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Caso envolve suposta infração ao dever de sigilo
Julgamento suspenso após pedido de vista
O Colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) iniciou, em 30/8/2016, o julgamento de Francis James Leahy Meaney, acusado no Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2014/10082.
CONHEÇA O CASO
Durante análise dos negócios efetuados com ações da Contax Participações S.A., iniciada após reclamação de investidor, a SMI identificou negociações suspeitas realizadas por alguns investidores, dentre os quais Guilherme Collona Rosman, que comprou a termo ações preferenciais de emissão da Companhia em 27/8/2010 (4 dias antes da divulgação de Fato Relevante noticiando a aquisição da sociedade Ability Comunicação Integrada Ltda.), vendendo-as, em seguida, no dia 8/9/2010, obtendo lucro de R$1.022,12.
Na investigação, a corretora que intermediou tais negócios enviou à CVM, a pedido, cópias de transcrições das gravações mantidas entre Guilherme Rosman e seu operador. Em uma dessas conversas, realizada em 27/8/2010, o investidor mencionou, ao falar sobre a Contax, o termo “aquisição” e afirmou que havia almoçado naquele dia com o CEO da Companhia, cargo à época ocupado por Francis James Leahy Meaney.
A partir dessa conversa, e com base em outros indícios, a SMI instaurou o PAS CVM nº RJ2013/2714 em face de Guilherme Rosman, acusado de ter negociado com ações de emissão da Contax em posse de informação privilegiada não divulgada ao mercado. O processo culminou na condenação do investidor, por unanimidade, pelo Colegiado da CVM, em 7/10/2014, por infração ao art. 155, §4º, da Lei nº 6.404/76, combinado com o art. 13, §1º, da Instrução CVM 358.
Ao tomar ciência dessas circunstâncias por meio de memorando encaminhado pela SMI, a Superintendência de Relações com Empresas (SEP) instaurou procedimento de apuração que ensejou, posteriormente, o Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2014/10082 em face de Francis James.
ACUSAÇÃO
Após apuração dos fatos, a área técnica responsabilizou Francis James Leahy Meaney, na qualidade de Diretor-Presidente da Contax, por supostamente não ter guardado sigilo de informação ainda não divulgada ao mercado, obtida em razão do cargo que ocupava, qual seja, a aquisição da Ability pela Contax (em infração ao disposto no art. 155, §1º, da Lei 6.404/76, combinado com o art. 8º da Instrução CVM 358).
VOTO
O Diretor Relator do caso, Gustavo Borba, afirmou inicialmente a inconveniência de um mesmo caso ser repartido em dois ou mais processos diversos, cada qual contra uma das pessoas envolvidas.
Segundo ele, a apreciação conjunta de todas as circunstâncias, provas e defesas confere ao julgador uma visão mais completa e ampla do caso, viabilizando decisões mais informadas, adequadas e com menores chances de erro.
Ao analisar o conteúdo da conversa telefônica mantida, em 27/8/2010, entre Guilherme Rosman e o operador de sua corretora, Borba apontou a presença de fortes indícios do repasse de informação privilegiada ao investidor durante almoço realizado entre ele e Francis James naquele mesmo dia.
Além da referência ao termo “aquisição” na gravação, o Diretor Relator destacou outros aspectos da conversa que corroborariam a sua conclusão, como, por exemplo:
- a afirmação de que Rosman teria certeza de que as ações de emissão da Contax teriam boa performance.
- solicitação para que o operador não comentasse sobre aquela conversa com ninguém, inclusive pedindo para ele falar baixo.
- indagação pelo investidor se as ações já estavam sendo “puxadas” naquela semana.
- demonstração de aparente preocupação ou curiosidade com o fato de a ligação estar sendo gravada.
- afirmação pelo investidor de que não possuía recursos para a compra de ações da Contax, de modo que compraria a termo.
