelas características especiais da profissão, deve ser acompanhada de ajustes que garantam aos membros das Forças Armadas, homens e mulheres, o direito à dignidade.
Assim, a Constituição Federal de 1988 e outras normas infraconstitucionais buscam amparar tanto o profissional quanto seus dependentes, delineando o Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas como uma forma de assegurar a dignidade, o bem-estar e a motivação desses profissionais tão essenciais à segurança e defesa do país.
Não se pode simplesmente exigir que as pessoas lutem e sacrifiquem suas vidas pelo País. Apenas militares altamente motivados estão dispostos a correr esse risco.
Em síntese, a essência da carreira militar é defender. A essência do Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas é amparar a atividade militar.
Referencial Bibliográfico
Da Silva, J. A. (2007). Curso de Direito Constitucional Positivo, 28ª ed. São Paulo: Malheiros.
Di Pietro, M. S. Z. (2011). Direito Administrativo, 22ª ed. São Paulo: Atlas.
Ibrahim, F. Zambitte. (2015). Curso de Direito Previdenciário, 20ª ed. Niterói: Impetus.
Pimentel, J. (2003). Relatório da Proposta de Emenda à Constituição nº 40-A, de 2003. Câmara dos Deputados. Brasília, DF.
SILVA, A. M. Teoria e Prática do Montepio e Pensões Militares: Direitos dos Contribuintes do Montepio Militar em Serviço Ativo, na Reserva ou Reformados. 1ª Ed. Rio de Janeiro-RJ: Editora Conquista, 1954. XX.
Caderno de Orientação aos Agentes da Administração. Exército Brasileiro. Secretaria de Economia e Finanças. 4ª Edição. Setembro, 2024.
Referencial Normativo
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (2023).
Lei nº 6.880, de 1980 (2019). Dispõe sobre o Estatuto dos Militares. Diário Oficial da União. Brasília, DF.
Lei nº 3.765, de 1960 (2019). Dispõe sobre as Pensões Militares. Diário Oficial da União. Brasília, DF.
Medida Provisória nº 2.215-10, de 2001 (2019). Dispõe sobre a reestruturação da remuneração dos militares das Forças Armadas, altera as Leis nº 3.765, de 1960, e nº Lei nº 6.880, de 1980, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF.
[1] Art. 27 da Lei nº 6.880, de 1980 - Estatuto dos Militares.
[2] Inciso V do § 3º do art. 142 da Constituição Federal de 1988.
[3] Inciso IV do § 3º do art. 142 da Constituição Federal de 1988.
[4] Inciso VIII do § 3º do art. 142 da Constituição Federal de 1988.
[5] Art. 142 da Constituição Federal de 1988.
[7] Inciso IV do art. 2º da Portaria – C Ex nº 2.232, de 2024.