“A ancestralidade leva a gente para exatamente onde devemos estar”
Entrevista realizada no dia 28 de junho de 2024, via Google Meet pelos curadores da Revista Pihhy - Anaquiri e José Alecrim
Entrevistada: Profa. Ms. Simone Eloy Terena
Simone Terena é Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (2010). Possui Mestrado em Antropologia Social pelo Museu Nacional-UFRJ (2016). É doutora em Antropologia Social pelo Museu Nacional-UFRJ (2016 a 2024).
Atuou como antropóloga na linha de medicina tradicional, no DSEI- KAYAPÒ do Distrito de Colider- MT. Tem experiência na área administrativa e já atuou como Professora na disciplina Direito Indígena.
Atualmente faz parte da Assessoria Técnica de Política indígena e indigenista da Liderança do PSOL na Câmara dos Deputados.
Pesquisa e atua principalmente nos seguintes temas: saúde indígena, educação indígena, território, e concentra suas pesquisas junto à população Terena em Mato Grosso do Sul.
A conversa foi guiada pelos seguintes eixos:
1 - Trajetória;
2 - Pesquisa em antropologia;
3 - Atuação na política - situação política atual;
4 - Cotas em concurso para pessoas indígenas;
5 - Liderança indígena mulher - Recados para mulheres indígenas.
A revista Pihhy agradece a parente Simone, pela disponibilidade de compartilhar seus saberes.
Pihhy é uma revista de autoria indígena, uma semente viva e sua presença fortalece e nutre para que essas sementes possam florir.
TRAJETÓRIA
Anaquiri (Revista Pihhy): Para abrir essa conversa, gostaria que você falasse um pouco sobre a sua trajetória.? Como você tem construído e contribuído com o movimento indígena, principalmente, a partir do lugar que nós, mulheres indígenas, temos ocupado em diferentes espaços?
Você é professora, pesquisadora, você tem ocupado esses lugares na política, então, gostaria que você nos falasse um pouco sobre a sua trajetória.
Simone Eloy: Bom dia! Quero me apresentar, meu nome é Simone Eloy, eu sou do povo Terena, do estado do Mato Grosso do Sul, aqui do bioma Pantanal, do norte do estado.
Atualmente eu estou de volta para o território após vários anos fora dele. Porque eu saí muito cedo do meu território, saí com 11 anos de idade, para trabalhar, para estudar, porque na nossa aldeia não se oferecia mais as séries além do quinto ano do ensino fundamental.
Meus pais se separaram também neste momento e minha mãe foi para a cidade trabalhar para conseguir sustentar eu e meus irmãos, né?
Nós ficamos um bom período morando na casa dos meus avós, eu e meus três irmãos, Eloy Terena, Val Eloy e a mais nova, Glauce Eloy, que ainda não está inserida no nosso movimento, mas a gente está tentando trazer ela também e ela está terminando o ensino médio dela.
A gente morou com meus avós e, ali, a gente aprendeu um pouco da política interna da aldeia. Porque meus avós, meus tios sempre fizeram parte do Conselho, sempre estiveram ali com as lideranças para tocar as demandas internas da aldeia. Meus avós paternos também sempre foram os caciques, lideranças, sempre tocaram as questões dentro da aldeia deles também, que é uma aldeia vizinha da aldeia da minha avó, a aldeia Ipegue (município sul-mato-grossense de Aquidauana).
Eu saio de lá com 11 anos de idade, venho para Campo Grande, trabalhar, estudar. Fui babá, trabalhei de doméstica e não deixei o estudo.
Era um tempo muito difícil, onde a gente tinha que ter o nosso próprio sustento, alimentação, roupa, entre outros, para nossa permanência dentro da cidade, né? Então, eu trabalhava durante o dia, estudava durante a noite, era cansativo, mas a força de vontade de vencer era maior do que o cansaço.
Eu dormia cinco horas por noite, chegava uma hora da manhã em casa, acordava cinco horas e já ia para o trabalho e foi isso durante o meu ensino médio.
E quando eu penso que eu não precisava mais estudar, que ali já terminaram os estudos, o meu irmão, o Eloy, chega para mim e fala:, agora nós temos que ir para a universidade. E eu sempre tive vontade, desde criança, de seguir a carreira de advogada.
Só que eu não achava que tinha que fazer uma graduação. E aí, meu irmão me convida. Naquele tempo, havia um vestibular específico para nossos povos indígenas aqui do Mato Grosso do Sul, na Universidade Estadual do Estado.
Ali, eu falei para ele:
O que é isso, o vestibular, né?
Aí ele falou:
Nós terminamos o ensino médio e agora nós temos que fazer a faculdade que vai nos preparar para uma profissão.
Aí eu falei assim para ele:
O que você quer ser?
Ele falou:
Biólogo.
Aí eu falei assim:,
Vamos ser advogados, eu acho que a gente ganha mais, né?
Na hora de fazer a nossa inscrição, que era pela Funai que a gente fazia, a gente chegou lá, minha mãe nos acompanhou. Minha mãe queria que eu fizesse Turismo. Eu olhei para ela e falei:
- Mãe, mas eu nem sei o que é isso.
Ela falou:
- É uma área boa, uma área melhor, mais fácil de aprender.
Aí eu olhei para ela…
Eu tinha um desejo! Mas era um desejo dela [mãe] que eu me formasse em Turismo, né? Aí eu olhei para o meu irmão e falei assim:
Eu não vou fazer Turismo, não. Eu acho que eu vou decepcionar minha mãe, mas eu quero a área do Direito.
E eu quero que você faça Direito, eu falei para ele. Até hoje ele fala que sou a culpada do caminho que ele seguiu, e feliz também, por toda a trajetória dele, fui eu, porque eu incentivei ele a cursar o Direito.
Eu nem sabia quando saiu o resultado, que eu vi que nós dois passamos em Direito, e, só depois que ele me falou que escolheu [Direito também].
Mas toda a vida, ele sempre estudou Biologia, Então a gente partiu, de Campo Grande para Dourados, onde a gente passou no vestibular.
E lá eu fiquei durante cinco anos., Eloy foi comigo também, só que ele conseguiu uma bolsa de 100% no Enem, na Universidade Católica, onde ele retornou para Campo Grande e eu fiquei lá sozinha [em Dourados].
Sozinha não, com os amigos, com os parentes, né? Até então, eu não estava inserida em movimento, mobilização, articulação nenhuma dentro do estado. Por estar muito tempo, também, longe ali do meu território, eu não conseguia fazer essas articulações com as mulheres, com a juventude, com as lideranças.
Quando eu chego na Universidade eu vejo todos os meus parentes ali, seja Terena, Guarani, Kaiowá, Kadiwéu, os povos que habitam no Mato Grosso do Sul, né?
Eu vejo que é a mesma dificuldade que eles passavam dentro, né? Da universidade, que é a assimilação de conteúdo, né?
A questão financeira, estadia, moradia. Alimentação, um dinheiro ali para o xérox. Era a mesma situação que eu passava ali, as dificuldades deles, né?
Então, a gente começou a se mobilizar enquanto estudantes indígenas.
A gente foi na reitoria, nós fomos na Secretaria de Educação do Estado, e, ali, a gente começou a formar um grupo de estudantes, onde, neste período de quatro anos, a gente se fortaleceu, para que a gente pudesse juntos terminar o nosso curso. Porque nós tínhamos uma finalidade e um objetivo.
Até então, o meu objetivo era individual. Eu queria ser advogada para mim. Para ganhar meu dinheirinho. Mas quando eu entro na universidade e vejo meus parentes, assim como eu, passando todas as dificuldades que tem quando a gente fica fora de casa, eu comecei a pensar no coletivo.
Então, ali, todo o encontro foi proporcionado pela Rede Saberes, que era um projeto financiado pela Fundação Ford, na época, juntamente com algumas universidades parceiras, a UEMS (Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul), a UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados), a UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul) de Campo Grande.
A partir desse projeto, a gente fazia vários encontros entre nós, entre as lideranças, entre saúde e educação. Ali, eu comecei a perceber que o nosso objetivo não tinha que ser individual, mas sim coletivo.
Quando eu conheci o Lindomar Terena, que veio trazer principalmente a questão do território, naquele tempo havia só ele, o Elvisley, que lutava pela questão da terra na região norte - do povo Terena do Mato Grosso do Sul. Então, eu percebo a necessidade de a gente se qualificar, adquirir conhecimento, retornar para o território, para que a gente pudesse ajudar na questão territorial.
Ali, Lindomar, deixava claro que precisava da gente, que nós éramos importantes, que precisávamos nos formar, porque teríamos que ter pessoas do nosso povo para fazer a defesa do nosso território.
Então acredito, assim, como aquele momento foi um despertar, uma virada de chave da questão do que eu estava fazendo dentro da universidade, que não é só para mim, para a minha família, mas sim para um povo. E não só para o povo Terena, mas com os povos também que eu trabalhei aí durante quatro anos, que abrange todo o Brasil.
Todas as pessoas que escutaram a fala de Lindomar nos encontros e pegaram essa fala para si, elas caminham hoje, elas têm feito algo, algum movimento para que a gente possa alcançar o nosso direito coletivo. Então, ali, eu me formei, aprendi muitas coisas através das nossas articulações e, depois que eu me formei, eu fiquei um ano no território Cachoeirinha, dando aula de Direitos Indígenas.
Até fico feliz que tem muitos alunos meus, que hoje fazem Direito e estão concluindo. Isso só mostra que o nosso aprendizado valeu a pena, que os alunos realmente pegaram o que eu queria transmitir. E, após isso, eu trabalhei um ano na UCDB - Universidade Católica Dom Bosco, como assessora técnica de projetos.
Ali eu executei também o projeto Rei de Saberes, fazendo encontros, viagens com os acadêmicos, auxiliando no que era necessário dentro do projeto para os acadêmicos indígenas, isso em 2013.
No final de 2013, eu fiz o processo seletivo de pós-graduação no Museu Nacional UFRJ, onde eu passei para o mestrado em Antropologia Social e, ali dentro, eu fiquei cinco anos da minha vida, fiz o mestrado e o doutorado.
Ali eu aprendi mais as questões específicas da teoria da antropologia, então, eu sou antropóloga e advogada. E ontem eu defendi a minha tese de doutorado.
Estou ainda digerindo essa nova conquista, porque não foi fácil! Porque durante o período que eu concluí o meu doutorado, eu fui para o DSEI Kaiapó (Distrito Sanitário Especial Indígena) atuar como antropóloga à convite do cacique Raoni e ali eu fiquei um ano e três meses.
Atuando com as mulheres, com a juventude, foi um período muito difícil.
Ali eu encontrei a neta do cacique Raoni, que é a Mayalu Kokometi Waura Txucarramãe, acho que vocês conhecem ela também.
Quando eu cheguei lá, um encontro entre nós foi proporcionado pela equipe, só que eu via que Mayalu era muito sozinha. E, Mayalu era uma potência de mulher, e quando ela entrou no DSEI Kaiapó, ela entrou para trabalhar na faxina.
Quando eu chego lá, começo a incentivar ela, começamos a conversar, a se unir, eu, a irmã dela e a mãe dela. Ela se empoderou de tal forma, que assumiu a administração do Instituto Raoni, foi muito bom ver o crescimento de Mayalu!
Ela até promoveu aquele encontro do Xingu, onde a Sônia, a Célia, foram para lá. Então, acredito que eu cumpri meu objetivo dentro daquele distrito, com as mulheres, ouvi muitas coisas que não queria ouvir, mas também aprendi muitas coisas que precisava aprender.
Foi um momento muito bom de conhecimento, principalmente na área antropológica, de viver ali com aquele povo que é totalmente diferente do meu povo. Eles não têm acesso à energia, à internet, eles vivem ali na mata mesmo, depende da caça, da pesca para sobrevivência, mas comparando com o meu povo que hoje tem acesso a tudo isso, e ainda a gente pesca, né?
Às vezes nós temos um conflito entre nós mesmos, e a gente poderia estar todos unidos para alcançar um objetivo coletivo, mas, enfim, acredito que em todo povo tem esse conflito, né? Então, quando chega o começo de 2009, isso em março já, eu recebi o convite da bancada do PSOL, na Câmara dos Deputados, para assumir assessoria técnica de política indigenista dentro da Câmara.
Eu fiquei pensando que eu estava bem feliz ali no DCI Caiapó, mas era muito distante. Era muito distante mesmo, porque, quando eu fui fazer o processo seletivo, quando eu cheguei em Cuiabá, eu falei para o motorista, então hoje a gente chega em Colíder, né?
Aí ele falou para mim:,
Minha filha, você deita e dorme, vamos chegar só amanhã, 11 horas da manhã.
Eu falei:,
Meu Deus do céu, onde eu estou indo?
Aí eu comecei a me preocupar, né?
Eu falei:
Não, onde que é essa Colíder?
Eu falei, bom, já estou aqui na metade do caminho, então é relaxar, que amanhã cedo a gente está lá. E aí eu fiquei pensando nessa proposta que me fizeram de ir para Brasília, assumir essa vaga lá na Câmara dos Deputados. Consultei meu irmão, consultei meu orientador, consultei várias pessoas.
Meu orientador me dizia,
Vá! Vá, porque hoje vocês, povos indígenas, conhecem mais do que todo mundo a luta. A luta do chão, a luta do território, a luta seja na educação, na saúde, em cultura, vocês dão aula.
Agora vocês precisam conhecer o jogo de cintura dos homens brancos. Vocês precisam conhecer a articulação, o que acontece dentro da casa do povo, que muitas vezes os projetos, as instruções não são aprovadas dentro daquela casa.
Isso me provocou para que eu pudesse conhecer mesmo, mesmo com medo.
Porque, assim… O Congresso Nacional é um mundo que quando você entra lá, te consome. Você chega lá, você não tem tempo de almoçar, não tem hora de sair, tem hora de entrada, mas não tem hora de saída. Então, no final de março, eu mudo para Brasília.
POLÍTICA
Em 2019, começa a minha batalha dentro do Congresso.
Eu tenho uma colega que até hoje fala que ela não acredita, que ela tinha chegado ali, naquela casa do povo, onde se decide a vida da população brasileira, mas que a gente estava ali e a gente precisava aprender a lidar com as articulações ali dentro.
Foi bem difícil para mim ver toda aquela mobilização, como eram feitas as articulações para aprovar um projeto de lei, para aprovar uma audiência pública, ainda mais quando se diz respeito às pautas indígenas.
Então, eu iniciei o meu trabalho, fui indicada pela deputada Áurea Carolina, de Minas Gerais, e pela deputada Talíria Petrônio, do Rio de Janeiro.
Ali a gente atendia toda a bancada. Os dez parlamentares que vinham até mim falar sobre a pauta indígena, eu tinha que estar preparando uma nota técnica, indo em plenário, comissões, audiências públicas, seminário, para estar orientando eles na pauta indígena.
O que era importante, eles estavam falando ali para que pudesse ser pautada dentro, seja ali do plenário, da Câmara, das audiências. E ali eu ia assumindo o meu papel enquanto indígena, mulher. Porque, assim, primeira mulher indígena a fazer parte da assessoria, então era tudo novo.
E ali eu comecei a assumir assessoria de comissão, de plenário, e assim eu caminhei quatro anos. E foi o período em que a deputada Joênia também teve o mandato. E Joênia me incluía muito nas pautas dela.
A gente articulou junto com ela para a construção da Frente Indígena, dentro do Congresso, onde a gente pôde fazer muitas coisas através da Frente. Assim, a gente atravessou um período sóbrio, que foi o período da pandemia, de 2020 a 2021.
Nós trabalhamos em casa, mas foi o momento que nós mais trabalhamos, né? Porque as articulações tinham que acontecer, a Covid estava chegando em nossos territórios, nossos parentes estavam morrendo em razão do vírus. Então a gente precisava agir urgentemente para garantir o mínimo para os povos indígenas do Brasil, a vacina, a água, a alimentação, que chegasse com todos os cuidados dentro do território.
Então, ali a gente formou um grupo amplo de deputados, senadores, de ministros, a Funai, as organizações, a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), todo mundo junto, para que a gente pudesse aprovar o mais rápido possível o projeto de lei, que é o projeto 11.042, que dá a garantia de todos os direitos no período do coronavírus. Então, trabalhamos dias e noites nesse projeto, e quando chega para aprovação do presidente, o veto dele, ele veta as questões principais, e uma é a questão da água, que ele não aceitou, que era o mínimo que ele deveria acatar!
Conseguimos aprovar, e também ajudamos a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) a emplacar aquela ação dentro do STF, que é a DPF 709, também que dá a garantia de todos os direitos durante o período pandêmico.
Então, a bancada do PSOL assinou junto com o jurídico da APIB, e a gente conseguiu também fazer incidência nesse sentido de garantia de direitos dos povos indígenas. Então, ali eu passei quatro anos me dedicando mesmo nas pautas indígenas, levando os parlamentares para conversar com os parentes, atendendo os parentes dentro do Congresso, e assim foi o meu trabalho ali dentro daquela Casa, aquele ambiente tão desagradável, que a gente vê pessoas realmente que não querem a nossa presença dentro daquela casa, não querem a nossa presença em espaço nenhum. Mas a gente, com a nossa coragem, a gente continua, porque a gente acredita que podemos fazer a diferença, ainda que como assessora técnica.
Hoje nós temos a deputada Célia Xakriabá, que está sozinha lá também, como indígena, mas que tem demarcado aquele espaço ali que é tão importante que a gente tenha a nossa voz mesmo. E, após isso, eu fiz um retorno aqui para Mato Grosso do Sul, porque eu estava muito cansada, foram dias e noites dentro daquele Congresso ali, e eu perdi meus avós, e isso tudo me abalou. Era o período do PL 490, tinha que orientar parlamentares, e ali eu percebi que eu tinha que dar um tempo, de fazer esse retorno para me equilibrar e tirar um pouquinho de mim essa ansiedade que o Congresso traz, ansiedade e aflição.
Tinha vezes que eu ia para casa e queria ficar trabalhando ali, resolvendo as pautas. Então, faço esse retorno aqui para o meu território, escrevendo a minha tese também, fiquei uns seis meses aqui. E, após isso, teve a eleição da Célia e da Sônia, onde elas forami eleitas.
E Célia me fez um convite, em dezembro de 2022, para que eu pudesse assumir o gabinete dela. E aí, eu conversei com a minha mãe, conversei com algumas pessoas, minha mãe não queria que eu fizesse esse retorno para Brasília.
E daí, em fevereiro, ela sempre me ligando. Quero você na minha equipe, quero você na minha equipe, até chegar a posse. E quando foi em janeiro, dia 15, ela me ligou.
Eu quero que você venha para ajudar a equipe e a gente começar os trabalhos já. Aí, eu falei para a minha mãe, eu vou, porque era um sonho das mulheres indígenas. Eu acompanhei toda essa trajetória de marcha.
Participei do projeto do Vozes das Mulheres Indígenas, como multiplicadora de vozes, onde a gente começou a pensar na Marcha. Então, acompanhei a primeira plenária das mulheres indígenas. Então, a gente sempre esteve nesses lugares.
Sempre estivemos ao lado das nossas lideranças, fazendo esse movimento, essa mobilização e essa articulação, mas nunca na qualidade de mulheres indígenas, no movimento de mulheres indígenas. Então, quando surge essa plenária ali dentro, que a gente realmente pauta as demandas em comum entre as mulheres indígenas do Brasil, a qual eu fiz parte também, quando a gente foi multiplicadora de vozes dentro do relatório que a gente aplicou questionário, fizemos aula de conversa, fizemos com que elas fizessem incidência dentro do nosso eEstado e também participamos de vários outros eventos, seja nacional ou internacional.
Eu me vejo também dentro desse processo, na qualidade de mulher e ajudando as mulheres a construir essa grande mobilização, que é essa rede de articulação de mulheres indígenas, que hoje está aí, que é a Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA). Então, eu aceitei a proposta da Célia de compor a equipe dela. Eu fiquei por seis meses no gabinete dela e pude acompanhar um pouquinho a trajetória ali dentro do Congresso, também pautando o Marco Temporal.
Onde a gente via deputados que declaravam mesmo guerra contra a gente e tendo ódio de falar as coisas. Porque eu me lembro, quando estava em discussão o Marco Temporal aqui, foi aprovado também aquele deputado Cchapeludo, até esqueço o nome dele, acho que ele é de Mato Grosso, não vou me recordar o nome dele agora. Ele gritava no nosso ouvido, ele viu que a gente estava ouvindo, a Célia e a equipe, e ele gritou assim:
Fizemos um gol, passamos o marco temporal.
E, assim, sem nenhum respeito às nossas pessoas que estavam ali presentes na frente dele.
Então, é um ambiente não agradável, não para nós indígenas, mas um ambiente que é necessário que tenha nossas presenças ali. Demarcando aquele espaço com as nossas vozes, com nossos cantos, com nossao razão, para que um dia eles possam se conscientizar que nós fazemos parte desse Brasil, sim, nós somos os primeiros brasileiros desse território! Então, após isso, eu atuei com o Weibe Tapeba, lá na Secretaria de Saúde Indígena, por seis meses também no jurídico, atuando, atendendo os processos, as demandas a nível de Brasil.
Anaquiri (Revista Pihhy): Parenta, que honra te ouvir, agradecemos por você compartilhar sua trajetória, sua força e suas conquistas.
Mirna Kambeba Omágua Yetê Anaquiri
Curadora da Revista Pihhy
Artista, educadora e doutora em Artes Visuais pela Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás (UFG).
José Alecrim
Curador da Revista Pihhy
É designer gráfico editorial, artista visual e arte/educador no Centro de Pesquisa Ciranda da Arte - SEDUC - Goiás