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Irregularidades em aumento de capital, falhas de auditor independente e intermediação irregular também geram condenações
CVM pune administradores e controladora por violação de deveres fiduciários
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) julgou, em 11/08/2015, os seguintes acusados:
1. Alexandre Souza de Azambuja, Walid Nicolas Assad e Doriane Anunciação Markiewicz, membros do Conselho de Administração da Atletas Brasileiros S.A.: Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2013/11113
2. TECNOAUD Auditores Independentes S/S e José Ribamar Tavares Torres da Silva: Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2014/4395
3. Iônio Gamboa Freire: Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2014/8356
4. Marcelo Gomes da Silva: Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2014/11558
5. Jésus Murillo Valle Mendes, Alberto Laborne Valle Mendes, Ângelo Marcus de Lima Cota, Jefferson Eustáquio e Edificadora S.A.: Processo Administrativo Sancionador CVM nº 14/2009
CONHEÇA OS CASOS E OS RESULTADOS:
1. O Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2013/11113 foi instaurado a partir de Termo de Acusação elaborado pela Superintendência de Relações com Empresas (SEP) da CVM para apurar as responsabilidades de Alexandre Souza de Azambuja, Walid Nicolas Assad e Doriane Anunciação Markiewicz, na qualidade de membros do Conselho de Administração da Atletas Brasileiros S.A., por realizarem aumento de capital sem apresentar:
• critério para o cálculo do preço de emissão das ações (infração ao disposto no art. 170, § 1º, da Lei 6.404/76);
• laudo de avaliação dos bens utilizados para subscrição do aumento (infração ao disposto no art. 170, § 3º, combinado com o art. 8º da Lei 6.404/76);
• justificativa pormenorizada para fixação do preço de emissão (infração ao disposto no art. 170, § 7º, da Lei 6.404/76);
• tratamento que seria dado às eventuais sobras decorrentes do aumento (infração ao disposto no art. 171, § 7º, da Lei 6.404/76); e
• proposta de administração previamente à realização de AGE de 22/3/2013 (infração ao disposto no art. 14 da Instrução CVM 481).
ACUSAÇÃO
Em Assembleia Geral Extraordinária realizada em 22/3/2013, os acionistas da Atletas deliberaram o aumento de capital da Companhia no valor de R$ 1.200.000,00, que culminou com a transferência do seu controle acionário para a associação civil (clube de futebol) Paraná Clube.
Na mesma reunião, autorizou-se a formalização de todos os procedimentos pertinentes às deliberações, inclusive a assinatura do contrato de Cessão Integral dos Direitos Econômicos Oriundos de Contratos de Atletas de Futebol e Outras Avenças com o Paraná Clube, para a aquisição dos direitos econômicos da totalidade dos atletas do clube, no mesmo montante aprovado no aumento.
Após análise dos fatos e a como obtenção de esclarecimentos pela SEP, a área técnica apurou que a Atletas não disponibilizou, no Sistema de Envio de Informações Periódicas e Eventuais, o laudo de avaliação dos bens utilizados para subscrever o aumento de capital.
Embora a Companhia tenha informado que o referido aumento de capital social se deu mediante emissão e subscrição de novas ações em moeda nacional, a SEP entendeu que a transferência de numerário somente será realizada quando for efetuada a venda dos direitos econômicos dos atletas vinculados ao Paraná Clube, o que significaria dizer que, após a integralização do aumento de capital, a Atletas passou a deter o direito à receita oriunda da venda desses atletas.
Restou claro para a SEP que a integralização do aumento de capital se deu mediante a realização de bens, isto é, a cessão parcial ou total de direitos econômicos dos atletas vinculados ao Paraná Clube.
Diante disso, os acusados foram responsabilizados por infração ao art. 170, § 3º, combinado com o art. 8º da Lei 6.404/76.
Além disso, a área técnica ainda observou que os acusados não enviaram a proposta de administração previamente à realização da AGE, infringindo o art. 14 da Instrução CVM 481. Com isso, também não foram apresentados o critério para o cálculo do preço de emissão das ações e a justificativa pormenorizada para a fixação do preço de emissão (infração ao disposto no art. 170, §§ 1º e 7º, da Lei 6.404/76).
Para a Superintendência, era competência do Conselho de Administração da Companhia enviar aos acionistas, previamente à AGE, todas as informações pertinentes aos assuntos a serem deliberados, prezando pela fiel aderência à legislação societária vigente e aos normativos da CVM.
Por fim, ao analisar a ata da AGE, a SEP verificou que não há menção ao tratamento a ser dado às eventuais sobras de ações não subscritas, em descumprimento ao art. 171, § 7º, da Lei 6.404/76.
VOTO
O Diretor Relator do caso, Roberto Tadeu, destaca que, embora a ata da AGE revele a aprovação do aumento de capital por unanimidade, não há comprovação nos autos (tais como atas de reuniões preliminares ou registros de acesso aos documentos pertinentes) de que os acionistas tenham, efetivamente, participado ou acompanhado as tratativas com o Paraná Clube. E, ainda que existentes tais comprovantes, este argumento não é suficiente para eximir as responsabilidades dos administradores de apresentarem as informações exigidas pela Lei 6.404/76. Eventualmente, pode ser considerado na dosimetria da pena.
Roberto Tadeu acrescenta que compete à administração da Companhia disponibilizar, em sua sede, antes da realização da AGE, todos os documentos pertinentes à matéria a ser debatida. Esta obrigatoriedade está prevista na Lei 6.404/76 (art. 135, §3º), independente de normas da CVM, como a Instrução 481, conforme disposto no Ofício-Circular CVM/SEP/ 01/2013.
O Diretor Relator, porém, constata que não houve a elaboração da proposta de administração antes da AGE. Neste caso, o único documento existente é a ata da assembleia, que não traz informações acerca dos critérios adotados e da justificativa pormenorizada na fixação do preço de emissão das ações, nos termos do art. 170, §§1º e 7º, da Lei 6.404/76. Roberto Tadeu ressaltou, inclusive, que a CVM já firmou jurisprudência sobre o comando inserto no citado §7º do art. 170.
Roberto Tadeu também constatou, a partir do Memorando de Entendimento celebrado entre a Atletas e o Paraná Clube, que a integralização das ações não se deu, de fato, em moeda nacional, mas em bens - ativo intangível representado pelos direitos econômicos de 59 atletas vinculados ao Paraná Clube. Ou seja, conforme acordado previamente entre as partes, a Atletas ”adquiriu” os referidos direitos econômicos em carteira do Paraná Clube e, em contrapartida, emitiu novas ações em aumento de capital no exato valor pelo qual “adquiriu” tais direitos, possibilitando ao Paraná Clube a aquisição de seu controle acionário.
Para o Diretor Relator, dado que a Atletas não possui autorização para negociação de suas ações em bolsa de valores, o leilão das sobras em bolsa é obrigação inexigível no presente caso, posto ser juridicamente impossível a sua concretização. De acordo com Roberto Tadeu, o Colegiado da CVM já se manifestou pela desnecessidade da realização do leilão das sobras em bolsa nos casos em que o procedimento é incapaz de atingir seu fim, que é o de distribuição das “sobras de valores mobiliários não subscritos”.
O Diretor Relator considerou ainda que a AGE contou com a presença de acionistas representando 100% das ações com direito a voto, que aprovaram o aumento de capital por unanimidade. E, de acordo com a ata da assembleia, eles renunciaram expressamente ao seu direito de preferência, além de não constar qualquer pedido de reserva de sobras tanto do Boletim quanto da lista de subscrição.
Além disso, segundo o Diretor Relator, diante dos entendimentos havidos entre a Administração da Atletas e o Paraná Clube previamente à deliberação do aumento de capital, muito provavelmente não se vislumbrava a possibilidade de as ações emitidas não serem integralmente subscritas e, portanto, gerar sobras de ações não subscritas. O Diretor Relator concluiu que a ausência de informação do tratamento a ser concedido a eventuais sobras não trouxe qualquer prejuízo aos acionistas da Companhia.
Roberto Tadeu ainda ressalta que, recentemente, ocorreu alteração no escopo de incidência da Instrução CVM 481 (art. 1º, parágrafo único), que passou a ser aplicada “exclusivamente a companhias abertas registradas na categoria A e autorizadas por entidade administradora de mercado à negociação de ações em bolsa de valores”.
Considerando precedente em que se aplicou o princípio da retroatividade da norma mais benéfica (PAS CVM nº RJ2012/1730 – Diretora Relatora Luciana Dias), Roberto Tadeu entendeu possível afastar, no caso concreto, a punição dos acusados por descumprimento à Instrução CVM 481.
Diante do exposto acima, acompanhando o voto do Diretor Relator Roberto Tadeu, o Colegiado da CVM decidiu, por unanimidade, aplicar aos acusados, na qualidade de membros do Conselho de Administração da Atletas, multa individual no valor total de R$ 150.000,00 pela:
• não apresentação do laudo de avaliação dos bens utilizados para subscrever o aumento de capital (infração ao art. 170, § 3º, combinado com o art. 8º da Lei 6.404/76);
• não apresentação do critério para o cálculo do preço de emissão das ações (infração ao art. 170, § 1º da Lei 6.404/76); e
• não apresentação da justificativa pormenorizada para a fixação do preço de emissão (infração ao art. 170, § 7º da Lei 6.404/76).
