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Antropologia Indígena
Por Julio Kamer Apinajé, curador da Revista Pihhy.
Conversa com Ercivaldo Damsokekwa, Autaki Waurá, Michael Xavante, Mariano Baez Landa, Alexandre Herbetta e Oziel Canela.
Ao longo de sua trajetória de mestrado, no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS/UFG), resolveu reunir colegas antropólogos indígenas para pensar sobre o tema.
Kamer defendeu sua dissertação de mestrado intitulada MẼ IXPAPXÀ MẼ IXÀHPUMUNH MẼ IXUJAHKREXÀ: TERRITÓRIO, SABERES E ANCESTRALIDADE NOS PROCESSOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR PANHĨ, na qual problematiza políticas interculturais, vinculando-se a uma antropologia da interculturalidade.
Na conversa abaixo, a primeira de uma série, que Kamer quer estabelecer, Julio Kamer, Autaki Waurá, Oziel Canela, Michel Xavante e Ercivaldo Damsokekwa explicam suas afinidades e aproximações com o campo da antropologia, experiências anteriores na área em referência e refletem sobretudo sobre a importância de se pensar a partir dos conceitos indígenas.
Neste sentido uma antropologia indígena deve ter como base epistemologias originárias.
Julio Kamer: Sou Julio Kamer Apinajé, do Estado do Tocantins, do povo Apinajé. Sou professor da Escola Tekator.
Estou nessa linha de pesquisa. Tanto pesquisa interna, quanto externa, Isso ajuda a refletir e também dialogar com outras sociedades, inclusive a cupe (não indígena). Na minha concepção estamos mais interessados na área de antropologia, que é uma forma de poder expressar os nossos sentimentos e o nosso conhecimento por meio dessa área.
A própria palavra “antropologia”, é um termo que nos questiona. É uma inquietação enorme. Está nos descaracterizando, né?
Porque a antropologia estuda o pensar e o comportamento humano, logo a antropologia tem mais estudos que falam sobre os povos indígenas, e a gente fica numa posição de ser visto como algo que não tem capacidade de pensar o mundo, sobre o que se faz ou de se pensar sobre o que fala e principalmente na sua própria organização. É por isso que o nome antropologia me provoca. No meu caso, provoca isso.
Agradeço a participação, de Ercivaldo Xerente, de Michael Xavante, de Oziel Canela, de Alexandre Herbetta e de Mariano Baez Landa, por participarem desse momento que é importante para nós enquanto antropólogos indígenas e não indígenas.
Eu escolhi a área da antropologia para conhecê-la. Como ela é pensada? O que os teóricos estão pensando? O que os teóricos estão falando sobre os indígenas? São vários questionamentos. É por isso que pensei de a gente começar a se reunir para falar sobre esse tema bastante relevante, que diz muito a nosso respeito enquanto indígena, para a gente expor, propor, dialogar, por meio de nossos conceitos indígenas.
Porque a gente tem conceito! Se a gente não tivesse conceito, a gente não teria essas belas organizações sociais, os belos rituais, que nós temos.
Autaki Waura: Bom dia a todos! Para mim, escolhi essa área de antropologia social para estudar e conhecer.
Há muito tempo só os não indígenas estão fazendo estudo. Só não indígena está fazendo esse trabalho: pesquisando nossa comunidade. Agora o próprio povo indígena, nós mesmos, vamos mostrar nossa cultura, a nossa realidade, para mostrar para o não indígena como conhecer a nossa realidade, conhecer nosso modo de pensar.
Isso me motivou bastante para escolher essa área de antropologia. Historicamente o antropólogo sempre está ajudando o povo indígena. No caso, na luta de território, né. Também registrando a história do povo indígena. Além disso, eles querem conhecer a cultura deles. Para registrar, colocar no papel.
Agora é nós mesmos, povo indígena, que tem que colocar no papel, registrar, através de publicação. É por isso que eu escolhi a área de Antropologia Social, para poder estudar, para registrar a nossa cultura. Estou estudando sobre o conhecimento do meu povo. Como se dá a transmissão do conhecimento. A prática de saberes do meu povo.
