Erekokwera
Meu nome é Karapujano Wajapi, sou Wajapi, falante da minha língua materna, uma língua do tronco linguístico Tupi Guarani.
Nasci em janeiro de 1991, na Terra Indígena Wajapi na aldeia Aramira, localizada no município de Pedra Branca do Amapari.
O nome do meu pai é Seki Wajapi e a minha mãe é Kasawa Wajapi, que estão vivos ainda.
Somos do grupo tavu wana.
Moro na Terra Indígena Wajapi, Estado do Amapá, no norte do Brasil.
Fui alfabetizado na aldeia, estudei com meu pai Seki Wajapi. Estudei do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e ensino médio em escolas da cidade de Macapá.
Sou aluno do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena (UNIFAP) do Município de Oiapoque, Amapá, da turma de 2017.
Sou diretor da escola e tenho uma função de liderança indígena Wajapi na minha aldeia Munu’y, onde atuo como diretor na Escola Indígena Estadual Okoraýry desde junho de 2018, quando comecei a trabalhar nessa escola.
Em junho de 2018, as lideranças e chefes Waiãpi me indicaram para assumir a função de diretor da Escola Indígena Estadual Okora’yry.
Fui aluno da primeira turma do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena.
Quando eu tinha entre 3 e 5 anos de idade, ainda não sabia ler e nem escrever, falava somente na minha língua, Wajãpi.
Aprendi a brincar, tomar banho no rio, pescar, caçar passarinho com as flechas. Aprendi também a fazer artesanatos, como abano, cestaria e outros.
O meu pai Seki Waiapi e minha mãe Kasawa, assim como meu tamõ (avô) finado Kuruwari Waiapi, me ensinavam de tudo, como respeitar a realidade do meu povo e o nosso modo de vida.
Com 8 anos de idade, aprendi muitas coisas na aldeia. Com 8 anos, a criança já tem autonomia para ter liberdade de aprender o que quiser. Com 10 anos, comecei a estudar com o meu pai, meu primeiro professor, na Escola Aramirã.
Depois, teve um professor Wajãpi, de nome Parara Waiapi (finado), com quem pude estudar novamente. Com outro professor, encontrei grande dificuldade na sala de aula. Não me senti muito bem, porque estava acostumado a estudar com o meu pai. O professor Parara convidou muitos outros alunos, e a turma ia cada vez mais aumentando, com diferentes idades.
O professor Parara tentou me alfabetizar em português, ensinar a ler e a escrever, desenhar, mas não consegui compreender aquela aula do professor. Quando estava na sala de aula, sentia falta de poder fazer outras coisas, como banhar no rio, brincar fora do rio, porque o professor trabalha com um horário específico, e eu entrava na sala de aula cedo da manhã, pelas 7 horas, e ficava sentado na cadeira de taboa até o meio-dia.
O professor falava, e eu olhava para ele, que falava para todos, e dizia: – Vamos fazer desenho? Cada um vai escolher o que quer desenhar! O problema era que eu não conseguia perguntar para o professor. Para nós, isso é falta de respeito aos mais velhos, pois eu lembro que o meu pai me falou sobre o respeito para conversar com os mais velhos. Então, eu pensei: como posso estudar com esse professor se ele não é meu pai?!
Ele é mais velho, nem posso perguntar o que queria saber. Se o professor fosse meu pai, eu conseguiria falar tranquilamente em aula. Por isso, eu não consegui ficar estudando direito com outras pessoas, pois quando estamos acostumados com uma pessoa, fazemos brincadeira livremente, fazemos flechinha, pescaria no igarapé, entre outras atividades.
Assim, mesmo com dificuldades em estudar com esse professor Parara, eu já tinha aprendido o básico na escrita da minha língua com meu pai.
A partir desse momento, não parei mais de estudar. Gostava de falar “owari”, que no português significa “bom dia”. Cumprimentava todo mundo, qualquer pessoa que aparecesse na minha presença, para poder falar na minha língua, pois a primeira coisa que aprendi no português foi “bom dia”.
Eu sempre observei a fala dos não índios, como da equipe da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e da saúde. Os pilotos fluviais e terrestres falavam “bom dia” todo o tempo, usavam essa expressão e abraçavam outros colegas.
Em 2007, eu terminei o período do 1º ao 4° ano na Escola Indígena Estadual Aramirã. Em 2008, entrei para o Curso de Agente Indígena de Saúde Waiãpi, chamado de formação dos AIS Wajãpi. Esse Curso foi ofertado pela organização não governamental Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (IEPÉ), assim, fiz ele por 3 anos e meio, pois não tinha prazo para terminar os módulos. Não cheguei a terminar o Curso.
Também no ano de 2007 e 2008, não tinha ainda Ensino Médio nas escolas Waiãpi, somente havia o Ensino Fundamental. Por isso, meu pai e minha mãe me mandaram estudar na cidade de Macapá, para concluir o Ensino Médio.
Meu pai queria muito que eu estudasse, para que soubesse ler e escrever, tanto na língua portuguesa quanto na minha própria língua materna. Principalmente, queria que eu estudasse a cultura Wajapi, as histórias do povo, porque nós Wajapi contamos histórias oralmente, não líamos, não tínhamos nossas histórias escritas e que pudessem ser lidar e contadas.
Na época, não tínhamos a escrita Wajãpi e nem o audiovisual. A nossa história é contada pelos anciões, que são os nossos historiadores, aqueles que narram o que sabem.
Eu perguntei para meu pai por que ele me mandou estudar na cidade de Macapá com os karaikõ. Ele disse que se eu não fosse estudar: – “Quem poderia escrever a história dos Wajãpi?!
Será que essa história vai permanecer para sempre assim se você não escrever ela, para colocar na escrita?! Disse meu pai, e continuou: – Será que a cultura em geral não vai desaparecer para sempre daqui para o futuro? Pois não temos nada transcrito do narrado pelos anciões.
No ano de 2011, tive que sair para estudar na cidade de Macapá, ainda não havia terminado o Ensino Fundamental. Entrei para estudar na Escola Estadual Maria Mãe de Deus, que fica na zona norte de Macapá, no bairro Brasil Novo I, onde pude concluir o meu Ensino Fundamental, séries finais. Para estudar o Ensino Médio, me transferi para a escola Estadual Professora Maria Cavalcante Azevedo Picanço, que fica no mesmo bairro, no outro lado da avenida. Terminei o Ensino Médio em 30 de dezembro de 2015.
Longo depois, retornei à aldeia, quando relembrei tudo que tinha na aldeia. Neste momento, eu estava trabalhando para minha mãe, fazendo roça para ela. O meu pai falava sobre a Licenciatura Intercultural Indígena, curso de formação de professores indígenas que ele fazia e era o primeiro aluno Wajãpi da Turma 2007. Assim, eu pensei que um dia queria continuar, ser agente de saúde, um profissional ou professor. Então, eu fiz a prova de vestibular em campus de Macapá no final de 2016, é assim que eu entrei na UNIFAP, curso de CLII.
Estou concluindo o Curso de Licenciatura Intercultural Indígena na UNIFAP, estudei em Oiapoque, Amapá, sou da turma de 2017. Escolhi a área de Ciências Humanas, gostei de estudar história. Aprendemos e temos conhecimentos através da história, tentando buscar conhecer a história do meu povo Wajapi, para não esquecer a memória, os fatos, sujeitos e as fontes de nossa história. Continuar contando a história oralmente, ouvir, ensinar e registrar, na escrita, documentar a História do Povo Wajapi.
Quero conversar com meu avô sobre histórias de antigamente, como viviam, os acontecimentos que foram importantes para meu povo, para documentar e escrever um livro de história do Povo Wajapi, para trabalhar com alunos na escola, em língua materna.
Eu estudei os 4 anos de UNIFAP, não concluí as disciplinas do curso presencialmente, no campus de UNIFAP Oiapoque, a última disciplina eu concluí pela via de ensino remoto, internet, me conectando de lá da minha aldeia MUNU‘Y, quando tinha sinal de internet e energia solar. Foi difícil participar de aula para concluir a disciplina, por causa da pandemia COVID-19 em Oiapoque, no Brasil inteiro e também pelo mundo inteiro, por isso não teve aula presencial. Antes da pandemia, todos os semestres eu tinha que sair da minha aldeia para estudar na UNIFAP, na cidade de Oiapoque.
Eu sempre fui de carro pagando frete para ir a Macapá, que custa mais de 650,00 até 1200,00 para chegar em Macapá, são mais de 5 a 6 horas de viagem da aldeia a Macapá. Assim que chegava em Macapá, ficava um dia em Macapá, no outro dia eu continuava a minha viagem para ir ao Oiapoque pela linha de ônibus, para chegar até o lugar do meu curso de licenciatura intercultural indígena (UNIFAP). Assim que chegava em Oiapoque, tinha que procurar um lugar para ficar, no hotel ou aluguel de casa, que custa mais ou menos 100,00 diárias de hotel e aluguel de 750,00 por aí.
Quando eu comecei a estudar no curso de CLII, não conhecia muito o funcionamento do campus UNIFAP, como são as regras de instituição, não conhecia professores, os meus colegas são todos de outras etnias, como Karipuna, Galibi Marwono, Kalinã, Palikur e outros povos do Parque do Tumukumaque.
Eu e meus colegas, ou seja, meus parentes, nos comunicamos pela língua portuguesa, porque cada etnia fala línguas diferentes, eu consigo entender a comunicação pelo português.
Os meus professores de ensino do curso de licenciatura intercultural indígena são bons professores, preparados para ensinar, então cada semestre eu aprendia muito, novos temas ou como conhecimentos, tanto da história quanto do ensino de língua portuguesa. Toda vez que eu tinha dificuldade, fui perguntar para o professor, ele tirou todas as minhas dúvidas e me explicou muito bem.
Quando eu estou estudando na UNIFAP, sou estudante indígena, na aldeia eu sou uma liderança indígena Wajapi, sempre estou com as lideranças chefes Wajapi e com os professores Wajapi, participando de reuniões locais e regionais. Eu tenho três funções, estou fazendo também o papel de liderança, diretor da escola e também sou estudante.
Aprendi muitos conhecimentos através do meu estudo, toda vez que eu fui participar numa reunião, tanto da educação, quanto da saúde e a cultura, sempre tenho novas ideias de aprendizagem, como durante o meu Curso de Licenciatura Intercultural Indígena, também tenho muitas novidades e ideias boas.
Uma vez, os colegas me perguntaram: o que você vê aqui no curso de licenciatura? Eu fui respondendo: eu vejo muitas coisas aqui no campus de UNIFAP, com os professores que estão preparando o conhecimento dos alunos para conhecer os trabalhos, e daqui vão sair como verdadeiros chefes e atuarem como bons professores das suas aldeias.
Continuo dizendo: por isso mesmo, como nós estudantes em formação para sermos professores, temos de focar muito com nosso estudo aqui no curso de UNIFAP. Podemos aproveitar a grande oportunidade que estão dando para nós como alunos.
Precisamos que o UNIFAP continue sempre em pé para que nós, como povos indígenas de diferentes etnias, possamos estudar e ter boa formação para ser bons professores, para melhorar a educação escolar das aldeias.
Vamos lutar para que o UNIFAP continue oferecendo cursos para atender aos interesses e necessidades de formação acadêmica dos povos indígenas. Digo para meus colegas, cujo nome é docente Seki Wajapi, ele é meu pai e também é o meu instrutor.
Tenho a função de diretor da escola e liderança indígena Wajapi na minha aldeia Munu’y, que fica na BR 210, numa única estrada que liga a Macapá e a aldeia indígena Wajapi. Sou diretor na Escola Indígena Estadual Okoraýry desde junho de 2018, quando comecei a trabalhar.
Em junho de 2018, as lideranças e chefes Waiãpi me indicaram para assumir a direção da Escola Indígena Estadual Okora’yry. No início, foi muito difícil, não conhecia muito sobre gerenciamento escolar, não estudei e nem tive orientação, aprendi na prática.
Preciso estudar muito para compreender e conhecer melhor a coordenação pedagógica e a burocracia da SEED. Na escola, estudam 75 alunos, que começam a estudar com seis anos de idade. Tem seis professores indígenas: professores Pejan Waiapi, professor Japu Waiapi, Mo’i Waiapi, Japaita, Seki e Nameu.
A escola Wajapi é organizada através da comunidade, que tem o poder de decidir sobre a educação escolar Waiapi. Tem sede com oito escolas e salas anexo. São 48 funcionando, em diversas aldeias.
Os meus parentes me escolheram porque sempre estou à disposição para enfrentar qualquer trabalho na comunidade, nas reuniões, festas, mutirões.
Quando a comunidade luta para melhoria da educação, da saúde, território e cultura, estou à disposição para me juntar e lutar. A comunidade espera que eu não desista de lutar. Os meus parentes me escolheram pelo meu conhecimento, muitas vezes eu acompanho os trabalhos dos chefes e lideranças Wajapi. Por exemplo, em atividades da comunidade, como nas festas, reuniões, limpeza de demarcação da Terra Indígena Wajapi. Assim, a comunidade percebeu minha disposição e vontade de enfrentar qualquer coisa dentro da terra. Às vezes, tenho dificuldade de trabalhar e acompanhar as atividades da comunidade, mas mesmo assim eu continuei circulando e consigo trabalhar por aqui junto com o meu povo.
Todos esperam que eu seja uma liderança daqui para o futuro. Os chefes que partirem esperam que eu lute e defenda o meu povo Wajãpi, além de ser porta-voz da comunidade.
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