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Colegiado aplica advertência a um acusado e absolve o outro
Julgados acionistas conselheiros de companhia
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) julgou, em 24/10/2017, Luis Fernando Costa Estima e Fernando José Soares Estima no âmbito do Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2014/10556.
O referido processo foi instaurado pela Superintendência de Relações com Empresas (SEP), para apurar a responsabilidade dos acusados acima mencionados, na qualidade de acionistas e membros do Conselho de Administração da Forja Taurus S.A., pelo descumprimento ao §1º do art. 115, da Lei 6.404/76.
Acusação
Segundo apurado pela SEP, Luis Estima votou indiretamente, por meio da Estimapar Investimentos e Participações Ltda., pela suspensão de deliberação sobre as contas dos administradores da Companhia relativas aos exercícios sociais de 2012 e 2013. O acusado teria atuado ainda em conflito de interesses ao votar, direta e indiretamente, pela suspensão da deliberação sobre a propositura de ação de responsabilidade civil a ser movida contra si. Fernando Estima também foi acusado de infringir o disposto no mencionado art. 115, §1º ao votar pela suspensão da deliberação sobre a propositura de ação de responsabilidade civil em face de si.
Segundo a área técnica:
(a) o acionista que também seja administrador da companhia está legalmente impedido de votar quanto à aprovação das suas contas como administrador e à propositura, nos termos do art. 159 da Lei nº 6.404/1976, da ação de responsabilidade civil em face de si;
(b) estando o acionista impedido em relação às aludidas matérias, não lhe seria lícito votar a favor da suspensão das respectivas deliberações; e
(c) Luis Estima teria exercido o direito de voto nas referidas deliberações por intermédio da Estimapar, a despeito da proibição legal.
Voto
Em relação ao item (a)
O Diretor Relator Pablo Renteria mencionou ser pacífico na doutrina que o acionista se encontra proibido de votar na deliberação relativa à aprovação das suas contas como administrador, nos termos do art. 115, § 1º, da Lei nº 6.404/76.
Mas, no que diz respeito ao exercício do voto pelo acionista-administrador na deliberação da assembleia geral que, nos termos do art. 159, caput, tenha por objeto a propositura da ação de responsabilidade civil contra si, o Diretor Relator assinalou haver divergências doutrinárias, ressaltando seu entendimento de que o acionista que é também administrador estaria impedido de votar na deliberação assemblear que tenha por objeto a propositura da ação de responsabilidade contra si.
Para o Diretor, não seria condizente com a realidade humana exigir do acionista que se desprenda de tal forma de sua imagem profissional e de sua situação patrimonial para avaliar, no interesse da companhia, se ele merece figurar no polo passivo da ação de responsabilidade civil e, portanto, o impedimento de voto seria a solução apropriada à hipótese.
Renteria ainda afirmou que não concorda com o entendimento defendido por parte da doutrina no sentido de que a lei brasileira teria adotado solução diversa do impedimento de voto para remediar ao conflito de interesses, a qual consistiria na previsão da ação social derivada. Mencionou, ademais, que essa mesma doutrina afirma que o reconhecimento do impedimento de voto romperia a coerência do sistema jurídico, uma vez que teria por efeito colocar a minoria em condição de impedir o acionista controlador de integrar a administração da companhia, em desrespeito ao principio majoritário consagrado na Lei 6.404/76.
Segundo o Relator, o cabimento da ação social derivada não deve ser interpretado como mecanismo estabelecido pelo legislador para remediar aos efeitos do conflito de interesses incorrido pelo administrador que, também sendo acionista controlador, exerce o voto na deliberação relativa à proposta de ação de responsabilidade civil formulada contra si.
O Relator chamou atenção para o regime adotado pelo direito comparado, afirmando que tanto no direito português como no italiano (mercados acionários semelhantes ao brasileiro), a lei admite a ação social derivada ao mesmo tempo em que proíbe o acionista que também seja administrador de votar na deliberação relativa à proposição de ação contra si.
Com base nesses argumentos, o Relator afirmou que não há razão para entender que, no caso do mercado brasileiro, a incidência da proibição de voto levaria à proliferação desmedida de procedimentos jurisdicionais, promovidos oportunisticamente por grupos de minoritários, com o fim de retirar o acionista controlador da administração da companhia.