O Colegiado ainda decidiu, por unanimidade, absolver os acusados das imputações de não terem apresentado tratamento que seria dado às eventuais sobras decorrentes do aludido aumento (infração ao art. 171, § 7º da Lei 6.404/76) e não envio da proposta de administração previamente à realização da AGE de 23/3/2013 (infração ao art.14 da Instrução CVM 481).
Os acusados punidos poderão apresentar recurso com efeito suspensivo ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional. Além disso, a CVM oferecerá recurso de ofício das decisões de absolvição ao mesmo Conselho.
2. O Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2014/4395 foi instaurado a partir do Termo de Acusação elaborado pela Superintendência de Normas Contábeis e de Auditoria (SNC) da CVM para apurar as responsabilidades de TECNOAUD Auditores Independentes S/S e José Ribamar Tavares Torres da Silva em razão da inobservância das normas contábeis aplicáveis (infração ao disposto no art. 20 da Instrução CVM 308).
ACUSAÇÃO
A SNC concluiu que não teriam sido observados, no momento da emissão do parecer referente às demonstrações financeiras da Construtora Beter S.A. para o exercício social findo em 31/12/2008, os seguintes procedimentos de auditoria vigentes à época dos fatos:
• Item 1 da NBC T 11-IT-05 - Parecer dos Auditores Independentes sobre as Demonstrações Contábeis (aprovada pela Resolução CFC 830/98): segundo a área técnica, o parágrafo 2º do parecer apresenta erro formal quanto à sua estrutura, mesclando o parágrafo de extensão dos trabalhos com o parágrafo de opinião.
• Item 16 NBC T 11-IT-05 - Parecer dos Auditores Independentes sobre as Demonstrações Contábeis (aprovada pela Resolução CFC 830/98) e Item 44 da NPA 01 (emitida pelo Instituto Brasileiro de Contadores - IBRACON): de acordo com a SNC, os parágrafos 3º, 4º e 5º do parecer não contêm informações relativas à quantificação dos efeitos sobre as demonstrações contábeis dos assuntos que foram objeto de ressalvas.
• Item 11.2.6.7 da NBC T 11 - Normas de Auditoria Independente das Demonstrações Contábeis com alterações e dá outras providências (aprovada pela Resolução CFC 820/97) e Item 11.15.3 da NBC T 11.15 – Contingências (aprovada pela Resolução CFC 1.022/05): para a SNC, a limitação na extensão do trabalho informada no parágrafo 10 do parecer deveria ter conduzido no mínimo a uma ressalva, dada a relevância dos montantes envolvidos.
Dessa forma, a área técnica da CVM concluiu que deveriam ser responsabilizados, por violação ao art. 20 da Instrução CVM 308, o auditor independente pessoa jurídica, TECNOAUD Auditores Independentes S/S, e também o responsável técnico pela elaboração do documento, José Ribamar Tavares Torres da Silva.
VOTO
O Diretor Relator do caso, Roberto Tadeu, destacou a independência dos parágrafos do parecer de auditoria, que tem por objetivo facilitar o entendimento do usuário da informação. Segundo o Diretor Relator, a utilização das expressões "exceto por", "exceto quanto" ou "com exceção de" são próprias do parágrafo de opinião, referindo-se aos efeitos do assunto objeto da ressalva, devendo ser utilizadas no parágrafo referente à extensão dos trabalhos apenas quando verificada limitação nesta, de sorte a refletir tal circunstância, o que não se verificou no caso concreto. Assim sendo, houve a mescla entre os parágrafos, apontando o erro formal na estrutura do parecer.
Roberto Tadeu também destaca que a emissão de parecer de auditoria com ressalva indica a existência de discordância entre o auditor independente e a Companhia quanto ao conteúdo e/ou forma de apresentação das demonstrações contábeis auditadas. Com isso, segundo o Diretor Relator, é fundamental que o auditor detalhe, com precisão, os motivos que o levaram ao entendimento diverso. Os acusados neste processo realizaram apenas uma mera descrição de aspectos contidos na nota explicativa e tidos como relevantes pelo auditor, não suprindo a exigência da exposição clara de todas as razões que fundamentaram a ressalva.
Adicionalmente, o Diretor Relator ressalta que a exposição das razões deve atender aos padrões de clareza do “indivíduo comum”, standard representativo do usuário médio das informações contábeis.
O Diretor Relator também contra-argumenta a alegação dos acusados de que era impraticável quantificar os efeitos sobre as demonstrações financeiras da Companhia devido à sua situação jurídica (em recuperação judicial). Para Roberto Tadeu, pelo contrário, a situação da Beter reforça a importância da informação para os usuários, no âmbito dos quais se inserem os seus acionistas e credores.
Roberto Tadeu ressaltou ainda que não se trata de exigir dos auditores a realização do trabalho que a Companhia deixou de fazer, tal como a avaliação do impairment, mas sim que o conjunto das informações sobre o assunto objeto de ressalva constante em seu parecer permita aos usuários claro entendimento de sua natureza e seus efeitos nas demonstrações contábeis, particularmente sobre a posição patrimonial e financeira e o resultado das operações.
Por fim, o Diretor Relator ressaltou que a contratação de um auditor independente após findo o exercício financeiro objeto da auditoria não obsta, por si só, a realização do procedimento de circularização, exigido quando o valor envolvido for expressivo em relação à posição patrimonial e financeira e ao resultado das operações.
No caso concreto, os valores das “Contas a Receber” e “Demais Contas a Receber” representavam, em conjunto, 65,1% do Ativo Total em 31/12/2008, restando caracterizado o expressivo valor. Roberto Tadeu observou ainda a necessidade de circularização junto a advogados, o que também não teria sido realizado pelos acusados, chamando a atenção para o valor consignado como “Credores Recuperação Judicial”, correspondente a 49,4% do Ativo Total.
Diante de todo o exposto, acompanhando o voto do Diretor Relator Roberto Tadeu, o Colegiado da CVM decidiu, por unanimidade, aplicar aos acusados multa individual no valor de R$ 150.000,00.
Os acusados punidos poderão apresentar recurso com efeito suspensivo ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional.
3. O Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2014/8356 foi instaurado a partir de Termo de Acusação elaborado pela Superintendência de Relações com o Mercado e Intermediários (SMI) da CVM para apurar a responsabilidade de Iônio Gamboa Freire por ter exercido a atividade de intermediação de valores mobiliários sem a competente autorização da CVM.
ACUSAÇÃO
No âmbito do Processo Administrativo CVM nº SP2006/739, a SMI emitiu o Ato Declaratório 9.169, de 14/7/2007, determinando ao acusado a imediata suspensão do exercício da atividade de intermediação de valores mobiliários, uma vez que não possuía autorização da CVM para tal.
Entretanto, segundo apurado, o acusado continuou praticando ilicitamente a atividade, adquirindo fora de bolsa ações de diversas companhias (Magnesita, São Carlos Empreendimentos, Lojas Americanas, Contax, Eletropaulo, Energias do Brasil e Petrobras). Os documentos obtidos dos bancos custodiantes (Bradesco, Banco do Brasil, Itaú Unibanco e Santander) e da BM&FBovespa (com destaque para as Ordens de Transferência de Ativos Escriturais – OTAE e procurações) comprovaram a manutenção da prática.
A SMI constatou que o acusado utilizava procuração em causa própria para adquirir ações, pelas quais pagava valores irrisórios se comparados aos praticados em bolsa. As ações, após serem transferidas para seu nome, eram vendidas em bolsa.
Dessa forma, a área técnica responsabilizou Iônio Gamboa Freire pelo exercício da atividade de intermediação de valores mobiliários sem autorização da CVM, em desacordo com o art. 16, inciso III, e parágrafo único, da Lei 6.385/76.
VOTO
O Diretor Relator do caso, Roberto Tadeu, acompanhou o entendimento da SMI de que houve prática ilícita por parte do acusado. Os documentos suportes das operações comprovam que Iônio Gamboa Freire empreendeu uma peregrinação em diversas cidades, de diversos estados da Federação, na busca dos proprietários, e conseguiu adquirir ações de emissão de diferentes companhias fora do mercado de bolsa entre 2007 e 2011.
Também foi evidenciado que a pretensão do acusado era revender as ações em curto período de tempo após adquiri-las.
O Diretor Relator reprovou a atuação do acusado, uma vez que a CVM, na busca da proteção ao investidor e desejosa do regular funcionamento do mercado, estabeleceu requisitos a serem preenchidos por aqueles interessados em exercer tal atividade, para avaliar a qualificação profissional e a reputação ilibada, visando a, assim, conferir a segurança necessária aos investidores atendidos por esses profissionais.
Diante de todo o exposto, acompanhando o voto do Diretor Relator Roberto Tadeu, o Colegiado da CVM decidiu, por unanimidade, aplicar ao acusado a proibição temporária para o exercício da atividade de agente autônomo de investimento pelo prazo de cinco anos.
