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Colegiado também condenou empresa e seu sócio por gestão irregular de carteira
Firma de auditoria é condenada por falhas em procedimentos relacionados a FIDCs
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) julgou, em 29/11/2016, os seguintes acusados:
Conheça os casos e os resultados
1. O Processo Administrativo Sancionador CVM RJ2015/7239 foi instaurado pela Superintendência de Relações com Investidores Institucionais (SIN) para apurar as responsabilidades de Lauten Assessoria e Serviços Financeiros e de seu sócio Tiago Lautenschläger Zanko, por suposto exercício de atividade de administração de carteira de valores mobiliários sem registro na CVM (infração ao disposto no art. 23 da Lei 6.385/76 e no art. 3º da Instrução CVM 306).
Acusação
A SIN apurou que a Lauten celebrou contrato tendo por objeto a constituição de uma sociedade em conta de participação por meio da qual a investidora (sócia oculta) entregaria recursos financeiros à Lauten (sócia ostensiva), para que esta os aplicasse no mercado financeiro.
Verificou-se, ainda, que durante aproximadamente dois anos e meio, a investidora realizou quatro transferências de recursos para serem geridos pela Lauten. Também se constatou que a Lauten enviava mensalmente relatórios padronizados à investidora, dos quais constava a logomarca “Lauten Investimentos” no cabeçalho, contendo diversas informações relacionadas aos investimentos realizados com os recursos recebidos.
De acordo com a área técnica, a simples aplicação dos recursos próprios de uma sociedade não caracterizaria, por si só, a administração profissional de recursos de terceiros. Entretanto, a celebração de uma sociedade em conta de participação teria sido utilizada pelos acusados, no caso concreto, como forma de burlar a legislação aplicável, permitindo a gestão dos recursos da investidora sem o devido registro na CVM.
Voto
O Diretor Relator Gustavo Borba destacou não ter dúvidas de que a Lauten efetivamente atuava como administradora dos recursos da investidora, conclusão que se extrairia do próprio objeto do contrato de conta em participação.
A ocorrência de administração de carteira de valores mobiliários para a investidora também teria sido assumida pela própria Lauten, que, ao se defender no âmbito de ação judicial de prestação de contas proposta pela investidora, afirmou que teria tratado adequadamente o “dinheiro alheio”.
De acordo com Borba, o uso de uma sociedade em conta de participação não afasta a conclusão de que houve administração de recursos da investidora por parte da Lauten, na medida em que não se verificaria, nesse tipo contratual, a constituição de uma pessoa jurídica para o desempenho da atividade definida em seu instrumento.
Desse modo, para Gustavo, independentemente da utilização do instituto da sociedade em conta de participação, o que se verificaria, em essência, no caso concreto, seria a celebração de um contrato entre, de um lado, a investidora, responsável isoladamente pelo aporte de patrimônio, e, de outro, a Lauten, a quem cabia, com exclusividade, a gestão e aplicação desses recursos no mercado.
Nesse sentido, o Diretor assinalou que os demais elementos de prova constantes nos autos evidenciariam, de forma inequívoca, que a Lauten e a investidora celebraram, em essência e realidade, contrato de administração de recursos, o que em nada seria afetado pela utilização da estrutura jurídica de uma sociedade despersonalizada (conta de participação).
Assim, o Diretor Relator votou pela condenação dos acusados por infração ao disposto no art. 23 da Lei 6.385/76 e no art. 3º da ICVM 306, diante da inexistência de autorização da CVM para o exercício de atividade de administração de carteira de valores mobiliários.
Diante do exposto, acompanhando o voto do Diretor Relator Gustavo Borba, o Colegiado da CVM decidiu, por unanimidade, aplicar as seguintes penalidades:
- a Lauten Assessoria e Serviços Financeiros Ltda.: multa no valor de R$ 350.000,00.
- a Tiago Lautenschläger Zanko: proibição temporária pelo prazo de 4 anos, para atuar, direta ou indiretamente, em uma ou mais modalidades de operação no mercado de valores mobiliários.
Os acusados poderão apresentar recurso com efeito suspensivo ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional.
2. O Processo Administrativo Sancionador CVM RJ2014/11830 foi instaurado pela Superintendência de Normas Contábeis (SNC), para apurar possíveis irregularidades nos procedimentos de auditoria independente das demonstrações financeiras de fundos de investimento em direitos creditórios (infração ao disposto nos arts. 20, 25, inciso II e 35, inciso I, da Instrução CVM 308, e no art. 8º, §4º, da Instrução CVM 356).
Acusação
De acordo com a SNC, a KPMG teria infringido os arts. 20 e 25, II, da ICVM 308, ao executar procedimentos de auditoria no Oboé Multicred FIDC. O responsável pela auditoria deste fundo, Ricardo Souza, também sócio e responsável técnico da KPMG, teria infringido os mesmos dispositivos regulamentares, com relação a este fundo.
Já José Luiz Gurgel, sócio e responsável técnico da extinta BDO Auditores Independentes, teria infringido, com relação ao Clássico FIDC, além dos arts. 20 e 25, inciso II, da ICVM 308, também o art. 8º, §4º, da ICVM 356.
A SNC apurou que não teriam sido realizados procedimentos para a obtenção do entendimento do controle interno das entidades auditadas e a emissão de Relatório Circunstanciado sobre esse ambiente de controle interno.
Também não teriam sido testadas a materialidade, a existência e a valorização dos direitos creditórios em carteira nos Fundos e as provisões efetuadas para operações de créditos de liquidação duvidosa.