Nessa linha, Pablo pontuou que (i) o ordenamento pátrio fornece instrumentos adequados para remediar ao voto da minoria que conduz a companhia a comprometer o seu patrimônio em uma aventura jurídica; e (ii) se fosse admitido o voto do controlador-administrador na hipótese mencionada, também haveria risco de abuso, porém, dessa vez, por parte da maioria.
Acrescentou, ainda, que a rejeição da proposta em assembleia pode, na prática, inviabilizar a tutela reparatória em favor da companhia, pois há algumas dificuldades: (i) o quórum legal para a propositura da ação, e (ii) a falta de incentivo econômico para que o acionista minoritário comprometa seu patrimônio com a promoção de uma demanda.
Em relação ao item (b)
O Diretor Relator discordou da defesa com relação ao fato de que a suspensão não seja espécie de deliberação. Segundo o Diretor, a definição do momento mais adequado para a tomada de decisão pode ser tão importante quanto o exame do mérito da proposta submetida à apreciação da assembleia.
Para ele, o fato de Luis Estima ter se abstido de votar diretamente na suspensão da deliberação relativa à aprovação das suas contas como administrador, corrobora tal entendimento.
Em relação ao item (c)
Foi ressaltado pelo Diretor que o fato de que quatro dias antes da realização da AGE, Luis Estima alienou à Estimapar 6.543.633 ações ordinárias de emissão da Companhia. Tais ações representavam 92% da participação acionária até então detida por Luis Estima e 14% do capital votante da Companhia. Apurou-se, principalmente, que, se não fosse por essa transferência, a Estimapar não teria votos suficientes para impor aos demais acionistas presentes à assembleia o adiamento da deliberação relativa à tomada de contas dos administradores.
Contra o argumento da defesa no sentido de que a acusação teria desrespeitado o princípio da separação entre a personalidade da sociedade e a de seus sócios, o Diretor relembrou o Processo Administrativo Sancionador RJ2014/10060, julgado em 19.10.2015. Na mesma direção, Pablo Renteria afirmou que, sendo titular de 99% das cotas da Estimapar, Luis Estima estava em condição de impor a sua própria vontade por meio daquela manifestada pela referida sociedade. Nesse sentido, concluiu que, se a lei proíbe o acionista-administrador de exercer o voto em relação a determinadas matérias, seria forçoso reconhecer que ele não pode fazê-lo direta ou indiretamente por intermédio de sociedade sob sua completa influência.
Por fim, com relação ao voto exercido por Fernando Estima, pelas mesmas razões já expostas, o Diretor entendeu que o acusado estava impedido de votar pela suspensão da deliberação relativa à propositura da ação de responsabilidade contra si.
Renteria finalizou seu voto afirmando que, ainda que a defesa tenha argumentado que os votos manifestados pelos acusados estariam amparados na doutrina e na jurisprudência pátrias (sendo, assim, legítimo que acreditassem na regularidade de suas condutas), o erro sobre a ilicitude dos fatos apurados era evitável.
Evitável porque, apesar de parte da doutrina de fato defender a regularidade do voto do acionista-administrador na deliberação relativa à propositura da ação de responsabilidade contra si, outra parte sustenta, em direção oposta, a incidência da proibição de voto. No mais, em relação ao voto da Estimapar, o Poder Judiciário já teria se posicionado no sentido de que a proibição legal para o acionista votar na deliberação assemblear relativa à aprovação das suas contas como administrador também alcança o acionista pessoa jurídica controlado pelo administrador.
Na mesma linha, Renteria enfatizou o fato de Luis Estima ter transferido, poucos dias antes da AGE, lote significativo de ações de emissão da Companhia à Estimapar, o que demonstraria o intuito de valer-se da sociedade sob seu controle para preponderar na deliberação assemblear relativa à aprovação das suas contas como administrador.
