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CVM ainda multa revisores externos de auditora
União absolvida de acusação de abuso de poder de controle
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) julgou, em 7/2/2017, os seguintes acusados:
1. Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2015/10677: União Federal
2. Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2014/9399: Moore Stephens Prime Auditores e Consultores S/S e Ronei Xavier Janovik
Conheça os casos e os resultados
1. O Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2015/10677 foi instaurado pela Superintendência de Relações com Empresas (SEP) para apurar a responsabilidade da União Federal, controladora da Petróleo Brasileiro S.A., a quem teria imposto custos de subsidiar a geração de energia elétrica no norte do País, por meio da omissão diante da reiterada inadimplência da Amazonas Distribuidora de Energia S.A. e da posterior novação da dívida resultante dessa inadimplência, em termos desvantajosos para a Petrobras (infração ao disposto no art. 116, parágrafo único, da Lei 6.404/76).
Acusação
Segundo a SEP, a União teria participado diretamente da novação de dívida, realizada em dezembro de 2014, obtendo benefício:
- a partir da transferência de valores de sua controlada direta (Petrobras) para a sua controlada indireta (Amazonas Energia), na qual detinha maior participação acionária; e
- pelo fato de não precisar aportar imediatamente recursos nos Fundos Setoriais do setor elétrico brasileiro, que seriam utilizados para o pagamento da dívida originária.
Segundo a área técnica da CVM, a novação de dívida fora financeiramente desvantajosa para a Petrobras, considerando que a taxa de desconto da dívida da Amazonas Energia deveria necessariamente ter sido superior à remuneração dos financiamentos diários lastreados em títulos públicos federais que servem de referência para o cálculo da taxa SELIC. Isso porque o risco de crédito da Amazonas Energia e de sua controladora (Centrais Elétricas Brasileiras S.A. – Eletrobras) era superior ao da União.
A SEP ainda destacou que, no caso concreto, a nova dívida, a ser paga em 120 meses e remunerada pela taxa SELIC, possuiria valor presente líquido inferior aos R$ 3,26 bilhões da dívida substituída, que seria líquida e exigível em dezembro de 2014.
Além disso, a área técnica também salientou que, por ocasião da novação da dívida, a única garantia existente era aquela pessoal prestada pela Eletrobras, pois a possível garantia da União dependia ainda da sua efetiva prestação até 15/2/2015, o que não aconteceu. Segundo a SEP, tampouco haveria garantia real à época, na medida em que o Contrato de Penhor em Garantia só foi celebrado em março de 2015.
Ainda de acordo com a SEP, a União se eximiu da obrigação de pagar imediatamente sua dívida com os Fundos Setoriais, justamente porque a Petrobras viria a aceitar a novação da dívida com a Amazonas Energia nas mesmas condições da repactuação da dívida desses Fundos Setoriais com as sociedades do Sistema Eletrobras.
Desse modo, a SEP concluiu que a União Federal deveria ser responsabilizada, na qualidade de acionista controladora da Petrobras, por descumprir o art. 116, parágrafo único, da Lei 6.404/76.
Voto
O Diretor Relator Henrique Machado consignou, inicialmente, que a atuação do acionista controlador das sociedades de economia mista tem recebido olhar atento por parte da CVM, destacando que somente a percepção clara de que há limites para atuação da pessoa que controla a companhia de economia mista poderá recuperar a confiança dos agentes de mercados nestas companhias.
Neste sentido, Machado destacou recomendação do Código Brasileiro de Governança Corporativa – Companhias Abertas, que, para as sociedades de economia mista, indica como boa prática de governança a identificação clara e precisa do interesse público que justificou a criação da sociedade, além de atuação proativa do Conselho de Administração no monitoramento das atividades da companhia e no estabelecimento de políticas, mecanismos e controles internos “para apuração dos eventuais custos do atendimento do interesse público e eventual ressarcimento da companhia ou dos demais acionistas e investidores pelo acionista controlador”.
Na mesma linha, o Diretor Relator citou a criação do Estatuto das Empresas Estatais (Lei nº 13.303/16), que instituiu vedações à indicação para o Conselho de Administração e Diretoria de tais companhias, buscando afastar ao máximo eventual influência política nos órgãos decisórios (art.17, §2º).
Assim, o Diretor recordou que cabe às sociedades estatais e seus acionistas controladores orientar as atividades sociais em harmonia com os interesses dos demais acionistas, não podendo pautar sua atuação em desrespeito ao capital privado, sob pena de responsabilização.
No caso concreto, contudo, o Diretor entendeu que a Acusação não conseguiu reunir elementos suficientemente aptos a comprovar a responsabilidade da União.
Neste sentido, Machado apontou que compete à administração, e em particular à diretoria, conduzir o processo de negociação que precede a contratação, em nome da companhia, com terceiros. Assim, sendo identificadas falhas nesse processo, cumpriria aos administradores, nos limites de suas atribuições, responder pelas consequências de seus atos comissivos ou omissivos em face de seus deveres estabelecidos nos artigos 153 a 157 da Lei 6.404/76.
Assim, a acusação de que a União teria se omitido diante da inadimplência da Amazonas Energia diria respeito, na verdade, segundo Machado, à atuação proativa da administração da Petrobras em resolver a pendência financeira com a sociedade sob controle comum. O Diretor Relator salientou que documentos constantes dos autos revelam que os impactos da dívida da Amazonas Energia e o status de negociação já em trâmite com a devedora vinham sendo discutidos no âmbito da Diretoria Executiva, do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal da Petrobras.
O Diretor também discordou do entendimento da Acusação no sentido de que a novação de dívida foi financeiramente desvantajosa para a Petrobras, inclusive porque a nova dívida possuiria valor presente líquido inferior aos R$3,26 bilhões da dívida substituída.
Henrique Machado salientou que os administradores da Petrobras não estavam, naquele momento, avaliando novas opções de investimentos, mas buscando reaver recursos da Companhia por meio de uma negociação de dívida. O Diretor Relator ponderou que, nestas circunstâncias, a decisão sobre as melhores condições para a repactuação deve considerar outros aspectos além da análise do maior retorno possível para o capital, dependendo, especialmente, da capacidade de pagamento do inadimplente, que já se encontra em situação financeira difícil para honrar os termos inicialmente pactuados.
O Relator ainda mencionou que a análise sobre o valor presente líquido empreendida pela Acusação esbarraria no limite de atuação da CVM em casos semelhantes, competindo à Autarquia avaliar o processo que levou até a decisão da administração, sem adentrar seu mérito, em linha com a regra da business judgment rule.
Quanto aos termos da repactuação, ademais, o Diretor destacou não ter identificado as condições estipuladas pela renegociação como desvantajosas para a Petrobras. Para ele, as condições eram muito semelhantes àquelas que já eram negociadas pela Petrobras com a Eletrobras desde, ao menos, março de 2014, e, segundo a Defesa, eram exatamente as mesmas previstas no contrato original e as que seriam provavelmente obtidas caso se optasse pela via judicial.
Além disso, o Relator também minimizou a presunção da Acusação a respeito da liquidez e certeza do crédito detido pela Petrobras em face da Amazonas Energia, considerando que o fornecimento de gás entre as companhias se deu sem a existência de um contrato formal até 2013.
Assim, o Diretor pontuou que, a partir da renegociação da dívida, a Petrobras passou a contar com um título executivo extrajudicial apto a amparar ação autônoma de execução, ao passo que antes o direito da Companhia sobre aqueles créditos parecia mais incerto, dependendo de uma ação ordinária de cobrança.
Para Machado, também não se verificou a existência de provas hábeis a demonstrar a ingerência da União na tomada de decisão pelos administradores.
Segundo o Relator, admitir tal ingerência do controlador no processo de decisão negocial, em verdade, seria pressupor uma influência sobre os administradores, que, por sua vez, têm o dever de atuar de forma a lograr os fins e no interesse da companhia, não podendo, ainda que para a defesa de quem o elegeu, faltar a esses deveres. Machado consignou, assim, que a consequência da ingerência indevida do acionista controlador na administração de uma companhia seria a responsabilização dos administradores por desvio de finalidade, o que não foi objeto da Acusação.
O Diretor Pablo Renteria e o Presidente Leonardo Pereira acompanharam o Relator Henrique Machado, tendo o Presidente apresentado manifestação de voto complementar destacando as razões que lhe levaram a concluir pela não configuração da suposta infração ao art. 116, parágrafo único, da Lei 6.404/76.
Leonardo Pereira consignou que, embora seja evidente que a inadimplência da Amazonas Energia gerou prejuízos à Petrobras durante o período de fornecimento sem contrapartida, não seria evidente que essa inadimplência tenha ocorrido por força de deliberada omissão da União ou por atuação intencional ou coordenada de seus representantes.
Nesse sentido, o Presidente salientou que a Acusação inferiu que a União usou a Petrobras, em uma ponta da operação, para se esquivar de custos maiores que lhe competiriam na outra ponta dessa transação (considerando que a Amazonas Energia é subsidiária integral da Eletrobrás, também controlada pela União).
A respeito, Leonardo assinalou que, embora em transações envolvendo partes relacionadas, suposições dessa natureza não sejam inverossímeis, não se comprovou como isso ocorreu no caso em questão. O Presidente pontuou que o cenário poderia ser diante de indícios mais robustos demonstrando que representantes da União “acordaram” ou “aceitaram” a inadimplência da Amazonas Energia ou mesmo minaram a atuação dos administradores da Petrobras. Nessa hipótese, complementa, estaria configurada conduta altamente reprovável, em infração ao art. 116, parágrafo único, indo na contramão dos movimentos voltados ao aprimoramento da governança das estatais de capital aberto.
Com relação à repactuação da dívida, do mesmo modo, o Presidente não entendeu configurado o ilícito, por duas principais razões:
- o fato de que renegociações de dívida podem considerar fatores como capacidade de pagamento do devedor e perspectiva de recebimento; e
- trata-se de decisão negocial dos administradores, somente questionável se ausentes os requisitos da business judgment rule.