Todas essas circunstâncias, somadas à realização de almoço entre Francis James e Guilherme Rosman, constituiriam, segundo Gustavo Borba, um conjunto de indícios coincidentes e relevantes que levariam a conclusão de que houve transmissão de informação privilegiada pelo acusado no almoço em questão, como, inclusive, concluído pelo Colegiado da CVM no julgamento do Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2013/2714.
No caso acima referido, como aponta Gustavo Borba, o Colegiado entendeu pela existência de indícios fortes e convergentes quanto à infração cometida pelo investidor, não se vislumbrando, naquela oportunidade, qualquer contraindício suficientemente relevante que pudesse incutir dúvida razoável sobre a eventual não transmissão da informação relevante.
Gustavo Borba, no entanto, registrou que naquele julgamento o investidor Guilherme Rosman apresentou defesa bastante sumária, assinada por ele próprio.
Por outro lado, no caso em análise, prossegue o Diretor Relator, Francis James apresentou defesa substancial desde o início do processo, apresentando argumentos e indicado circunstâncias não discutidos pelo Colegiado à época. Gustavo Borba afirma que, com isso, o presente caso não poderia ser julgado como mero desdobramento do processo anterior, uma vez, em virtude da defesa e dos novos elementos de prova apresentados, surgiram perspectivas distintas e não discutidas no âmbito do Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2013/2714.
Nesse sentido, e após examinar os argumentos de defesa, o Diretor Gustavo Borba apontou que, não obstante os fortes indícios sobre o cometimento da infração pelo acusado, também seria possível perceber, pelas provas constantes nos autos, que:
- o acusado e o investidor, ao que tudo indica, não possuíam relação próxima.
- o investimento em questão foi de pequena monta (gerando R$1.022,00 de retorno), reduzindo a verossimilhança da hipótese de conluio.
- pelo que se extrairia da conversa gravada, Guilherme Rosman quase desistiu de investir na Contax naquele dia, o que não corresponderia à conduta típica e esperada de um insider.
- o investidor comprou lote maior de ações da Contax em 13/12/2010 (após divulgação do Fato Relevante).
- o investimento não poderia ser considerado atípico, pois as ações da Contax estavam “em curva ascendente de cotação”.
- a conversa gravada não se refere à aquisição da Ability, mas apenas a “aquisição”, o que poderia, em tese, decorrer da estratégia de expansão da companhia, divulgada publicamente em seus relatórios.
Portanto, o Diretor Relator salientou que por mais que os indícios apontados pela SEP sejam fortes e coincidentes, existem outros contraindícios capazes de gerar dúvidas razoáveis sobre o efetivo cometimento da infração.
Para o Diretor, em casos de insider trading e de violações ao dever de sigilo, dificilmente existem provas totalmente peremptórias quanto ao cometimento da infração, de forma que, na maioria das vezes, a condenação baseia-se em um conjunto de indícios, que precisam ser múltiplos, veementes, convergentes e graves, mas que não afastam completamente, pela própria natureza da prova indiciária, um grau mínimo de dúvida sobre a efetiva configuração da infração.
No caso em análise, segundo o Relator, a hipótese de o acusado ter repassado informações privilegiadas e não públicas seria factível, não sendo possível assegurar categoricamente que ela não se configurou.
Porém, a presença de diversos contraindícios elevaria a dúvida sobre a efetiva ocorrência da conduta irregular (transferência de informação sigilosa) para um nível que o Diretor Gustavo Borba considerou incompatível com o grau de convicção exigível para uma condenação, em especial sob a perspectiva da presunção de inocência e do princípio do in dubio pro reo, que devem nortear todo e qualquer processo de natureza sancionadora.
Diante do exposto acima, o Diretor Relator Gustavo Borba votou pela absolvição de Francis James Leahy Meaney da acusação de violação ao dever de sigilo (tratada no art. 155, §1º, da Lei 6.404/76, e no art. 8º da Instrução CVM 358).
Em seguida, a sessão de julgamento foi suspensa após pedido de vista do Diretor Roberto Tadeu.