Com relação à dosimetria da pena, o Relator afirmou existir diversas circunstâncias atenuantes:
(i) a complexidade dos temas jurídicos enfrentados no processo;
(ii) as deliberações foram adiadas por apenas pouco menos de sete meses;
(iii) não há nos autos qualquer indicativo de que a suspensão das deliberações tenha de algum modo frustrado os direitos dos demais acionistas ou trazido prejuízo à Companhia; e
(iv) ao tempo da AGE de 27/6/2014, a participação acionária de Fernando Estima era diminuta, representativa de apenas 0,3366% do capital social votante da Companhia.
Diante do exposto, em razão do descumprimento do disposto no art. 115, § 1º, da Lei 6.404/76, o Diretor Relator Pablo Renteria votou pela aplicação de advertência a Luis Fernando Costa Estima e a Fernando José Soares Estima, respectivamente, por aquele ter votado, direta e indiretamente, por meio da Estimapar, nas deliberações sobre as contas dos administradores da Companhia e sobre a propositura da ação de responsabilidade civil contra si; e por este ter votado na deliberação sobre a propositura da ação de responsabilidade contra si.
Manifestações de voto
O Diretor Gustavo Gonzalez também entendeu que o acionista que ocupa cargo na administração da companhia está proibido de votar na deliberação acerca da propositura de ação de responsabilidade civil contra si, mas divergiu do Diretor Relator quanto ao fundamento dessa proibição. Para Gonzalez, a vedação decorre da regra que proíbe o acionista-administrador de aprovar suas próprias contas, que também o impede de votar nas deliberações relativas à sua responsabilidade.
No entanto, diante das circunstâncias bastante específicas do caso, e em respeito à presunção de boa fé e ao princípio do in dubio pro reo, o Diretor Gustavo Gonzalez votou pela absolvição dos dois acusados no tocante ao voto pelo adiamento da deliberação sobre a ação de responsabilidade.
Por fim, o Diretor Gustavo Gonzalez acompanhou o Diretor Relator especificamente quanto à condenação de Luis Fernando Costa Estima pelo voto proferido por meio da Estimapar, no sentido de adiar a deliberação sobre a tomada das contas do seu controlador. Gonzalez concordou com a aplicação da penalidade de advertência, diante dos diversos atenuantes no caso analisado.
O Diretor Gustavo Borba apresentou manifestação de voto reiterando seu posicionamento quanto à adoção da teoria formal em casos de conflito de interesses. No entanto, ponderou que, tal como reconhecido em outras oportunidades pelo Colegiado da CVM, por se tratar de norma que afasta o direito de voto do acionista, as hipóteses de conflito de interesses devem ser analisadas considerando circunstâncias específicas que podem justificar exceção à regra geral do impedimento de voto.
Desse modo, caso seja apresentada justificativa lógica para a permissão de voto ou previsto outro tratamento para a situação de conflito, pode-se, dentro de um processo de ponderação de valores, ser permitido o voto do acionista em situação de potencial conflito, tal como se verifica nas hipóteses de: (i) deliberação acerca de remuneração dos administradores; (ii) aprovação da incorporação de controlada por controladora; e (iii) deliberação em que todos os acionistas com direito de voto estejam conflitados.
No presente caso, a possibilidade de propositura de ação social derivada por acionistas detentores de 5% do capital social (art. 159, §4º, da Lei 6.404/76) não configura hipótese que tenha força suficiente para excepcionar a regra geral do impedimento de voto do acionista administrador na deliberação sobre a ação de responsabilidade a ser proposta contra ele próprio. Não apenas porque se trata de situação manifesta de conflito de interesse, mas também porque essa ação social derivada não constitui medida alternativa apta a reequilibrar a “equação”, uma vez que não há estímulos efetivos para sua propositura, considerando que os benefícios pessoais em caso de vitória seriam indiretos e dissipados, enquanto que os prejuízos em caso de derrota seriam grandes e integralmente assumidos pelo acionista.
Por outro lado, o risco de abuso de minoria não seria elevado, especialmente porque o afastamento do acionista controlador da administração não o impediria de eleger novo administrador para substituí-lo, o que desestimularia eventual objetivo espúrio do minoritário de má-fé, que ainda poderia ser responsabilizado por abuso.
No entanto, apesar de reconhecer o impedimento de voto no caso, o Diretor Gustavo Borba ressaltou que a responsabilização em processos disciplinares possui natureza subjetiva, dependendo, portanto, da demonstração de culpa lato sensu. Porém, neste caso, por envolver matéria controvertida, em que há várias manifestações doutrinárias de peso a favor da possibilidade de voto do acionista nestas circunstâncias, bem como em virtude da ausência de manifestação do Colegiado da CVM sobre o tema, que em sede cautelar considerou-o complexo, não vislumbrou a configuração de culpa por parte dos acusados. Sendo assim, votou pela absolvição dos acusados quanto à questão dos votos proferidos sobre a ação de responsabilidade a ser proposta contra eles próprios.
No que diz respeito à acusação formulada contra Luis Estima, por ter votado, indiretamente, por meio da Estimapar, na deliberação sobre as contas dos administradores da Companhia, Gustavo Borba acompanhou o voto do Diretor Relator Pablo Renteria pela aplicação da pena de advertência.
Já o Diretor Henrique Machado acompanhou o Diretor Relator em relação à aplicação de advertência tanto a Luis Estima em ambas as acusações, quanto a Fernando Estima.
Resultado da sessão de julgamento
Tendo em vista que todos os diretores presentes acompanharam o Diretor Relator Pablo Renteria no que toca à condenação de Luis Estima, por unanimidade de votos, o acusado foi penalizado com a aplicação da pena de advertência.
Dado o empate em votos favoráveis e contrários à condenação do acusado Fernando Estima, o Diretor Pablo Renteria, que presidia a sessão tendo em vista o impedimento do Presidente Marcelo Barbosa, destacou ser necessário fazer uma reflexão sobre o exercício do voto de qualidade, que lhe caberia nessa situação.
Considerando a natureza sancionadora do processo em julgamento, e considerando que o voto de qualidade se deve à circunstância extraordinária de haver na sessão número par de integrantes do Colegiado, Pablo Renteria expressou sua pretensão de declarar a absolvição do acusado Fernando Estima, em homenagem ao princípio in dubio pro reo, caso os demais membros do Colegiado estivessem de acordo.
Nesse tocante, o Diretor Henrique Machado registrou, inicialmente, que no presente caso convém diferenciar voto de minerva e voto de qualidade, para concluir que o voto de minerva é naturalmente um voto de desempate conferido à autoridade que originalmente não tem competência para votar. Já o voto de qualidade seria o exercício do desempate atribuído à autoridade que originalmente tem a prerrogativa do voto. Assim, o art. 15 do Regimento Interno da CVM teria atribuído ao presidente da sessão a competência para exercer o desempate e, não, para proferir voto “em dobro”, prevalecendo sobre o resultado do conclave.
Para Henrique Machado, o exercício do desempate é atividade obviamente sujeita aos ditames constitucionais do devido processo legal e ao princípio da presunção de inocência, consignado no Pacto de San Jose de Costa Rica. Desse modo, a sessão de julgamento que não alcança quorum para a condenação deve resultar na declaração de inocência do acusado, sob pena de substituir-se a ausência de convicção do órgão colegiado competente pelo juízo monocrático do presidente da sessão.
O Diretor ainda consignou ser necessário reconhecer a natureza punitiva do processo administrativo sancionador para que se lhe conceda, no que couber, as garantias constitucionais correlatas, inclusive, evidentemente, o benefício da dúvida ao réu, conforme ampla jurisprudência em matéria criminal. Essa é a interpretação do normativo de organização da CVM que melhor se integra ao arcabouço jurídico-constitucional pátrio. Nesses termos, o Diretor Henrique Machado, em linha com o posicionamento de Pablo Renteria, defendeu a absolvição do acusado haja vista o empate de votos verificado.
Em vista da concordância dos diretores Gustavo Gonzalez, Gustavo Borba e Henrique Machado sobre o exercício do voto de qualidade em relação a Fernando Estima, Pablo Renteria declarou a absolvição do referido acusado.
Diante de todo o exposto, o Colegiado da CVM decidiu, em atenção ao princípio do in dubio pro reo absolver Fernando José Soares Estima e, por unanimidade, aplicar a pena de advertência a Luis Fernando Costa Estima, por infração ao disposto no art. 115, § 1º, da Lei 6.404/76.