Mariano Baez Landa: Agradeço o convite para participar desta iniciativa. Acho sumamente original esta proposta de todo mundo, estou tentando achar uma expressão. Estava pensando o que a gente está fazendo junto com os antropólogos indígenas. Estamos fazendo uma espécie de antropologia da antropologia.
É uma mirada do outro, de outro lugar.
E isso, acho, é fundamental para uma reflexão, refletindo a nossa origem da antropologia como tal, daquela disciplina dos brancos, senão uma reflexão que tem a ver com, como essa disciplina está sendo utilizada e reelaborada desde a perspectiva indígena.
Estamos construindo uma outra antropologia, montando uma antropologia da antropologia, daquela dos brancos, do início da colonização, por exemplo.
Estou achando, também, que é uma contribuição enorme para o pensamento antropológico, pois antes "os outros", vocês lembram essa expressão, os outros que eram os objetos da prática antropológica dos brancos.
Agora esses objetos estão sendo sujeitos, estão sendo e estão tendo uma participação fundamental para pensar outra antropologia.
Já não nessa condição de “outridade”, dos outros, não fica nas margens. Agora, os outros estão fazendo outra antropologia. Então, para mim, é uma contribuição fundamental.
Praticamente já está tendo uma desconstrução, uma desconstrução daquela antropologia dos brancos. É agora uma construção de um novo pensamento dentro da antropologia. Uma nova antropologia, finalmente. Então, acho sumamente importante participar, porque para mim é muito, muito claro que meu papel nesta participação, tem a ver muito com aprender, e voltar para aprender antropologia, porque vai ser com professores indígenas.
Acho muito interessante e agradeço. Agradeço a oportunidade de conversar e refletir em conjunto. Obrigado.
Historicamente, todos os povos indígenas são invisibilizados, né? Pelo sistema do não indígena. Até então a gente servia como fonte de pesquisa para toda as pessoas que vieram, e de alguma forma eles contribuíram bastante, porque pelo menos escreveram a história do povo, o surgimento, os costumes, os hábitos. Acredito que o ingresso dos indígenas significa que teremos os nossos próprios conceitos de fala, de expor nossas realidades.
Eu quero dar bom dia para todos os participantes que estão ouvindo a gente e dizer que é uma felicidade muito grande participar.
Os grandes intelectuais, vamos dizer assim, porque é uma troca de experiência tanto não indígena e quanto indígena. Nós praticamente ficamos por muito tempo na colonização que praticamente oprimiu todos os povos.
Ficamos sem qualquer movimento no âmbito do sistema do não indígena. Eu diria que os povos indígenas nativos estão começando a acordar para também escrever sua própria história.
Ter o hábito de estudar o próprio, estudar seu povo. Falar o que realmente somos, o que queremos, e o que não queremos, o que preservamos, o que perdemos ao longo dessa trajetória de colonização.
A antropologia para mim é muito importante nesse momento. Há violações de direitos dos povos, os verdadeiros donos do território, não só no Brasil, mas na América do Sul. No Brasil é praticamente indígena, todo o solo, a riqueza, a história, é indígena.
Muitos praticamente foram sugados para que aqueles que realmente querem nos dizimar, vamos dizer assim, pela história da colonização, que hoje a oportunidade chegou até esses povos nativos para também poder escrever a sua própria história.
Escrever os anseios, os rituais, as cantorias.
De tudo que há em uma determinada população nativa, mas a antropologia, na verdade, ela nos traz também essa possibilidade de dialogar com os que por aqui passaram, diversos povos.
Temos que agradecer às pessoas que escreveram a história dos povos de diversos povos. Os antropólogos, os clássicos, vamos dizer assim, passaram por aqui. Eles deixaram esse legado para gente também ouvir um pouquinho sobre o nosso povo lá no passado. Eles conviveram com esses colonizadores, vamos dizer assim. Os colonizados praticamente ficaram invisível e invisibilizado pelo sistema.
Eu diria que é um rolo compressor, né? Que é muito forte para os povos indígenas. E ainda é. É muito difícil a luta indígena. A gente tem que ser muito guerreiro, muito forte, para poder tentar sobreviver nesse sistema, que é aplicado para os povos indígenas, os verdadeiros donos de toda a história, de toda a riqueza, porque o Brasil tem que reconhecer essa grandeza que os povos nativos têm.
Para mim é muito válido ter essa parceria com antropólogos não indígenas, porque essa convivência ela jamais vai ter o fim, né? Nós vivemos no mesmo espaço e convivemos no mesmo espaço. Então, precisamos desse entendimento. De que a antropologia, os antropólogos indígenas e não indígenas precisam desse diálogo.
É nesse contexto que eu queria ressaltar a importância da antropologia. Os indígenas, sendo os desbravadores, vamos dizer assim, da própria história, escrevendo, porque no mundo não indígena não se aprova se não tiver um certificado, um diploma e se não tiver essa confirmação de que a pessoa está apta e habilitada para determinada área.
Nós que estamos hoje ingressando na pós-graduação como futuros antropólogos, que já somos antropólogos no meio do nosso povo, mas que nós não somos reconhecidos pelo sistema, né, do não indígena.
Vejo que a grandeza desses ingressados, nossos irmãos indígenas é muito válida, porque nós vamos ter essa oportunidade de fala, de escrever a nossa própria história, expor a nossa vontade e dizer o que queremos, o que almejamos, tanto para o povo nosso quanto para os demais povos que historicamente falando, as lutas árduas são praticamente as mesmas. Um pouco diferente entre os diversos povos, mas a luta é praticamente igual. Igualitária, vamos dizer assim, né?
No Brasil todo, os povos indígenas têm essas perseguições pelos descendentes de colonizadores para com os colonizados. Eu acredito que ingressando na antropologia, eu acredito que vamos ter novos conceitos de antropologia, pensar a antropologia a partir do pensar indígena, com essa parceria de convívio com os não indígenas. Eu acredito que teremos uma grandeza no âmbito da antropologia da atualidade, vamos dizer assim, porque os clássicos nos deram também esse legado que eles deixaram para nós, né?
Eu sou muito grato porque a minha história é muito dolorosa, desde quando eu ingressei na escola. A minha luta foi muito árdua, porque eu queria saber escrever, ler e ainda eu tô nessa peleja, vamos dizer assim, nessa luta para tentar entender um pouco o código, a escrita do não indígena, porque é muito complexo.
Nós estamos num sistema totalmente oposto ao sistema do indígena, que é totalmente oral. Totalmente. Apenas esse diálogo que a gente tá fazendo, mas que fica gravado nas mentes dos jovens, das nossas crianças.
Agora temos essa oportunidade de escrever para nossa comunidade, para o nosso povo, através da escola.
Eu acredito que tudo que pensamos, escrevemos juntos, porque de alguma forma a comunidade está participando também, porque estamos convivendo, fazendo a pesquisa de campo com eles e a partir daí estamos construindo uma nova antropologia, um novo modelo de pensar a antropologia no âmbito da sociedade do entorno.
Precisamos muito reeducar a nós mesmos e também reeducar as pessoas que estão em nossa volta. Eu diria que a antropologia nos traz esse valor de expor a grandeza que temos nas riquezas de ritualidade, de cantoria e de tudo. A ciência voltada para medicina, ervas medicinais e outras coisas. Tem muitas coisas que a gente às vezes não consegue escrever em uma dissertação.
Eu acredito que ao longo dos anos vamos ter mais oportunidade de escrever muito além da tese ou de uma dissertação que a gente está hoje escrevendo. Eu diria que a antropologia dá esse empoderamento aos futuros antropólogos indígenas.
Oziel Canela: Por que a antropologia é importante para mim e para minha comunidade? Desde que comecei a pensar, acho que foi em 2010, quando conheci o antropólogo norte-americano William Fisher, que é um dos parentes, um dos amigos que acompanham a trajetória do William Crocker aqui na aldeia Canela, a aldeia do povo Canela.
Ali começou o meu papel, né? Papel de ver. Papel de pesquisar. Papel de buscar. Porque é importante ter pesquisa. Quando eu acompanhei o trabalho do antropólogo, que é o William Crocker, lá dos Estados Unidos, ali eu achei interessante ver. Aí eu pensei assim: eu vou, eu quero ser antropólogo também, buscar o conhecimento do meu povo, divulgar ou então mostrar para a comunidade de não indígena, para os parentes indígenas.
Porque a antropologia, para mim é uma área muito importante. Como quem fala é uma fonte de conhecimento, uma fonte onde eu vou buscar, onde eu vou ver que meu povo também é um povo representativo, tanto na cultura, como na riqueza, como nas cantorias.
Muitas pessoas me falaram: Oziel, por que você não escolheu outra área? Por que você não foi para Geografia? Por que você não foi fazer Letras? Algumas pessoas perguntam assim para mim, mas para mim, antropologia é uma área muito importante. Eu amo antropologia.
Antes eu estava fazendo acompanhamento do pesquisador antropólogo que é norte-americano, ali comecei a pensar que um dia chegaria como hoje. Vou estar mostrando, vou estar explicando coisas que os não indígenas talvez não conheçam.
Aproveitando aqui que a minha pesquisa é sobre os objetos sagrados, porque na maioria das vezes, muitos indígenas do meu próprio povo, tem uns que pensam que aquele material, que aquele objeto, é como se fosse um material qualquer. Devemos pensar: Qual é a função do objeto? Qual é a importância desse material para a comunidade ou para a cultura indígena do meu povo? A antropologia vai estar ajudando nessa parte, onde estou escrevendo sobre os cintos, onde estou escrevendo sobre algumas cantorias, onde estou pesquisando e buscando a importância, a função daquele material.
A antropologia para mim é uma área que vai estar me ajudando na divisão do conhecimento. Então, tudo que eu tô querendo fazer, tudo que eu tô querendo aprender, a antropologia tá me mostrando. Ao mesmo tempo, minha visão mudou. Mudou para olhar. Mudou para buscar.
Porque o povo Canela, como eu, como primeiro indígena, fazendo papel de antropologia. A comunidade inteira está gostando. Onde eu vou tá também ajudando esse povo, onde eu vou estar ajudando, vou estar abrindo o caminho, quem sabe mais pode ser antropólogo. Eu vou estar também mostrando para não indígenas o que aquele objeto ali representa para o Brasil.
Vamos supor que eu tenho um cinto, eu tenho aqui um maracá. Então esse é o maracá. Ele tem a função específica, e a antropologia também ajudou nessa parte, como eu tô agora fazendo campo. Então eu tô agora, nesse momento, eu tô na casa de um amigo do cunhado e eu tô também observando nesse momento uma cantoria na casa da minha mãe está tendo uma cerimônia de chefes, que na antropologia fala chefe cerimonial.
Eu tô buscando esse saber e eu vou mostrar para mim. Tanto para mim quanto para minha comunidade, principalmente para os indígenas que querem buscar, que querem também ver que o povo indígena também é importante. Eu, como primeiro indígena, entrando na antropologia, entrando para ser antropólogo, eu tô gostando, eu tô buscando essa riqueza que a antropologia me trouxe.
Não somente conhecer, mas ver a riqueza, o olhar que meu povo tá querendo. Eu tô feliz! Estou muito feliz por estar fazendo esse papel e divulgando como o antropólogo que fez a pesquisa, né, como William Crooker fez desde os anos 50. Eu tô aqui fazendo isso também, o que é muito bom.
Tem muitos que são contra. Antes de eu entrar na antropologia, eu vejo que muitos parentes são contra antropólogos aqui na aldeia. Depois fui vendo e fui mostrando que a antropologia para mim, na aldeia, é uma área muito importante na pesquisa. Aqui na Aldeia Canela tem uns que falam que antropólogo vem, faz a pesquisa, leva e faz a divulgação.
Eu agora como indígena, fazendo esse papel, estou assim, esclarecendo que a antropologia é uma área muito importante para ajudar a divulgar a riqueza, mostrar para os não indígenas que a cultura indígena, os objetos sagrados, são objetos muito importantes. Como eu estou escrevendo sobre o material que é objeto sagrado, uma vez eu falei que muitos não conhecem, por exemplo, a cestaria.
A cestaria é uma arte muito importante não somente para minha comunidade, mas também para o povo não indígena. Uma vez eu falei que eu entrei num lugar público, vi uma cesta, como se fosse um objeto qualquer. Eu tento explicar para os não indígenas, se eu, como indígena, fazendo antropologia, eu tô colocando esse olhar, né, que às vezes tem um olhar diferente.
Eu como indígena, e os não indígenas, a gente tem essa ligação. Eu vejo que eu, como indígena, fazendo essa pesquisa e mostrando que a antropologia é muito importante para mim, não somente para mim, como também para minha comunidade. Eu acho que é muito importante para todo mundo. Para todos os alunos que estão fazendo antropologia, porque é uma área de conhecimento onde a gente tem possibilidade, tem oportunidade de escrever, de buscar, de mostrar sobre a nossa própria cultura, sobre a nossa própria riqueza.
Muitos pensam que antropólogo, eles fazem a falsa divulgação. Não somente aqui, mas tem uns parentes que pensam assim, mas eu como aqui do meu povo, eu já tento explicar que a antropologia está ajudando nessa parte, Então a gente está sendo reconhecido através da antropologia, a minha cultura, a minha fala.
Tudo isso é o conhecimento que eu vou estar ajudando também na história, no olhar. Meu povo sempre me procura, sempre me protege nesse conhecimento. Eu acho que deu para entender um pouco sobre a minha fala. Eu tento explicar dessa fórmula.
Michael Xavante: Estou aqui na escola, na minha aldeia, a internet está fraca, como o colega falou, eu tive essa visão de gostar dessa área, através da leitura e através da curiosidade de pesquisador que teve aqui na aldeia.
Através dessa pessoa do pesquisador que teve que vir para pesquisar dentro do seu projeto, comecei a perguntar: Por que está aqui na aldeia? Porque ele está morando aqui no povoado? Ele começou a explicar qual seria o seu trabalho.porque ele estava aqui. Como eu sou curioso, sempre pergunto o que eu penso, o que eu vejo. Foi daqui que começou a minha intenção de futuro.
Naquele tempo pensei no futuro para hoje entrar nessa área. Não é à toa que eu escolhi essa área. Eu escolhi por curiosidade de explicar. O pesquisador explicou e eu estou aqui para pesquisar a vida dos Xavante, como que é a rotina do Xavante.
Eu ajudei sem saber falar português direito naquele tempo, sem falar português direito, eu tentei ajudar a expressar o pesquisador. É através dessa informação que eu tinha aprendido com ele, de pesquisar a sua própria etnia, a sua própria cultura, a sua própria organização social, as suas línguas, os seus fundamentos e as suas origens.
Você deveria escrever, você mesmo, indígena. Porque muito pesquisador, antropólogo, historiador, sociólogo pesquisa muitas das etnias. Através das informações descobri que os salesianos que eu convivi, e convivem com a gente até hoje, tem dois pesquisadores. Eu descobri que eles filmavam, né, A filmagem dele, da cultura, da gente que faz a realização dos rituais, eles têm filmagens.
Quando eu era criança, eu achava interessante essa filmagem. Agora descobri depois que era uma pesquisa dele para se tornar indigenista, antropólogo, historiador. Através deste conhecimento me esforcei mais, procurei o professor Alexandre Herbetta que me ajudou. Professor, sempre agradeço a você.
Estou aqui esperando defender a dissertação, falando sobre o tema que eu tô pesquisando, Daiumo, traduzir como ritual de passagem dos adolescentes wapté. Assim, na nossa língua.
Eu pesquisei durante o ano passado, quando estava se realizando esse ritual. Esse rito, o ano passado, apareceu a pandemia, mesmo assim a gente teve que realizar, porque chegou o momento de realizar. A gente, Awue, segue ainda essa tradição. Chegou esse momento de realizar. Tem que realizar, né? Foi uma dificuldade. Pensamento triste, para mim, porque vejo muitos óbitos de Xavante. Mesmo assim passou esse tempo. Passou, mas não passou. Ainda está circulando no mundo ainda, mas aqui na aldeia, na minha aldeia já diminuiu muito. Agora há pouco quase não tem dor.
Essa ideia de a gente se encontrar eu achei interessante. Por isso eu vim correndo. Esse é meu entendimento de como é a antropologia, como que eu entrei. Eu entrei para pesquisar e entrei para conhecer os direitos indígenas, para conhecer a saúde indígena. Como que são esses direitos? Para defender através da antropologia! Dentro dessa área de antropologia, não sei o que está sendo agora, porque acho que 2019 teve reunião no PPGAS. Mas eu falei dessa forma, dentro da antropologia, faltou direitos indígenas. Como que nós, antropólogos indígenas, vamos conhecer nossos direitos?
Neste momento, agora, o governo está tratando como a terra, como nosso futuro antropólogo, como que nós vamos defender a nossa terra? Como que nós vamos falar da lei, dos nossos direitos? Como antropólogo. É por esta visão que eu escolhi essa área para conhecer os nossos direitos, conhecer os direitos, saúde indígena, conhecer os direitos que a gente tem, como a cultura. Eu aproveitei que eu tinha falado na reunião do PPGAS em 2019, como que vai ser o trabalho? Como que vai ser a realização do curso na área de antropologia?
Eu estou aproveitando porque estamos reunindo antropólogos indígenas, que são meus parentes. A gente tem que se juntar, Eu agradeci você, a Júlio também. A gente se encontra, ver nosso pensamento, eu gostei.
Ercivaldo Damsokekwa Xerente: A antropologia indígena é muito complexa, porque a antropologia fez com que eu compreendesse que pensar a antropologia está muito mais além do que eu imaginava antes de eu estar diretamente no campo da antropologia. A complexidade, a dificuldade, talvez seria muito mais do que um antropólogo não indígena. Tem suas rivalidades, tem seus parceiros, tem suas convivências ali no dia a dia.
Desde quando eu ingressei para academia, para universidade, eu percebi que esse campo de pesquisar o meu próprio povo me deu a possibilidade de entender que realmente ali há uma complexidade muito maior do que eu imaginava. Há restrições de conversar com outro clã, de tentar aproximar o outro clã, porque tem as suas restrições.
Cada clã tem sua autonomia própria, tem seus deveres a fazer, vamos dizer assim, no âmbito do conhecimento de disputa.
Eu só quero agradecer, né, professor, mestre Júlio também por ter provocado essa possibilidade de dialogar e os demais participantes. Isso nos faz ter mais maturidade do que queremos na antropologia, o que pensar realmente a antropologia indígena, nesse contexto de descolonizar, porque até então a colonização é muito forte.
Lá nas comunidades indígenas parece que o que vem de fora tem muito mais validade do que o que tá aqui dentro, vamos dizer assim. Mas esse eu coloco entre aspas, porque é a nossa cultura, os hábitos, o convívio social, é muito, totalmente diferente, da sociedade, do entorno, porque se trata de regras, tudo escrito, cheio de código, cheio de burocracia. Temos a nossa diversidade, existe também dentro de cada contexto determinado.
Cada um tem seus hábitos, seus costumes, suas crenças, suas tradições. Até os limites, também existem entre determinados povos. Eu me expresso a partir do meu contato com o convívio diretamente com antropólogos, vamos dizer assim. Eu vou dizer logo que eu já me sinto um antropólogo, que eu já era um antropólogo, vamos dizer assim, do meu povo, mas que a questão desse sistema do não indígena, não me permitia que eu poderia me sentir como um antropólogo que tem que ter um diploma, um certificado, para poder comprovar que realmente eu sou isso, mas que eu diria, teoricamente eu já era um antropólogo.
Para mim é uma satisfação muito grande professor estar levando esse conhecimento do mundo, do meu mundo cultural para fora da minha cultura, para poder tentar dialogar com outras culturas diferentes. Eu me sinto muito honrado de ser, hoje, um dos primeiros aqui nesse patamar de doutorando, para mim é uma responsabilidade muito grande, acredito que o nome já me dá essa responsabilidade que é tentar honrar o que me foi dado como missão, vamos dizer assim, né? Meu avô já previu essa missão que me foi dada. Para mim é uma satisfação muito grande também conviver com os demais irmãos indígenas.
Isso é muito importante para todos. Os grandes antropólogos têm sido muito bem-vindos para mim. Hoje eu digo que escrever a nossa própria história é divulgar a nossa própria história, é dizer o que queremos, o que não queremos, é manter a tradição cultural da forma que vem sendo repassada de geração em geração.
Muito mais agora com saberes da ciência, da academia.
Registrar, documentar. Fotografar. Tudo isso é muito relevante para todos nós. A escola, as escolas indígenas têm que trabalhar essa questão de pesquisa dos próprios nativos, para que possamos ter esse embasamento, desse conhecimento já escrito pelo pelos próprios indígenas.
Julio Kamer Apinajé: A gente escolheu a antropologia por considerá-la um tema amplo, que abrange todas as outras áreas: movimentos indígenas, terra, língua, cultura, diálogo. Acho que por isso que nós escolhemos, porque é uma área ampla que nos dá a liberdade de pensar todas as outras áreas. Eu tive essa ideia para a gente poder estar pensando, dialogando sobre a antropologia e o que é antropologia.
O que é antropologia para nós e o que podemos fazer com a antropologia?
O Mariano colocou muito bem que a gente está fazendo uma análise geral de antropologia da antropologia, que a gente está dando conceito. Quer dizer, não dando conselho, a gente tá criando o nosso conceito indígena, em relação ao que a própria antropologia pensa sobre a gente e seus teóricos pensavam sobre a gente.
Por isso que eu falei para o professor Herbetta que é da antropologia da UFG que a gente, enquanto indígena, começou a ingressar no PPGAS a partir de 2017.
Também vou falar aqui um pouco sobre as falas de cada um, algo que o professor Herbetta já colocou muito bem. É importante ter esse espaço para a gente estar dialogando, discutindo. Mariano colocou aqui que a gente tá analisando, criando a forma, discutindo sobre a antropologia da antropologia, que é um espaço importante, que a gente tá mostrando o nosso ponto de vista, e também problematizando.
Damsokekwa colocou muito bem que é um espaço que podemos pensar esses outros conceitos e Oziel Canela colocou muito bem a importância da nossa própria cultura, que a gente tem muitas informações e conhecimentos que estão na gente, na aldeia, nas práticas culturais, principalmente na história, na língua, que precisam ser pesquisadas, analisadas, precisam ser registradas para poder mostrar e deixar registrado para que a geração que vem possa acompanhar um pouco da trajetória do seu próprio povo. Isso é importante.
Michael Xavante questiona muito bem sobre a forma como é etnografado ou pesquisado nossos conhecimentos. Isso chama bastante a atenção dele. É interessante ver, mas quando a gente vai observar com mais detalhe, do outro lado é diferente. É necessário nós mesmos fazermos a pesquisa que a gente tem mais compreensão por completo.
Autaki afirmou que estudar, conhecer antropologia, é uma forma de conhecer mais sobre a nossa realidade. e o estudo de etnografia e de antropologia tem ajudado muito. Da mesma forma, nos ajudou também. Mas tem certas coisas que a gente discorda, mas é para isso que a gente escolheu essa área de antropologia, pelas atitudes de antropólogos anteriormente, que Oziel explica muito bem, que fez a pesquisa, mas leva o conhecimento e não tem retorno.
Às vezes a gente não quer exatamente o retorno que está escrito, mas a gente quer um retorno prático, né, visual que possa envolver e fortalecer nossas práticas sociais. Por isso ele tem enfrentado essa dificuldade. Da mesma forma, também eu enfrento dificuldade, mas com diálogo a gente consegue. Ele está fazendo muito bem o papel da antropologia indígena na aldeia.
Essa minha proposta inicial é que a gente fomente o nosso primeiro tema de discussão que a gente está iniciando agora, é analisar sobre o que é antropologia e por que escolhemos a antropologia. Todos já colocaram muito bem aqui que a antropologia deve ser um dos caminhos que a gente possa interferir ou dialogar, expondo nossos conceitos indígenas, que é uma forma de estar contribuindo também e estar mostrando o que a gente está pensando e contribuir com a sociedade não indígena.
Isso é importante, então, a princípio o objetivo aqui é ouvir o que cada povo indígena tem de conhecimento, é óbvio que tem, é ouvir o ponto de vista de cada um, enquanto povos indígenas, sobre a antropologia, o que contribuiu, o que não contribuiu, e também trazer mais grupos que fazem parte do PPGAS para ouvir e que possam contribuir também.
A participação de todos que estão aqui é fundamental. A gente tá iniciando essa jornada, é fundamental a gente ter esse essa equipe, esse grupo de pesquisadores indígenas, que a gente tem sim, grupos já organizados, que apenas a gente está reorganizando essa equipe numa estrutura bem organizada em nível de mídia. A gente vai organizando, com todos. Esse é meu ponto de vista idealizador.