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Cultura Popular
Encontro nacional reúne mestras e mestres das culturas populares em Brasília
Davi Mello/Pareia
Maracatu, bumba meu boi, congada, aboios, samba de roda, carimbó, reisados, capoeira, samba de coco são apenas alguns exemplos da ampla diversidade das culturas populares e tradicionais do Brasil que precisam de ações de valorização e proteção para se manterem vivas nos territórios. Com o objetivo de contribuir com esse debate, mestres e mestras das culturas populares de todas as regiões do país estão reunidos em Brasília, dialogando sobre as políticas públicas necessárias para a continuidade desse patrimônio cultural. Realizado em parceria com o Ministério da Cultura (MinC), Mestres do Brasil – I Encontro de Mestras e Mestres das Culturas Populares teve início nesta quinta-feira (9), no Espaço Cultural Renato Russo, e seguirá até domingo (12), no Eixo Cultural Ibero-americano (antiga Funarte).
Ao participar da abertura, a secretária de Cidadania e Diversidade Cultural, Márcia Rollemberg, destacou o compromisso da Pasta com os guardiões dos saberes tradicionais. Citou a Política Nacional Cultura Viva (PNCV), por meio dos Pontos e Pontões de Cultura, como uma das principais ações que contribui para o fomento e a proteção dessas expressões que fazem parte da formação da identidade brasileira e reforçou a importância da participação social nesse processo.
“Esse momento de retomada e reconstrução das políticas culturais não é fácil. As demandas aumentaram porque ficaram represadas, mas também é um momento de celebração e de encontros. Essa participação social faz a diferença real nesse processo de construção do Sistema Nacional de Cultura, em que estamos descentralizando os recursos, é o que vai garantir os avanços da Política Nacional de Cultura”, acrescentou a secretária, que recebeu das mãos dos mestres e mestras uma carta com as principais demandas para o avanço das ações governamentais voltadas às culturas populares. Uma das principais propostas apresentadas é a reserva de 30% dos recursos da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB) para essas iniciativas culturais.
“Além do reconhecimento, esse encontro traz à tona a garantia que esses mestres, suas famílias, grupos e coletivos das culturas populares tenham políticas públicas, por exemplo, de acesso à saúde, à educação, ao transporte, à mobilidade urbana, à segurança pública, à alimentação, à cultura alimentar. É preciso que desprecarize a vivência e a convivência desses mestres nas suas comunidades”, explicou Tião Soares, diretor de Promoção das Culturas Populares.
Já o presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Leandro Grass, mencionou a ampliação do investimento voltado à política de salvaguarda dos bens registrados, que passou de R$ 1,7 milhão, em 2022, para mais de R$ 15 milhões em 2023. “Nós temos feito um esforço muito grande de olhar para esse Brasil profundo e de tentar descentralizar as políticas públicas voltadas aos mestres e mestras, olhando territórios historicamente negligenciados e esquecidos. Estamos com uma série de trabalhos e de inventários sendo feitos com esses mestres da cultura popular. Ainda há um passivo enorme, resultado dessa negligência dos anos anteriores, mas que a gente está enfrentando”, afirmou.
Cultura popular nas escolas
A programação do Encontro Nacional inclui rodas de prosa, oficinas populares, apresentações artísticas e trocas culturais. Além dos mestres, gestores das pautas de Cultura e Educação, aprendizes, pesquisadores e produtores culturais também estão presentes no evento. O projeto é realizado pelo Instituto Brasileiro de Inovação Cultural (Ibranova) e traz como um dos temas centrais a inclusão dos saberes populares nas escolas.
“A educação e a cultura popular vão estar juntas porque a cultura popular já faz há muito tempo a educação integral. A principal contribuição que a cultura popular tem a oferecer é o convívio comunitário, é essa inteligência de viver em grupo, em comunidade. A gente tem as ferramentas para ajudar, por exemplo, na diminuição da evasão escolar, na preservação dos patrimônios. Esse encontro é para a gente dar o primeiro passo para colaborar com isso”, defendeu Anderson Formiga, idealizador do evento.
Segundo o mestre Chico Simões, do Fórum das Culturas Populares e Tradicionais do DF e Entorno, é um grande desafio esse diálogo entre as culturas populares e as escolas formais. “São linguagens e lógicas diferentes. Para ter uma ideia, o sistema tem uma lógica com relação à propriedade que nas culturas populares tradicionais é inversa. Então, por exemplo, a terra, para o sistema, é propriedade de alguém, mas nas culturas populares tradicionais, nós é que somos da terra, a terra é a nossa mãe. Então, esse choque de conceitos é muito grande, mas tem pessoas que sempre estão tendendo o diálogo para que a gente possa conviver”, exemplificou Chico Simões.
Proteção e valorização dos saberes ancestrais
De acordo com João Lemos, presidente do Focuarte - Organização da Cultura Popular de Alagoas, o evento vai somar forças para que os mestres sejam reconhecidos como protagonistas da história do Brasil. “Nós estamos aqui para contribuir no que for possível e somar nessa luta. Aí de nós se não tivesse esses homens e mulheres que são quase sacerdotes da cultura popular. Aí do Brasil se não tivesse a cultura popular para mostrar a força que ele é e a beleza que ele tem”, completou.
O encontro traz reflexões ainda sobre a resistência e a transmissão dos saberes desses sujeitos diversos e plurais nas comunidades. “Já passou da hora do Estado brasileiro fazer a valorização de mestres e mestres que estão em todos os territórios, dando a sua vida gratuitamente para manter uma cultura viva e para manter a história, para manter a identidade do povo brasileiro”, explicou Paulão Kikongo, representante da Rede Integrada dos Bens Imateriais Registrados (RIBIR).
“Há menos de 100 anos, pagávamos com a vida e com castigos o ato de praticarmos capoeira. Menos de 100 anos depois, a capoeira tem mostrado a sua potência ao se tornar neste fenômeno cultural presente em mais de 165 países, modificando radicalmente a relação dos países com o Brasil através da cultura. Dizer isso é dizer, acima de tudo, que as culturas tradicionais populares são, para a maioria de nós, o único território de pertencimento possível numa sociedade racista”, completou a mestra de capoeira Janja Araújo, representante da Rede das Culturas Populares e Tradicionais.
O encontro contou ainda com a participação da deputada federal Erika Kokay e de representantes do Ministério da Educação (MEC).