Além disso, especificamente para o Fundo Clássico FIDC, o auditor José Luiz Gurgel não teria examinado os relatórios trimestrais de 2010 emitidos pelo Clássico FIDC, conforme exigido no art. 8º, §4º, da ICVM 356.
Voto
Inicialmente, o Diretor Relator Gustavo Borba fez uma consideração teórica a respeito do entendimento atual da CVM sobre a ausência de responsabilidade da sociedade incorporadora pelos atos da incorporada, o que justificou, no caso concreto, a não acusação da KPMG quanto aos atos realizados pela BDO Auditores Independentes, extinta em virtude de sua incorporação pela KPMG.
Sobre o tema, com base em voto vencido proferido pela então Diretora Norma Parente no PAS CVM 34/2000, o Diretor Gustavo Borba manifestou seu entendimento de que a incorporadora, em regra, não está excluída da possibilidade de responder por atos realizados pela incorporada, uma vez que, nos termos do disposto no art. 1.116 do Código Civil (CC) e no art. 227 da Lei 6.404/76, resulta da incorporação a sucessão absoluta de todos os direitos, deveres e responsabilidades.
Desta forma, não faria sentido, segundo seu entendimento, a aplicação da regra da pessoalidade da pena, conforme art. 5º, XLV, da Constituição Federal/88, à hipótese de incorporação societária, uma vez que o referido princípio foi engendrado e pensado em relação à pessoa natural (que é um fim em si mesmo), razão pela qual seria despropositada a replicação literal desse entendimento aos casos que envolvem pessoa jurídica.
Gustavo destacou que a sucessão causa mortis da pessoa natural possui características totalmente diversas da sucessão societária, posto que aquela possui caráter limitado, tanto que os herdeiros só respondem pelas dívidas do de cujus dentro de suas forças da herança (art. 1792 do CC), o que demonstra não haver plena sucessão de obrigações e responsabilidades, tal como ocorre na sucessão societária.
Segundo Gustavo, em casos específicos, poder-se-ia constatar que não faria sentido a aplicação da pena para a incorporadora, o que dependeria da análise do caso concreto, e não da simples e objetiva constatação de que houve incorporação societária, que, em sua essência, representa uma extinção sem liquidação, da qual decorreria a sucessão total de direitos e obrigações. Isso, no entender o Relator, não impediria nem tornaria excepcional a punição da sucessora pelos atos da incorporada.
Quanto à preliminar da defesa, de que a CVM não teria competência para punir pessoas jurídicas ou físicas por infrações a regras expedidas pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC), o Diretor esclareceu que o art. 20 da ICVM 308 obriga os auditores a atenderem às normas do CFC e que a competência para edição de tal instrução decorre diretamente da Lei 6.385/76, em especial do art. 22, §1º, inciso IV, bem como do art. 177, §3º, da Lei 6.404/76.
No mérito, o Diretor Gustavo Borba entendeu que a KPMG e seus auditores Ricardo Anhesini Souza e José Luiz Gurgel não realizaram procedimentos para obtenção do entendimento do controle interno das entidades auditadas, descumpriram a obrigação de emissão de Relatório Circunstanciado (art. 20 da ICVM 308) e não observaram as “Normas Brasileiras de Contabilidade NBC TA – De Auditoria Independente”, emitidas pelo CFC (notadamente item 7 da NBC TA 200; itens 3, 12 e 14 da NBC TA 315 e item 7 da NBC TA 402), na auditoria das demonstrações financeiras referentes ao exercício social de 2010 dos Fundos Clássico FIDC e Oboé Multicred FIDC.
Os acusados também foram responsabilizados por deixarem de avaliar a materialidade, existência e valorização dos direitos creditórios em carteira nos Fundos e de fazer análise das provisões efetuadas para operações de créditos de liquidação duvidosa. Segundo o Diretor Relator, não foram cumpridos os itens 7, 9 e 10 da NBC TA 500, agravado pelo não atendimento do item 5 da NBC TA 550, violando o art. 20 da ICVM 308. Especificamente em relação ao Clássico FIDC, não teria havido exame dos relatórios trimestrais emitidos, ensejando violação ao art. 8º, § 4º, da ICVM 356.
O Diretor Pablo Renteria acompanhou o voto do Diretor Relatou, mas divergiu quanto ao entendimento adotado sobre a sucessão da sociedade incorporadora na responsabilidade administrativa por ato ilícito praticado pela sociedade incorporada, no que foi seguido pelo Diretor Roberto Tadeu e pelo Presidente Leonardo Pereira.
Para eles, tal sucessão não estaria conforme o ordenamento jurídico, tendo em vista a ausência de exceções na Constituição da República e na legislação vigente a respeito da aplicação dos princípios constitucionais que norteiam a atividade punitiva estatal às pessoas jurídicas que respondem por ilícitos praticados no mercado de valores mobiliários.
Diante do exposto acima, acompanhando o voto do Diretor Relator Gustavo Borba, o Colegiado da CVM decidiu, por unanimidade, aplicar as seguintes penalidades:
- a KPMG Auditores Independentes: multa no valor de R$ 600.000,00, tendo sido considerada, na dosimetria da pena, o status de reincidente do acusado, bem como o seu histórico em processos sancionadores ainda não transitados em julgado.
- a Ricardo Anhesini Souza: multa no valor de R$ 150.000,00.
- a José Luiz de Souza Gurgel: multa no valor de R$ 175.000,00.
Os acusados poderão apresentar recurso com efeito suspensivo ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional.