Por Vangri Kaingang
Artista, liderança e professora
As atividades na Universidade Federal de Goiás (UFG), em julho de 2024, se desenvolveram a partir da apresentação das/os coordenadoras/es indígenas de três povos diferentes:
Ana Kariri (dos Kariri da Paraíba), artista, escritora, professora e especialista no manejo de tintas naturais, e argilas.
Vãngri Kaingáng (dos Kaingáng do Rio Grande do Sul) , escritora, artista plástica e professora, faz trabalhos com pintura do grafismo Kaingáng em pinturas corporais, grafismos em artesanato, e em tela e em parede.
Alecrim Canela (dos Canela do Pará) é, artista plástico e professor de artes indígenas no ensino da rede pública de Goiânia/GO.
O grafismo Kaingáng foi apresentado pela professora Vãngri em suas diferentes formas, através da pintura corporal, feita em regiões distintas do corpo, feita conforme o sexo e também a idade do indígena.
A tecelagem das roupas, feitas em algodão e lã, reproduzem os grafismos dos adornos e cestarias do povo Kaingáng, em cores bem chamativas com tons bem vibrantes.
É assim a tecelagem Kaingáng, usada principalmente no Rio Grande do Sul!
As tecelagens, ainda, usam trançados das cestarias, e, no mês de setembro, as escolas indígenas mostram o trabalho de alunos e professores que reproduzem as roupas tradicionais, seus usos, seus contextos, e significados para os Kaingang de quatro estados.
A divisão dualista que representa o dia e a noite, confere a cada um dos Kaingáng, Kamé do dia, e Kairu da noite, poderes de criarem animais e plantas de sua mesma marca ou metade!
Depois, então, é feita toda apresentação da identidade do grafismo Kaingáng, do surgimento das marcas de cada metade Kaingáng.
Cada um dos povos indígenas presentes, refletiu sobre a identidade de seu povo, suas marcas e pinturas, o que significavam, por que são usadas, seus contextos e situações específicas.
Pensamos também sobre as histórias contadas por gerações de filhos e netos acerca daquela pintura, até chegarem a nossos dias, muitas histórias de superação e de domínio de novos territórios, travessia de rios, de lutas com animais e espíritos da natureza, com fugas impressionantes.
Cada aluno recebeu papel quadriculado, lápis de cor e foi pedido a eles que registrassem o grafismo Kaingáng que mais tivessem gostado, dentre aqueles que a professora Vãngri havia mostrado e desenhado em um papel quadriculado com os diferentes modelos de base dos grafismos.
Muitos desenhos se repetiram por conta do padrão mais simples, e por conta da facilidade de alguns desenhos menos elaborados, porém alguns povos como os Kayapó, Kuikuro, Kaiabi, Bororo e tantos outros que trabalhavam a arte da cestaria, tiveram mais facilidade no trabalho.
Alguns tinham a produção de peneiras, apenas pelos homens, em padrões de desenhos circulares com trabalhos em criciúma ou outro tipo de taquara, em outros povos, tanto homem como mulheres trabalhavam as cestarias.
Estes povos que trabalhavam o trançado, tiveram mais facilidade de desenhar e fazer o trabalho do trançado no tear de prego e, depois, de transferir a arte do papel quadriculado para o tear de prego.
Alguns alunos falaram de histórias sobre o grafismo de seus povos que narravam o nascimento das pinturas corporais, seu surgimento e sobre o significado de seus usos e costumes conforme suas tradições, presentes até hoje em suas culturas.
Falavam de narrativas de lutas espetaculares contra cobras, peixes gigantes, animais encantados e espíritos das águas e da terra, assim como alguns povos narraram que o próprio rio Amazonas é um grande espírito de cobra adormecido, que está protegendo o povo das águas.
São diversas narrativas, nas quais povos tão diferentes, de norte a sul do território brasileiro, têm em suas pinturas indígenas próprias, códigos de informação a respeito de diferentes clãs, nos quais, entre eles, pode se permitir o casamento ou não.
São muitas informações, que apenas uma pintura carrega, sobre o conhecimento de um povo durante milênios.
As apresentações se sucederam em dois dias consecutivos para que todos os alunos pudessem apresentar seus trabalhos sobre os grafismos e o significado dos usos dos mesmos, conforme usos, costumes e tradição de seus povos.
Apenas falar não mobiliza tanto quanto ver, sentir e ouvir cada narrativa, que cada aluno compartilhou, com fotos, desenhos e artesanatos, que mostravam a diversidade de culturas, em língua tradicional e em português, ensinando aos professores e colegas saberes sobre seu povo.
Foram momentos maravilhosos de aprendizado, partilha e cultura indígena, expressos por professores e mestres de cultura de diferentes partes do Brasil, ali, unidos naquela grande aldeia, Tekoá Takinahaky.
Canto e dança, música e tradição, memória e palavra, daqueles que detém o conhecimento ancestral de nossa memória e identidade, daquilo que somos!
Mesmo longe de nossas aldeias carregamos uma grande parte dela, e podemos fazer, onde quer que estivermos, nossa cultura viva, por meio de uma canção ou de uma história, de uma pintura na parede na pele ou no papel!!!
Vãngri Kaingáng