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Comissão de Valores Mobiliários
Comunicado IOSCO: iniciativas que impõem restrições a vendas a descoberto (Short Selling)
COMUNICADO FEITO PELA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DAS COMISSÕES DE VALORES (IOSCO) TRATANDO DAS INICIATIVAS RECENTES DOS MEMBROS DO COMITÊ TÉCNICO DA IOSCO QUE IMPÕEM RESTRIÇÕES A VENDAS A DESCOBERTO
(SHORT SELLING)
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) divulga o comunicado editado pela Organização Internacional das Comissões de Valores - IOSCO em 1° de outubro de 2008 e avalia as condições presentes no mercado brasileiro acerca da realização de vendas a descoberto no mercado de ações.
O comunicado (http://www.iosco.org/news/pdf/IOSCONEWS129.pdf) cita, e comenta, as iniciativas que vêm sendo adotadas, por reguladores de valores mobiliários nos países membros do Comitê Técnico da IOSCO, diante do agravamento da crise que atinge os mercados financeiros. O Comitê Técnico reúne os reguladores dos mercados de capitais mais desenvolvidos do mundo.
É o seguinte o teor do comunicado:
"Os membros do Comitê Técnico da Organização Internacional das Comissões de Valores (IOSCO) adotaram medidas, nas últimas semanas, em seus respectivos mercados, para enfrentar preocupações com as operações de venda a descoberto (short sales) tendo em vista a atual crise de crédito. Os esforços estão concentrados nas operações de short sale de valores mobiliários de instituições financeiras, considerando o impacto da saúde dessas sociedades sobre a estabilidade financeira. Os membros do Comitê Técnico da IOSCO, representantes da maioria dos mercados de capitais desenvolvidos no mundo, coordenaram entre eles as suas ações e o monitoramento das reações dos mercados.
Os membros do Comitê Técnico notam que operações de short selling desempenham um papel importante e benéfico ao mercado por diversas razões, incluindo a formação mais eficiente de preços, a mitigação de bolhas no mercado, o aumento de liquidez, facilitando o uso do hedging e outras atividades de administração de riscos, e, mais importante, limitando manipulações de mercado para elevar artificialmente os preços.
Entretanto, operações de short selling podem ser problemáticas em períodos de perda de confiança no mercado. Por exemplo, no contexto de uma crise de crédito onde instituições solventes enfrentam dificuldades de liquidez, a queda no preço de suas ações em razão de operações de short selling pode levar a uma redução ainda maior no crédito para essas instituições, podendo até mesmo levá-las à insolvência. Existem ainda circunstâncias em que as operações de short selling podem ser usadas como ferramenta para enganar o mercado. Pode-se citar, como exemplo, operações de manipulação de mercado para baixo, onde um operador vende ações de uma companhia a descoberto e divulga rumores mentirosos sobre perspectivas negativas para essa companhia. Isso prejudica emissores e investidores, assim como afeta a integridade do mercado.
Para minimizar a possibilidade de operações abusivas de venda a descoberto, especialmente no momento em que o mercado global de crédito está significativamente contraído, os membros do Comitê Técnico da IOSCO têm adotado ou estão confirmando medidas já adotadas, entre as quais as a seguir indicadas:
• Confirmar ou impor novas proibições em operações de naked short selling, através da exigência de que os operadores tomem os valores mobiliários emprestados antes de realizar as vendas a descoberto ou, alternativamente, se assegurem de que poderão tomar esses valores emprestados para atender à liquidação da operação de venda (em algumas jurisdições, essa medida foi alcançada com a cooperação de bolsas ou mercados de balcão), garantindo ainda que essas limitações não impactem negativamente setores importantes do mercado, como o de empréstimo de ações;
• Requerer que determinados investidores informem sobre as operações de short selling que executem, ou sobre as posições líquidas a descoberto que carreguem, aos reguladores, entidades de auto-regulação ou ao público em geral;
• Aumentar a supervisão das negociações para detectar short selling abusivo;
Compartilhar informações obtidas na supervisão do mercado com outros membros do Comitê Técnico, para apurar a ocorrência e enfrentar o short selling abusivo.
Algumas jurisdições adotaram temporariamente outras medidas adicionais para cuidar de problemas específicos de seus mercados, tais como restrições a covered short selling (Nota: operações de venda a descoberto precedidas de tomada de empréstimo para atender à liquidação).
Os membros do Comitê Técnico da IOSCO continuarão a monitorar os efeitos de suas regras para as operações de short selling. Os reguladores desejam receber, dos participantes do mercado, informações sobre os impactos de tais regras em suas operações."
As condições presentes no mercado brasileiro para a realização da chamada short sale ou venda a descoberto, a venda de ação ou outro ativo que o investidor não possua no momento da emissão da ordem de venda, são bastante distintas daquelas observadas em outros países. A CVM vem, portanto, esclarecer sobre o contexto em que se dá este tipo de operação no Brasil, para permitir uma melhor compreensão das medidas adotadas pelos reguladores de outros mercados.
A venda a descoberto (short), em qualquer mercado, só é possível se o vendedor tiver a possibilidade de tomar emprestada a ação que não possui e que deverá entregar na data da liquidação da operação (que ocorre no 3º dia depois da operação, em praticamente todos os países).
O modelo brasileiro de empréstimo de ativos é muito diferente do modelo adotado no mercado internacional, em geral, e nos Estados Unidos, em particular. Nos outros mercados, as operações de empréstimo sempre foram operações de balcão realizadas dentro de uma instituição financeira ou entre duas instituições financeiras. O registro da operação se dá por meio de registros na contabilidade das instituições envolvidas, sem que haja qualquer registro em sistema centralizado.
Outra característica é que os limites impostos a operações de empréstimo são apenas aqueles que as instituições decidem (ou não) estabelecer, lembrando que são essas mesmas instituições que auferem os ganhos resultantes de um maior volume de operações.
Por fim, existe uma séria limitação à capacidade de supervisão dessa atividade pelos órgãos reguladores, uma vez que as transações estão dispersas entre as instituições financeiras e – outra diferença importante - a identificação do volume de operações de um mesmo investidor é bastante dificultada, por não haver identificação do investidor final de forma centralizada, em lugar nenhum.
No Brasil, até por ser mais recente, o mercado de empréstimo (ou aluguel) de títulos foi estruturado de forma diferente. Esse serviço é prestado de maneira centralizada, por entidades de compensação e liquidação autorizadas pela CVM (atualmente, o único serviço ativo é o BTC, administrado pela CBLC). Dessa forma, existe o registro de todas as operações de empréstimo realizadas e o serviço é supervisionado pela CVM, que inclusive dispõe da identificação de cada investidor que tome títulos emprestados.
A informação sobre o volume total alugado por ativo é pública, assim como a oferta de valores disponíveis para empréstimo, com as respectivas quantidades e taxas, que é atualizada a cada 15 minutos.
Há também limites máximos quanto aos empréstimos que podem ser mantidos em aberto por investidor ou grupo (3%), por intermediário (6,5%) e pelo mercado (20%), limites que são calculados em relação ao total de ações em circulação da companhia.
Por fim, cabe comentar especificamente as chamadas naked short sales. Trata-se da estratégia por meio da qual o investidor vende a descoberto sem, na verdade, ter intenção de entregar o ativo vendido na data da liquidação. Dessa forma, ele não toma providências para tomar emprestada a ação e falha na liquidação. Esse tipo de operação é considerada abusiva e é o principal alvo das medidas adotadas na maioria dos mercados que o fizeram.
No mercado brasileiro, não se observa esse tipo de operação, inclusive porque há mecanismos que a tornam inviável. Um deles é a realização de empréstimo automático, pela própria entidade de compensação e liquidação, na hipótese do vendedor vir a falhar na entrega das ações na data de liquidação. Caso não haja ações disponíveis e a liquidação não se complete, é compulsoriamente emitida ordem de compra das ações no mercado. E ocorre a imposição ao investidor inadimplente de multa diária de 0,2% sobre o valor total do negócio a partir da falha na liquidação e até que ela se complete.
A CVM deseja reafirmar que concorda com os membros do Comitê Técnico da IOSCO quanto ao caráter benéfico, no geral, das operações de venda a descoberto, contribuindo para uma formação de preços mais saudável e para a liquidez do mercado. E que não identifica, até aqui, a prática abusiva desta estratégia em nosso mercado.
A CVM entende que o mercado brasileiro, nesse aspecto, conta com um marco regulatório e com regras impostas por auto-regulação que o protegem adequadamente de abuso, ao mesmo tempo em que viabilizam a venda a descoberto. Embora não contemple no momento a adoção de medidas regulatórias adicionais, a CVM se manterá atenta a eventuais alterações nesse quadro.