O acusado punido poderá apresentar recurso com efeito suspensivo ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional.
4. O Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2014/11558 foi instaurado pela Superintendência de Relações com Investidores Institucionais (SIN) da CVM para apurar a responsabilidade de Marcelo Gomes da Silva por, supostamente, ter exercido a atividade de administração profissional de carteira de valores mobiliários, sem prévia autorização da Autarquia (infração ao disposto no art. 23 da Lei 6.404/7, combinado com o art. 3º da Instrução CVM 306).
ACUSAÇÃO
O referido processo teve origem com a solicitação à CVM, por parte da Polícia Civil do Estado do Pará, de informações a respeito de Marcelo Gomes da Silva, uma vez que estava sendo apurada a sua suposta responsabilidade pela prática dos crimes de estelionato e lavagem de dinheiro.
De acordo com o informado pela autoridade policial, o acusado havia aberto uma empresa de nome “MGS INVEST” e atraía vítimas apresentando-se como investidor da bolsa de valores, e convencendo-as a investir em ações, por meio da promessa de rendimento de até 500% em prazos de seis a doze meses. Porém, depois de arrecadar o dinheiro, o acusado desapareceu.
A Superintendência de Proteção e Orientação aos Investidores (SOI) da CVM informou à Polícia Civil do Estado do Pará que Marcelo Gomes da Silva não possuía registro na Autarquia e encaminhou o processo à SIN, para investigação sobre a suposta administração irregular de recursos de terceiros.
Após analisar os fatos e outros documentos enviados pela Polícia Civil do Estado do Pará, a SIN apurou que diversos depoimentos prestados por investidores à autoridade policial confirmariam que, de meados de 2009 a abril de 2011, Marcelo Gomes da Silva atraiu diversos clientes através das promessas de ganhos elevados no curto prazo.
Porém, esses documentos não comprovariam a efetiva existência da MGS INVEST, que, segundo a SIN, era um artifício que o acusado utilizava para parecer mais profissional, seduzindo, assim, maior número de investidores.
Alguns contratos analisados pela SIN revelam que Marcelo Gomes da Silva se apresentava como “operador analista gráfico”. Os contratos continham cláusulas prevendo depósito em conta de titularidade do acusado e garantia de rentabilidade entre 100 a 500% ou de pagamentos de rendimentos mensais em torno de 5%.
Também foram enviados, pela autoridade policial do Estado do Pará, comprovantes de depósitos e recibos bancários que demonstram a efetiva captação de recursos de terceiros. A SIN ainda verificou, junto à BM&FBovespa Supervisão de Mercados (BSM), dados que evidenciaram que, ao menos, parte dos recursos captados teria sido direcionada para operações de compra e venda de títulos e valores mobiliários no mercado de bolsa.
Com base nesses elementos, a SIN concluiu que Marcelo Gomes da Silva teria exercido a atividade de administração profissional de carteira de valores mobiliários, sem dispor do necessário registro junto à CVM, descumprindo o disposto no art. 23 da Lei 6.404/76, combinado com o art. 3º da Instrução CVM 306.
Isso porque estaria caracterizada a gestão de recursos, já que Marcelo tinha o poder de investir e desinvestir os recursos entregues pelos clientes, de maneira profissional, em vista da propalada imagem de “profundo conhecedor do funcionamento da bolsa de valores” e da multiplicidade de clientes captados por ele, bem como do caráter habitual e continuado de sua prática e da retenção de parte dos recursos investidos.
Comprovantes bancários acostados aos autos também provariam a entrega de recursos ao acusado. Por fim, os contratos e os depoimentos prestados por clientes, comprovariam que ele tinha autorização para a compra e venda de títulos e valores mobiliários, tomando as decisões de investimento com discricionariedade.
VOTO
O Direto Relator do caso, Pablo Renteria, iniciou seu voto destacando que o art. 2º da Instrução CVM 306 estabelece que: “A administração de carteira de valores mobiliários consiste na gestão profissional de recursos ou valores mobiliários, sujeitos à fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários, entregues ao administrador, com autorização para que este compre ou venda títulos e valores mobiliários por conta do investidor”.
O Diretor ressaltou que é entendimento consolidado na CVM que a atividade descrita se configura quando existem gestão, a título profissional, de recursos entregues ao administrador e autorização para compra e venda de títulos e valores mobiliários por conta do investidor.
Nesse sentido, o Relator concordou com a SIN que todos esses requisitos estavam presentes na atuação irregular de Marcelo Gomes da Silva, apontando que os contratos de investimento celebrados por Marcelo com investidores evidenciam que ele era o único responsável pelas decisões de investimento e que recebia os recursos com o compromisso de lhes entregar determinado retorno financeiro. Além disso, Pablo Renteria considerou o fato de esses contratos concederem ampla discricionariedade ao acusado para tomar decisões de investimento com os recursos recebidos, havendo indícios de que eram utilizados na compra e venda de títulos e valores mobiliários.
Esta gestão de carteiras era feita a título profissional, pois o se apresentava como investidor profissional capaz de proporcionar a seus clientes elevado retorno final em curto prazo, utilizando-se, ainda, da MGS INVEST, como um artifício para reforçar a sua imagem profissional.
Além disso, o acusado retia parte dos recursos que lhe eram confiados, havendo remuneração pelo serviço prestado, e havia habitualidade em sua atuação, que envolveu elevado número de investidores.
Dessa forma, o Diretor Relator acompanhou o entendimento da SIN sobre o exercício da atividade de administração profissional de carteira de valores mobiliários, por parte de Marcelo Gomes da Silva, sem a devida autorização da CVM, em infração ao disposto no art. 23 da Lei 6.385/1976 e no art. 3º da Instrução CVM 306.
Segundo Pablo Renteria, a conduta de Marcelo Gomes da Silva foi especialmente grave, uma vez que ele ludibriou diversas pessoas com promessas fáceis de rentabilidade de modo a convencê-las a entregar seus recursos, desaparecendo e levando consigo boa parte do dinheiro arrecadado.
Diante de todo o exposto, acompanhando o voto do Diretor Relator, o Colegiado da CVM decidiu, por unanimidade, aplicar ao acusado a proibição temporária para atuar, direta ou indiretamente, em qualquer modalidade de operações nos mercado de bolsa em funcionamento no Brasil pelo prazo de 10 anos.
O acusado punido poderá apresentar recurso com efeito suspensivo ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional.
5. O Processo Administrativo Sancionador CVM nº 14/2009 foi instaurado pela Superintendência de Processos Sancionadores (SPS) em razão de reclamações de acionistas encaminhadas à CVM alegando um possível fechamento branco de capital da Mendes Júnior Engenharia S.A. (MJ Engenharia) e o esvaziamento de seu potencial de geração de riquezas em favor da coligada Mendes Júnior Trading e Engenharia S.A. (MJ Trading), em violação à Lei 6.404/76.
O relatório de inquérito apurou que, em operações societárias ocorridas em 1998, os Acusados teriam sido responsáveis por:
(i) aprovar a cessão de tecnologia e de atividades operacionais da MJ Engenharia para a MJ Trading por meio de aumento de capital em bens intangíveis da primeira realizado na última, em valores possivelmente subavaliados;
(ii) realizar comodato de equipamentos entre a MJ Engenharia e a MJ Trading, o que configuraria ato de liberalidade por parte dos administradores;
(iii) promover a redução da participação da MJ Engenharia na MJ Trading através de sucessivos aumentos de capital nesta última; e
(iv) não promover a adequada divulgação dessas operações em notas explicativas e por meio de fato relevante.
ACUSAÇÃO DA CVM
Com base nos fatos acima descritos, a Acusação propôs a responsabilização dos administradores da MJ Engenharia:
(i) Jésus Murillo Valle Mendes, por infração ao art. 155, caput e inciso II, art. 154, §2º, ‘a’ e art. 177, §3º, todos da Lei 6.404/76, e à Deliberação CVM 26;
(ii) Alberto Laborne Valle Mendes, por infração ao art. 155, caput, da Lei 6.404/76;
(iii) Ângelo Marcus de Lima Cota, por infração ao art. 154, §2º, ‘a’ e ao art. 177, §3º, ambos da Lei 6.404/76, e ao art. 2º, §1º, da Instrução CVM 31; e
(iv) Jefferson Eustáquio, por infração ao art. 177, §3º, da Lei 6.404/76; e da Controladora, por infração ao art. 116, parágrafo único, da Lei 6.404/76.
VOTO
A Diretora Relatora do presente caso, Luciana Dias, entendeu que a Acusação gravitava em torno de 2 temas principais:
(i) a transferência de tecnologia, equipamentos e capacidade operacional da MJ Engenharia para a MJ Trading (Transferência de Tecnologia); e
(ii) a diluição da participação da MJ Engenharia no capital da coligada MJ Trading após a Transferência de Tecnologia (Diluição de Participação).
Inicialmente, foram afastados os argumentos preliminares da defesa de eventual prescrição quinquenal e intercorrente e de não cumprimento do art. 11 da Deliberação CVM 538 por parte da Acusação.
Com relação ao primeiro ponto (item i), a Diretora Luciana afirmou que, por a MJ Engenharia e a MJ Trading serem companhias coligadas e com administradores em comum, a transação de capitalização da MJ Trading com bens intangíveis da MJ Engenharia foi uma transação com partes relacionadas.
Além disso, a Diretora concordou que havia um conjunto de indícios que corroboram a tese da Acusação de que havia motivos para que a administração duvidasse da fidedignidade do laudo de avaliação desses bens (Laudo), entre eles:
(i) o valor encontrado para a tecnologia da MJ Engenharia representava apenas 1,4% do patrimônio líquido da Companhia e era muito semelhante ao valor determinado dois anos antes pela própria MJ Engenharia;
(ii) a duvidosa independência do responsável técnico da Melloni, Carlos Melloni, ex-funcionário do grupo Mendes Júnior de 1978 a 1995;
(iii) a falta de competência da empresa para o serviço de avaliação da tecnologia da Companhia; e
(iv) a irregularidade na aprovação pelo conselho de administração da MJ Engenharia.
Reconhecendo que os administradores podem e, muitas vezes, devem tomar suas decisões considerando entendimentos de terceiros, contidos em laudos, pareceres, relatórios, estudos e outros, a Diretora pontuou que a decisão fundada nessas opiniões não os exime do dever de analisar criticamente as informações a ele fornecidas, a fim de identificar eventuais problemas. No caso concreto, os administradores não fizeram nenhum questionamento em relação ao laudo.
Luciana Dias reforçou que, em nome do dever de lealdade preconizado pelo art. 155 da Lei 6.404/76, e por se tratar de uma transação com partes relacionadas, era de se esperar que os administradores da MJ Engenharia procurassem adotar mecanismos capazes de assegurar que tal operação fosse realizada de forma comutativa. Isso ocorreria tendo em vista os deveres fiduciários que a lei os impõe, garantindo, assim, que as decisões tomadas fossem no melhor interesse da Companhia e de seus acionistas, o que não foi comprovado pela defesa.
Sobre a responsabilidade da Controladora, a Diretora argumentou que, diferentemente da técnica adotada em relação aos administradores (arts. 153 a 157), a Lei 6.404/76 não especificou categorias de deveres fiduciários atribuídos ao controlador. O dispositivo que trata dos padrões de conduta desse acionista é uma cláusula geral que comporta uma série de obrigações. Essa consideração está em linha com seu voto no Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2012/1131, julgado em 26/05/2015.
Assim, a Edificadora, na qualidade de acionista controladora da MJ Engenharia, está sujeita a deveres fiduciários que abrangem tanto aspectos de diligência quanto aspectos de lealdade. Tal qual ocorre com os administradores, mesmo autorizada a apoiar suas decisões em documentos elaborados por terceiros, cabia à Controladora uma análise crítica desses dados, o que não se provou, mesmo diante da existência dos indícios já mencionados.
A operação também envolveu a cessão de aproximadamente 430 itens de maquinário pesado por meio de contrato de comodato entre a MJ Engenharia e a MJ Trading de 10 anos, prorrogáveis, sem qualquer previsão de contraprestação pela Coligada.
Segundo a Diretora Relatora, a doutrina reconhece que existem situações em que a concessão de descontos ou a renúncia a direitos pode não caracterizar ato de liberalidade, desde que tais operações ocorram de forma justificada. No caso concreto, não houve justificativa por parte dos Acusados e a situação agrava-se por se tratar, novamente, de transação com partes relacionadas.
A Defesa argumentou que os equipamentos estariam obsoletos e contabilmente depreciados e que o conceito de ato de liberalidade se aplicaria somente se o contrato fosse diminuir o patrimônio da MJ Engenharia, o que não teria ocorrido por não terem valor contábil significativo.
Para Luciana Dias, a Lei das S.A. não prevê o requisito de relevância para o ato de liberalidade. Além disso, o valor contábil dos equipamentos somente estaria depreciado porque a taxa de depreciação utilizada à época era de 20% ao ano, e não baseada na vida útil de cada equipamento, como ocorre pelas normas contábeis internacionais atualmente em vigor.
Dessa forma, o fato de um equipamento estar contabilmente depreciado não significa que ele não tenha valor econômico, que é a capacidade de geração de fluxos de caixa positivos para a sociedade ao longo de sua vida útil. O parecer técnico apresentado pela Defesa informou que vários equipamentos tinham vida útil consumida menor que sua vida útil estimada. Outro indício de que os equipamentos tinham valor econômico é que estão em uso pela MJ Trading há mais de 17 anos.
O último aspecto com relação à Transferência de Tecnologia diz respeito à correta divulgação das operações ao mercado. As notas explicativas das demonstrações financeiras não só não informaram a assinatura do Contrato de Comodato como trouxeram informações falsas a respeito do ativo imobilizado da Companhia. Além disso, caberia ao diretor de relações com o mercado, Ângelo Marcus de Lima Cota, a divulgação da Transferência de Tecnologia e a celebração do do Contrato mencionado por meio de fato relevante, o que não ocorreu.
Com relação ao segundo ponto (item ii), a Diluição de Participação, a Diretora entendeu que a CVM não tem competência para determinar se os aumentos de capital na MJ Trading foram regulares ou não, por se tratar de uma companhia fechada.
Ainda que a CVM tivesse tal competência, não foram trazidos aos autos indícios suficientes de que o valor atribuído às ações era incorreto – a falta de menção, nas atas das assembleias gerais e reuniões do conselho de administração da MJ Trading, à justificativa para a fixação do preço das ações emitidas pode configurar um vício formal, para os quais os administradores devem estar atentos, porém, isoladamente, não significa que o administrador ou o controlador que subscreveram aumentos de capital com vícios formais violaram seus deveres fiduciários.
Como ressaltou a Diretora Relatora, uma avaliação para determinar o valor das ações, por sua vez, não é sequer uma exigência legal. Ela é aconselhável e muitas vezes realizada, mas há outros métodos legítimos de se determinar o valor atribuído a ações em aumentos de capital.
Ademais, o processo de diluição da MJ Engenharia era esperado de alguma forma. Um acionista minoritário que não tem recursos para investir nesses momentos em que a Companhia precisa se capitalizar para dar prosseguimento às suas atividades será diluído, e isso é natural – o que a lei condena é diluição injustificada. E, como já apontado, não foram apresentados elementos para afirmar que a diluição tenha sido injustificada.
Assim, nenhum dos dois indícios significa que esses aumentos eram desnecessários ou que o preço atribuído às ações estava incorreto.
Acompanhando o voto da Diretora Relatora Luciana Dias, o Colegiado da CVM decidiu, por unanimidade aplicar as seguintes penalidades.
No caso da Transferência de Tecnologia:
a) Jésus Murillo Valle Mendes e Alberto Laborne Valle Mendes, na qualidade de membros do conselho de administração da MJ Engenharia, pena individual de inabilitação por três anos para o exercício de cargo de administração em companhia aberta, pela responsabilidade na aprovação do Laudo em reunião do conselho de administração da Companhia (infração ao art. 155, caput e inciso II, da Lei 6.404/76);
b) Edificadora S.A., na qualidade de controladora da MJ Engenharia, pena de multa no valor de R$ 300.000,00 por sua responsabilidade ao aprovar o Laudo na AGE da MJ Trading (infração ao art. 116, parágrafo único, da Lei 6.404/76);
c) Jésus Murillo Valle Mendes e Ângelo Marcus de Lima Cota, na qualidade de diretores da MJ Engenharia, pena individual de multa no valor de R$ 500.000,000, por ato de liberalidade ao firmar o Contrato de Comodato em nome da Companhia (infração ao art. 154, caput e §2º, alínea “a”, da Lei 6.404/76);
d) Jésus Murillo Valle Mendes, Ângelo Marcus de Lima Cota e Jefferson Eustáquio, pena individual de multa no valor de R$ 200.000,000, pela não divulgação do Contrato de Comodato nas notas explicativas das demonstrações financeiras referentes ao exercício social em que o contrato foi firmado (infração ao art. 177, § 3º, da Lei 6.404/76, combinado com a Deliberação CVM 26); e
e) Ângelo Marcus de Lima Cota, na qualidade de diretor de relações com o mercado, pena de multa no valor de R$ 200.000,00, pela não divulgação de fato relevante informando a Transferência de Tecnologia e a celebração do Contrato de Comodato (infração ao art. 2º, §1º, da Instrução CVM 31).
Também acompanhando o voto da Diretora Relatora Luciana Dias, o Colegiado da CVM ainda decidiu , no caso da Diluição de Participação, absolver:
f) Jésus Murillo Valle Mendes, da imputação de infração ao art. 155, caput e inciso II, da Lei 6.404/76; e
g) Edificadora S.A., da imputação de infração ao art. 116, parágrafo único, da Lei 6.404/76.
Os acusados punidos nesta sessão de julgamento poderão apresentar recurso, com efeito suspensivo, ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional. Além disso, a CVM oferecerá recurso de ofício das decisões de absolvição ao mesmo Conselho.