Os trabalhos apresentados a seguir, fruto de ampla pesquisa e atuação docente, foram desenvolvidos no âmbito do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena (CLII), da Universidade Federal do Amapá (Unifap), em conjunto com docentes indígenas que atuam nas escolas indígenas do Amapá e norte do Pará.
O CLL teve início em 2007. Nesta longa e bonita trajetória, trabalha conjuntamente com povos do Oiapoque: Galibi-Marworno, Galibi-Kalinã, Karipuna e Palikur-Arukwayene, povos do Parque do Tumucumaque: Apalai, Waiana, Tyrió e Kaxuyana e o povo Waiãpi, sendo espaço marcante para transformações importantes na região.
Os textos a seguir trazem histórias de vida e trajetórias docentes, pesquisas de trabalho de conclusão de curso, registros de conhecimentos ancestrais.
Boa leitura!
Oiapoque, 05 de julho a 01 agosto de 2019
Macapá
MEMÓRIA DE VIDA ESCOLAR MAKARATU WAIÃPI
Meu nome é Makaratu Waiãpi. Eu nasci em 1980, na aldeia chamada Inipuku. Sou professor e liderança. Sou casado e tenho 8 filhos. O nome do meu pai é Siro Waiãpi. O nome da minha madrasta é Nawai Waiãpi. O nome da minha mãe é Jiruta Waiãpi. Meu pai tem duas esposas. Nós somos seis homens e quatro mulheres. No total 10 pessoas. Éramos 11. Um meu irmão, mais velho, faleceu. Meu pai, ele é único, não tem irmão e nem irmã.
Meus pais moravam no rio Inipuku, que é braço do rio Jari. Depois do contato com karai kõ (não-índios), gateiros e companhias, os Wajãpi do Inipuku pegaram muitas doenças, epidemia de gripe, diarreias, e muita gente foi morrendo de doença karai kõ.
Era muito trabalho para enfermeiro da Funai chegar na aldeia Inipuku. A viagem era longa e cansativa. Era difícil mover paciente para levar no Posto de Saúde da Funai Aramirã. Por causa disso, o chefe de posto da Funai pedia para o chefe Waiwai Waiãpi mudar-se para região Mariry, que é próxima do Aramirã, para facilitar acesso a atendimento de saúde.
Quando eu tinha um ano de idade, meus pais vieram para região do Mariry. Meu pai construiu uma aldeia dele, chamada Moata'ity. Ficava na região do Mariry, com 30 minutos de caminhada.
Naquela época, era o chefe de posto da Funai que chamava os subgrupos Wajãpi de cada região para morar mais próximos da estrada, por causa da dificuldade de atendimento à saúde da comunidade Wajãpi.
Os Wajãpi se juntavam no local chamado Tatairã.
Só que os subgrupos de Wajãpi não se davam bem quando ficavam morando juntos. Quando se juntavam numa aldeia acumulavam as doenças, como epidemia de gripe, diarreias. E outras doenças. Eles não gostavam disso e resolveram voltar para suas regiões para escolher o novo local para morar, com acesso fluvial, que era mais fácil de chegar atendimento de saúde e mover os pacientes.
Cada chefe fundou sua aldeia pólo base. Waiwai Waiãpi, chefe na aldeia Mariry, na língua francesa chamavam ele de “Capitem”. Para esse subgrupo chamavam Inipuku Wanã kõ, pois vieram do rio Inipuku.
Tizaku Waiãpi era chefe na aldeia Ytuwasu, os não-índios, gateiros, chamavam ele de “Capitão.” Para esse subgrupo chamavam de Wiririry wanã kõ, pois vieram do Wiririiry.
Matapi Waiãpi, chefe na aldeia Taitetuwa, os não índios chamavam ele de chefe e na pronúncia na língua Wajãpi chamavam ele de “Sewi”.
Kumai Waiãpi, chefe na aldeia Aramirã, os não índios chamavam ele de “Cacique”. Esse subgrupo é misturado de vários outros da região: Pypyiny, Karavõvõ e Karapanaty Wanerã Kõ.
Paranawari Waiãpi, chefe na aldeia Pypyiny, é o único chefe que não aceitou o pedido da Funai para mudar para próximo da região Aramirã. E ficava na aldeia Pypyiny mesmo, onde não há acesso fluvial. Só no caminho para chegar na aldeia.
Quando eu era criança não tinha experiência de nada, só sabia brincar, chorar e comer. Depois fui crescendo. Todos os dias, meu pai contava histórias para eu ouvir. Eu gostava muito de ouvir quando ele contava as histórias do surgimento de homens, da origem das cores, a história da transformação das línguas dos povos indígenas.
Eu registrei as histórias, as músicas, na minha memória. Naquela época não tinha gravador, nem caderno para registrar.
Atualmente, com novas tecnologias, é preciso registrar os conhecimentos dos mais velhos para publicar para os alunos estudarem na escola. Produzir os livros literários, documentar e fazer os filmes de ficção e outras matérias.
Quando eu tinha de 5 a 7 anos de idade, não tinha escola para estudar. O que era mais importantes para mim era a caçada com a flecha, matando passarinhos, e brincar no rio com os colegas. Participar da festa para aprender a cantar as músicas tradicionais, e aprender a fazer os tipos de artesanatos.
Eu acompanhava meu pai no mato para caçar, na pescaria, na derrubada de roça.
Pensei que era só isso importante na minha vida.
No final da década 80 houve a implantação da escola na aldeia Mariry.
A escola começou a funcionar em 1989. Foi nesse ano que comecei a estudar na Escola Indígena Estadual Mariry, conhecendo as escritas, letras e palavras. É outro mundo para mim e outro conhecimento.
Nessa época quem era responsável pela educação escolar Wajãpi era Funai.
O nome da primeira professora era Suely Leite Mendes. Com ela que comecei a estudar coordenação motora, ler e escrever as palavras e frases na língua Wajãpi. Mesmo que a professora não falasse nossa língua, ela conseguia dar aula usando livros de alfabetização na língua Wajãpi, que foi produzido pelos linguistas missionários.
Eu e meu irmão começamos a estudar juntos na escola de 1º grau no Mariry.
A primeira vez, quando entrei para estudar na escola Mariry, não me acostumava a estudar, pois muitos alunos e alunas, colegas de estudos, me olhavam e eu tinha muito vergonha. Todos os dias de manhã, eu estava sentado, até meio dia. Era muito cansativo.
Pela nossa cultura, não podemos juntar muitas pessoas sem bebida (kasiri).
Sempre juntávamos quando tem uma festa, ou para fazer mutirão de uma roça, e outras atividades. No conhecimento Wajãpi quando as pessoas se juntam sem bebida dá azar.
É um choque de cultura para mim.
Quando a professora pedia para ler as vogais e sílabas, eu não conseguia. Junto com os colegas, eu conseguia ler apenas para enganar a professora. Quando ela pedia para ler individualmente, não conseguia fazer leitura das vogais. A professora ficava brava comigo. Batia na minha mão com a caneta, bem em cima dos dedos, e puxava minha orelha. Eu chorava e fiquei bravo com ela. Era o único aluno que não sabia ler as vogais, e ela precisava passar leitura de sílabas. Outros colegas conseguiram ler as vogais e as sílabas, e formar as palavras na língua Wajãpi.
Ela falou para mim. -Você não vai alcançar seus colegas! Você não sabe ler, porque você não estuda sozinho! Precisa estudar muito, fazer leitura sozinho na sua casa!
Realmente, eu não sabia ler e escrever, porque, para mim, meu irmão e outros meus colegas, era mais importante caçar os passarinhos com as flechas. Como um jogo. Fazer competição sobre quem vai ser ser melhor caçador de passarinho. De manhã, em volta da escola, enchiam de flechas. Depois da aula, todos os alunos saiam para o mato caçar passarinhos. Eu não estava interessado em estudar sozinho. Pensei que só na escola que se aprende ler e escrever. Mas na verdade, não.
Depois que a professora puxou a minha orelha, pensei muito como melhorar o meu estudo. Meus pais me orientaram muito para eu gostar de estudar. Me aconselharam para aprender ler, escrever, falar em português, para não ser enganado pelos não índios. Para eu aprender ler e escrever as vogais, sílabas, formar as palavras. Estudei muito em casa sozinho. Com ajuda do meu irmão, eu consegui aprender ler, escrever as vogais, sílabas e formar as palavras. Meu irmão sabia ler mais do que eu.
Cada vez fui gostando mais do estudo na escola.
Sempre fiquei com curiosidade de aprender os assuntos novos. A aula começava de manhã e ia até meio dia. À noite eu estudava em casa. Fazia leitura de livros na língua wajãpi, estudava matemática e língua portuguesa. Fazia atividade de dever de casa. Como não tinha lanterna, eu e meu irmão usávamos breu (turi) para iluminar a leitura do livro. Assim eu comecei a aprender ler e escrever a língua wajãpi, matemática e língua portuguesa.
Quando a professora pedia para eu fazer a leitura de vogais e sílabas, eu consegui ler todos e tinha poucas dificuldades de leituras de vogais e sílabas. A professora ficava muito feliz comigo. Ela me transferiu para a segunda turma, avançada. Meu irmão ficou na mesma turma. Sempre continuei a estudar na aldeia mesmo. Nunca estudei na cidade. Não tive oportunidade para estudar na cidade. Assim foi avançando o meu estudo.
Tiveram vários professores não índios que trabalharam na nossa aldeia Mariry. Alguns professores ficavam só uma semana. E já queriam voltar para cidade. Eles não tinham costume de ficar muito tempo na aldeia, porque na aldeia é calmo, não tem carro, não tem som, televisão, não tem energia. Por causa disso eles não ficavam muito tempo trabalhando na escola.
Um dia os chefes Wajãpi resolveram lutar para a formação dos professores Wajãpi, para trabalharem na educação escolar específica e diferenciada dos Wajãpi.
Em cada aldeia os chefes escolheram professor Wajãpi para realizar o curso de Formação dos Professores de Magistério I. Foi nesta época que os chefes Wajãpi de minha comunidade me escolheram para participar do curso de magistério dos professores.
Logo depois me chamaram para participar do curso em Macapá. Levei minha rede, cobertor, meu kamisa pirã e coroa (akanytarã) do meu irmão para vender.
Da aldeia Mariry, fui de motor para o Jakare. Na viagem, observava a beira do rio, as árvores. E, na minha visão, as árvores estavam correndo também. O cheiro de gasolina me dava dor de cabeça. Tinha vontade de vomitar.
Chegando no Jakare, fui de carro para Aramirã. Na viagem havia vento muito forte e bagunçava muito meus cabelos. Quando o carro parava, não tinha vento. Na verdade, o vento se transforma quando se corre.
Saí de Aramirã para Macapá. Na viagem, observando as paisagens, que são muito diferentes de minha aldeia, tudo estava derrubado na beira estrada. Só havia capim, muita criação de gado, muitas casas dos não índios nas beiras na estrada.
Antes de chegar em Macapá não é mais estrada de chão, é asfaltado. Lá, o carro não faz barulho, só grito de pneu. Era a primeira vez chegando na cidade de Macapá. Observei a paisagem da cidade como se fossem estrelas no céu. Na verdade era uma multidão de luz. Eu não estava acostumado a tomar água gelada, parecia que ia quebrar os meus dentes.
Devagar fui me acostumando.
Salada eu não gostava, nem macarrão. Para mim, macarrão era como se fosse minhoca. E salada era comida de anta. Não tinha hábito de usar chinelo havaiana. Pela primeira vez usei e meu pé não sentia o chão, parecia que ia cair.
Eu tinha cabelo comprido, cortaram meu cabelo, pois o não indígena me olhava muito, falava que mulher é quem tem cabelo comprido. Mandei cortar. Aí que foi pior. Fiquei muito leve. Perdi minha força. À noite, eu não conseguia dormir direito, é muito barulho de carro, amanheci sem dormir direito.
Pela primeira vez, comecei a participar do Curso de Formação de Professores Wajãpi, Magistério l. Fiquei nervoso e tinha vergonha dos meus parentes de outra aldeia, porque não conhecia eles. A professora distribuía material para cada aluno e eu recebi meu material: caderno, apostila, pasta poli onda azul, estojo para guardar as canetas, lápis e borrachas. Fiquei muito feliz de receber meu material. E gostei do meu caderno lindo.
Logo depois, a professora pediu para cada um se apresentar, usando microfone para falar. Foi a primeira vez que usei microfone para me apresentar. Isso me deu nervoso para falar. Pela primeira vez, a professora deu a aula de matemática com multiplicação. Eu tinha muita dificuldade de resolver. Mesmo assim continuei estudando.
Durante o curso de formação estudei vários conteúdos. Estudei a língua wajãpi, língua de outros povos indígenas, porque algumas línguas são parecidas com a língua wajãpi, por exemplo os guarani, kamaiurá e tapirapé.
Tudo isso foi interessante para estudar. Por exemplo, kwaray, na nossa língua, significa sol. Na língua guarani kwacy é sol. Outro exemplo: avasi que é milho na nossa língua. E, no guarani, awati é milho. Estudei também sobre a chegada dos não indígenas no Brasil, no tempo do Pedro Álvares Cabral. Os tempos do Serviço de Proteção aos Índios - SPI.
Estudei que tinha uma política para proibir indígenas de falar a própria língua materna. Estudei a chegada dos jesuítas missionários para catequisar indígenas, e outros que não lembro. Tudo isso foi muito importante para estudar. E tudo isso doí em mim. Nós, professores, produzimos apostila com nosso entendimento para ensinar nossos alunos.
Foi a primeira vez que comecei a dar aula para crianças. Eu não sabia dar aula para os alunos. Não sabia fazer o plano de aula nem diário de classe. Eu era monitor de professor. Eu dava aula do jeito que aprendi na escola, sobre coordenação motora (kãnikãni) e alfabetização da língua wajãpi (leitura de vogais, sílabas, vocabulário de palavras, frases, pequenos textos na língua). Ensinava a escrever as vogais, sílabas, formar as palavras, escrever as frases e produzir pequena história na língua wajãpi, e produção de textos na língua.
Trabalhei com as disciplinas de língua wajãpi e matemática. Trabalhei com adição, que é sinal de mais (+), e sinal de menos (-). Ensinava os alunos como contar os números, usando ábaco para usar unidade, dezenas. Usava palitos para ensinar cálculo mental.
Depois que a turma de alunos concluiu a 3ª série, eu passava os alunos para o professor não indígena ensinar na língua portuguesa. Nesta época, trabalhei sempre só na 3ª série. Depois, com o tempo, tive acompanhamento da equipe do Núcleo de Educação Indígena - NEI/SEED, para ensinar a fazer diário de classe e plano de aula. Mesmo assim, eu tinha dificuldade de realizar o plano de aula, pois, para escrever o plano de aula, sentando sozinho para pensar e escrever, isto não faz parte da minha cultura.
Um dia houve a mudança dos professores não índios. Quem assumiu o ensino fundamental, que é de 1ª a 4ª série, fomos nós, professores Wajãpi. Trabalhei cinco anos na Escola Indígena Estadual Mariry ensinando alunos.
Outro dia, casei com uma menina de outro grupo Taitetuwa Wanã, e mudei para Taitetuwa. O chefe Matapi Waiãpi pediu para trabalhar na aldeia dele. Quando comecei a trabalhar nesta aldeia com os alunos, percebi que existe diferença de língua wajãpi entre subgrupos Wajãpi. Antes, pensava a língua wajãpi como igual, as falas, sons, sotaques. Na verdade, existe a diferença de sotaque, variações de palavras, e outras. Tudo isso eu tinha dificuldade para entender. O vocabulário que eu falo é diferente deles, e estranho para eles.
Trabalhei também na aldeia Aruwa'ity, na sala anexa do Mariry, que fica no limite da TIW. Nesta aldeia, trabalhei com alunos de turma de Ensino Fundamental II (1º a 5º anos). Nesse tempo, houve a implantação do Sistema Organizacional Modular de Educação Indígena - SOMEI. Para trabalhar com aluno de 5ªa 8ª série e com ensino médio, tive que dar aula nos polos bases.
Antes de trabalhar nas escolas, tive que apresentar o plano de aula para o chefe no NEI/SEED. Eu sofri para produzir o planejamento de aula. Quando comecei a trabalhar com os alunos de Ensino Fundamental II (5ª a 8ª), com a turma EJA, comecei a trabalhar também com os alunos de Ensino Médio normal, de 1º a 3º anos. Foi a primeira vez que fui trabalhar na Escola Indígena Estadual Ytuwasu. Trabalhei com duas turmas, ensino fundamental II e com ensino médio.
Primeiro, eu me apresentei para os alunos. A apresentação não é igual à apresentação de não índio. Alguns alunos não me conheciam.
Para nós Wajãpi, usamos muito termo de parentesco para identificar a pessoa. Não falei meu nome, pois para nós, o nome não é muito importante. Importante é o termo de parentesco.
Eu me apresentei para os alunos, eu sou do grupo Mariry Wanã, o nome do meu avô é Piriri, e do meu pai é Siro Waiãpi, e eu sou filho dele. Os alunos tiraram dúvidas, outros falaram: eu conheço seu pai. Eu chamo ele de pa'i (tio), então, eu chamo você de tairo (cunhado). Outro disse: não conheço seu pai, mas já ouvi falar, chamo ele de tamõ (avô), então chamo você de pa'i (sogro).
Assim alunos me conheceram, e assim eu conheci quem são eles/elas. Entendi como eu chamo eles/elas.
Algumas alunas disseram: eu conheço seu pai. Meu pai chama ele de cunhado. Então eu chamo você de emenã (marido). Assim foi a apresentação Wajãpi. Na apresentação dos não índios, em primeiro lugar, apresenta-se o nome, de onde é, quantos anos têm, se é casado ou não.
Comecei a trabalhar perguntando para os alunos(as) sobre a língua Wajãpi. Se é importante fazer valorização na língua materna? Se é importante aprender ler, escrever e conhecer a nossa língua?
Alguns pais dos alunos, ou até mesmo o próprio aluno, não aceitavam estudar na língua wajãpi. Alguns responderam: -nós nascemos crescendo e falando na nossa língua wajãpi. Não precisa estudar na nossa língua materna. Importante é aprender a língua portuguesa, que é muito difícil para nós. Precisamos aprender para dialogar com não índios, aprender ler e escrever em português, para ser rico, para morar na cidade, para ter salários. Isso que é importante para nós, jovens, atualmente. Por isso a nossa língua não é muito importante para estudar.
Eu, como professor, fiquei preocupado em ouvir isso. Fiquei pensando: ainda bem que estudei, que escolhi a área linguagem e códigos, para ser professor da disciplina de língua indígena. Tudo isso me chamou a atenção e fiquei triste de ouvir.
Pensei em como resolver isso. Lembrei de meu estudo, da história dos povos indígenas que já perderam a sua cultura e sua língua materna. Escrevi no quadro para os alunos copiarem e depois perguntei a eles. Expliquei para os alunos entenderem sobre a extinção das línguas dos povos indígenas. Eles ficaram tristes de ouvir isso. Discuti e pedi a opinião dos alunos(as) sobre a importância de se fazer a valorização da nossa língua wajãpi, seja na oralidade, na escrita, na leitura e transmissão de conhecimentos.
Eu conclui meu estudo de nível superior. Fiz colação de grau e formatura.
Recebi certificados de Ensino Superior. Sou formado na Área de Linguagem e Códigos, no Curso de Licenciatura Intercultural Indígena-Universidade Federal do Amapá-Unifap.
Sou professor na disciplina de língua Indígena. Continuo trabalhando no Somei, cumprindo o meu papel de professor. Trabalho com os alunos de Ensino Fundamenta II, que é 6º ano a 9º ano, e com Ensino Médio Normal (1º a 3º anos). Trabalhei nas escolas indígenas estaduais: Mariry, Manilha, Aramirã, Ytuwasu e Yvyrareta.
Eu consegui alcançar o meu trabalho nas escolas.
De vez em quando, encontrei dificuldades durante meu trabalho na sala de aula. Até hoje eu tenho dificuldade de organizar os conteúdos da disciplina da língua wajãpi, de 6º a 9º ano, e organizar o conteúdo do 1º a 3º ano de Ensino Médio. Mesmo assim, consegui dar aula para valorizar o conhecimento dos alunos sobre a importância de fortalecer a nossa língua materna wajãpi, na oralidade e na escrita, e conhecer gramática na língua.
Mesmo que tenha estudado no Curso de Licenciatura Intercultural, eu tenho dificuldade de entender sobre classe de palavras na língua, preposições e outros conteúdos. Falta estudar mais para conhecer melhor. Atualmente, a maioria dos alunos já conhecem a importância do meu trabalho.
A Universidade me ajudou bastante para ter o conhecimento sobre as línguas indígenas, a transformação das línguas indígenas, a estrutura das palavras, a classe de palavras. Tudo isso me ajudou bastante para avançar meu conhecimento durante minha aula.
Adoro trabalhar com a disciplina de língua Indígena, pois na Constituição Federal de 1988 já se garante a valorização da cultura e o uso de língua indígena. Fortaleço a oralidade e a escrita, e o conhecimento da gramática na língua e da morfologia, entre outros.
Sou pai de família, professor e liderança na minha comunidade.
Eu sempre participei das reuniões de educação escolar especifica e diferenciada dos Wajãpi, nas oficinas de saberes indígenas, para produzir os livros para nossos alunos na língua wajãpi, para os professores Wajãpi trabalharem. Continuo participando na elaboração do Projeto Político Pedagógico da Educação Escolar Wajãpi-PPEEW. Nas assembleias, lutando pela melhoria de qualidade de educação. Participei de conferências locais de educação escolar Wajãpi, conferências regionais e conferências nacionais em Brasília.
Sempre trabalhei na Organização Wajãpi, que chama Conselho das Aldeias Wajãpi- Apina, lutando e discutindo pela melhoria de vida, melhoria da educação específica e diferenciada, melhoria da saúde indígena e lutando pela gestão territorial.
Atualmente, sou coordenador executivo da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará-Apoianp, que trabalha com 11 povos diferentes e que congrega 13 organizações indígenas. O objetivo de criar essa articulação foi de fortalecer, defender os movimentos indígenas, lutar pelos nossos direitos conquistados, garantidos na Constituição Federal de 1988. Lutar pela política pública diferenciada, voltada para os povos indígenas do Amapá e Norte do Pará. Tratando, por exemplo, de atendimento à saúde indígena diferenciada, educação escolar específica e diferenciada, lutar pela gestão territorial.
Por aqui eu encerro a minha história de vida escolar.
Agradeço meu pai e minha mãe. E aqueles que deram conhecimentos escolares e conhecimento científico para mim.
Se Janejarã/Janeruwasu (Deus) quiser, eu quero continuar estudando, realizando o meu sonho.
Por enquanto eu tenho 3 netos.
Moral da história.
Tamõ Makaratu Waiãpi jimo'ea reko rewarã.
(História de vida escolar do tamõ (avô)Makaratu Waiãpi).