Sobre esse segundo ponto, Pereira também assinalou que as figuras do administrador e do controlador, em regra, não se confundem, afastando a presumida ingerência da União sobre os administradores da Petrobras, e pontuando que a responsabilização destes, que não compõe o escopo do processo, dependeria da análise de suas condutas à luz dos seus deveres fiduciários e circunstâncias fáticas presentes, inclusive como e em que medida a atuação poderia ter sido guiada ou influenciada pela União.
Assim, o Presidente concluiu que não se logrou demonstrar, com a razoável certeza requerida para uma condenação, (i) como a União teria permitido o inadimplemento; e (ii) como a repactuação beneficiou a União em detrimento da Petrobras.
Diante de todo o exposto, o Colegiado da CVM decidiu, por unanimidade, absolver a União Federal, da acusação de violação ao art. 116, parágrafo único, da Lei 6.404, de 1976.
2. O Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2014/9339 foi instaurado pela Superintendência de Normas Contábeis e de Auditoria (SNC) para apurar a responsabilidade de Moore Stephens Prime Auditores e Consultores Sociedade Simples e Ronei Xavier Janovik, pelo descumprimento dos itens 1, 2, 4 e 12 da NBC T 11-IT-02 (infração ao disposto no art. 20 da Instrução CVM 308).
Acusação
A SNC responsabilizou os Acusados pela ausência de papéis de trabalho suportando as análises e conclusões consignadas em relatório de revisão externa de qualidade, emitido para avaliar os controles internos e os procedimentos de auditoria da Exacto Auditoria S/S (Revisada), no âmbito do Programa de Revisão Externa de Qualidade.
Voto
O Diretor Relator Henrique Machado concordou com a Acusação, asseverando que o único documento dos autos que alude ao planejamento de auditoria não evidencia diversos entendimentos necessários sobre a firma a ser revisada e seu controle de qualidade. Além disso, segundo o Relator, o documento também não menciona eventuais conclusões obtidas na avaliação dos riscos inerente e de controle, limitando-se a referir a ocorrência de uma reunião de planejamento com a Revisada.
O Diretor ressaltou que o planejamento adequado dos trabalhos pelo Revisor é condição primordial para sua execução com a qualidade exigida no âmbito da Revisão pelos Pares, a ele competindo avaliar o sistema de controle de qualidade das práticas de auditoria e contabilidade do revisado, no intuito de criar um sistema eficiente de autorregulação do mercado. Assim, a ausência de uma fase de planejamento detalhada e organizada devidamente documentada comprometeria o objetivo proposto pela revisão pelos pares de controlar a qualidade dos trabalhos realizados pelos auditores independentes.
Henrique Machado também consignou que, em linha com o apontado pela SNC, não se identificou documentação que suportasse o estabelecimento dos honorários pelo Revisor, em desacordo com a alínea “b” do item 1.4.2 da NBC P 01, que dispõe que “o auditor deve estabelecer e documentar o número seus honorários mediante a avaliação dos serviços, considerando (...) o número de horas estimadas para a realização dos serviços”.
Para o Diretor Henrique Machado, também não houve justificativa do Revisor nos papéis de trabalho para a seleção de apenas quatro trabalhos de auditoria da Revisada, quando a NBC PA 03 – Revisão Externa de Qualidade pelos Pares determina o exame de, no mínimo, 5, no caso de empresas de auditoria com características semelhantes as da Revisada.
O Diretor Relator também destacou a falta de evidência, nos papéis de trabalho, das análises e observações do Revisor a respeito do planejamento de auditoria, da avaliação dos controles internos e do sistema contábil e de contingências da Revisada. Neste particular, salientou que, embora tais falhas de auditoria da Revisada tenham sido destacadas como pontos de melhoria por inspetores da CVM, que se valeram do mesmo questionário elaborado pelo Revisor, elas não foram detectadas pelos Acusados em seus trabalhos.
O Diretor ainda registrou que as irregularidades nos procedimentos de auditoria da Revisada foram objeto do PAS CVM RJ2013/13355, julgado em 24/11/2016, quando o Colegiado aplicou à Revisada multa de R$ 50.000,00 (por infração ao art. 20 da Instrução CVM 308) e de R$ 30.000,00 (por infração ao art. 25, inciso II, da mesma Instrução).
Por fim, Machado concluiu que a ausência de evidenciação suportando as análises e conclusões do relatório de revisão externa de qualidade, do Revisor, e as falhas detectadas pela CVM no trabalho de auditoria realizado pela Revisada, deixariam nítido que os Acusados não cumpriram adequadamente o objetivo de assegurar a qualidade dos trabalhos desenvolvidos pela Revisada.
Diante do exposto acima, o Colegiado da CVM decidiu, por unanimidade, condenar Moore Stephens e Ronei Janovik à multa individual de R$ 50.000,00, por infração ao disposto no art. 20 da Instrução CVM 308.
Os acusados poderão apresentar recurso com efeito suspensivo ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional.