O PIRARUCU NAS PRÁTICAS TRADICIONAIS DOS KARIPUNA
Nadilson Felipe (PET-Indígena / UNIFAP)
Elissandra Barros (PET-Indígena / UNIFAP)
Os trabalhos apresentados a seguir, fruto de ampla pesquisa e atuação docente, foram desenvolvidos no âmbito do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena (CLII), da Universidade Federal do Amapá (Unifap), em conjunto com docentes indígenas que atuam nas escolas indígenas do Amapá e norte do Pará.
O CLL teve início em 2007 e, nesta longa e bonita trajetória, trabalha conjuntamente com povos do Oiapoque: Galibi-Marworno, Galibi-Kalinã, Karipuna e Palikur-Arukwayene, povos do Parque do Tumucumaque: Apalai, Waiana, Tyrió e Kaxuyana e o povo Waiãpi. O trabalho é espaço marcante para transformações importantes na região.
Os textos a seguir trazem histórias de vida e trajetórias docentes, pesquisas de trabalho de conclusão de curso, registros de conhecimentos ancestrais.
Boa leitura!
INTRODUÇÃO
O pirarucu é um dos maiores peixes de água doces fluviais e lacustres do Brasil. Pode atingir até três metros e vinte centímetros e pesar até 330 kg. A palavra pirarucu é de origem tupi, constituída de pira, que significa peixe; e urucu, que é vermelho, característica da semente urucum. Assim, o pirarucu seria o peixe vermelho, em função da cor avermelhada de sua cauda. O pirarucu é um peixe de rio, lagos e campos alagados, por isso se adaptou com facilidade aos campos alagados da Terra Indígena Uaçá, no município de Oiapoque, onde vivem os Karipuna, Galibi-Kalin’a, Galibi-Marworno e Palikur-Arukwayene.
O pirarucu desova no mês de dezembro e janeiro mais de mil ovos, com tamanho entre 1 e 2 centímetros, de cor verde e escura. Os indígenas do Oiapoque possuem regras quanto à pesca deste peixe, que deve respeitar o período de reprodução do animal, além de um tamanho mínimo para o abate. Além disso, os indígenas da região pescam o pirarucu somente para o consumo próprio, não sendo incentivada a comercialização externa.
A língua do pirarucu, que na língua kheuól é chamada de lang txuhi, possui mais osso do que músculo, o que é uma característica da família das arapaima, peixes de língua óssea. Entre os Karipuna, a lang txuhi serve como lixadeira e ralador, principalmente para ralar alimentos e lixar matérias para a produção de artefatos ou objetos do cotidiano, como remo e cuia, objetos em que a língua do pirarucu serve como um instrumento abrasivo. Neste trabalho, vamos descrever as etapas de preparação da lang txuhi, sua utilização dentro da cultura Karipuna, e a importância do aproveitamento de todas as partes do pirarucu, para além da culinária indígena.
Figura 1: língua do pirarucu/ foto: Nadilson felipe. 29/09/2021
METODOLOGIA
Este trabalho foi realizado a partir de uma pesquisa com minha família, com meus pais e minha avó. Eu conversei com eles, que me explicaram sobre o processo da reutilização da língua do pirarucu para confeccionar materiais. Então, tive a ideia de desvendar e praticar esse conhecimento de utilizar a língua do pirarucu, conforme eles relataram. Eu montei uma pequena exposição para fazer demonstrações de como utilizar o lang txuhi. E utilizei o celular para fotografar, para deixar registrado. Depois, eu fui descrevendo todo aquele conhecimento de utilização da língua do pirarucu. Na parte da prática, não foi difícil, porque minha família trabalha com o lang txuhi, utilizando como abrasivo para fazer cuia, remo e outros.
RESULTADOS
Retirada da língua do pirarucu e secagem.
A retirada da língua do pirarucu é bem simples. Basta tirar a língua e fazer a limpeza. É preciso deixar a língua alguns dias na água, depois é feita a limpeza com sabão e colocada ao sol para secar, até sair o cheiro. Para o uso do material há um porém, a língua não pode ser cozida para depois ser usada, pois os ossos da língua podem ficar fracos ou cair, e não poderá ser reutilizada.
Guelras do pirarucu 1/foto: Nadilson felipe, em 11/09/2021. Fig; 2: lang txuhi, 29/09/2021.
Usos da língua do pirarucu como abrasivos para lixar ou ralar objetos e alimentos.
Nas fotos, temos o movimento que é feito com a lang txuhi. Quando o remo já está quase pronto, pegamos a lang txuhi e lixamos em toda parte do remo. Isso é para o remo ficar bem liso, sem deixar partes grossas ou cortes.
Foto: Clediane Felipe,em 04/07/2021
A lang txuhi serve como um abrasivo para lixar o fundo e a borda externa da cuia. As artesãs falam que não podemos utilizar outros tipos de lixas, compradas no comércio, porque na hora que for realizar as tinturas e, depois de pintadas, as cuias não ficarão bem polidas e brilhantes. É o que chamamos de “nosso sistema”, a forma como fazemos a coisas. E cuia é um objeto sagrado para nós.
Foto: Nadilson Felipe, em 04 de julho de 2021
A lang txuhi também pode servir como ralador de pequenas massas, para fazer mingau para crianças e fazer bolinhos ou beiju.
Fotos: Cleudiane Felipe, demonstrações de ralar a macaxeira no lang txuhi, em 05/07/2021
Também costumamos usar para ralar gengibre e ervas para nossos chás e remédios tradicionais. Ela é muito utilizada para ralar bananas, para o mingau dos bebês.
Imagens 1 e 2: ralando gengibre e banana, foto; Cleudiane, Felipe, 05/07/2021.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em nossas conclusões, ressaltamos a riqueza do modo de vida Karipuna e a importância da utilização adequada dos recursos naturais, no caso, o pirarucu. Isso contribui para a preservação deste peixe na Terra Indígena Uaçá. A importância de realizar essa pesquisa foi o registro dessa parte da nossa cultura e a possibilidade de compartilhar esse conhecimento com os outros parentes.