Materialidade do Direito Indígena
O advogado Maynamy José Santana da Silva, do povo Xukuru-Kariri, ocupa atualmente o cargo de Superintendente Estadual de Política para Povos Originários, parte da Secretaria de Estado da Mulher e dos Direitos Humanos (Semudh) de Alagoas.
Esta importante superintendência foi criada em 2023 para articular políticas públicas e fazer a defesa dos direitos coletivos dos povos indígenas no Estado de Alagoas.
A trajetória de Maynamy é marcante desde criança, quando migrou junto de sua família para a área de retomada, na Mata da Cafurna, onde grande parte de seus familiares estão até hoje. Vivenciou a mobilização indígena em prol de seus direitos. Desde aí, começou a entender a importância da luta de seu povo e da luta indígena pela dignidade humana.
O processo de formação em Direito surgiu justamente pela necessidade de defender os povos indígenas e se defender enquanto indígena, após presenciar inúmeros ataques contra as populações indígenas e seus direitos.
Maynamy tem como um de seus grandes referenciais a trajetória de luta do povo Xukuru-Kariri, especialmente na figura de sua prima, Maninha Xukuru, grande e histórica liderança, indicada ao prêmio Nobel da Paz.
Ele ressalta outros grandes nomes dentro do território alagoano: Hibes Menino, Zuca e Genésio; ancestrais que se foram e eram notáveis defensores dos direitos dos povos indígenas. Mesmo sem terem cursado Direito, dedicaram-se a essa defesa de maneira ímpar.
Em Alagoas, Maynamy foi o primeiro indígena a se formar bacharel em Direito. Depois, tirou a carteira da OAB e permanece, ainda, como o único advogado indígena do Estado, fortalecendo sua liderança na região. Por isso, foi assessor jurídico do Estado antes de ser convidado para assumir a Superintendência Estadual dos Povos Originários, onde trabalha dentro da política estadual.
Maynamy atuou em processos importantes, como o da ADPF 709, representando o Fórum dos Presidentes dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena (FPCondisi), junto ao Supremo Tribunal Federal. Garantiu à Defensoria Pública da União responsabilidade constitucional na defesa dos direitos indígenas, no caso em relação às políticas de contenção da pandemia, questionando a omissão das ações governamentais na época.
Ele atuou também para a APOINME - Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo.
Atualmente, ministra cursos de formação em Direitos Humanos para lideranças indígenas dentro dos territórios alagoanos, nas aldeias, utilizando linguagem adequada voltada à realidade das pessoas envolvidas. Desta forma, contribui intensamente para a formação das pessoas, para a defesa dos direitos indígenas e, consequentemente para uma sociedade mais democrática e justa.
Texto: Thais Ariel (Revista Pihhy)
No minidoc acima, produzido pela Revista Pihhy, Maynamy conta um pouco de sua trajetória e reflete sobre aspectos importantes do direito indígena no Brasil, especialmente sobre a materialidade jurídica do Direito Indígena.
A sociedade brasileira está alicerçada no Estado Democrático de Direito, que tem como função essencial regular a vida em sociedade por meio das leis. Para Maynamy a materialidade do direito indígena ainda carece da consistência e solidez necessária para estabelecer uma garantia prática dos direitos para os povos originários.
Ao longo dos anos, essa lacuna tem sido objeto de discussão, e embora a apresentação de teses antropológicas e sociológicas tenham proporcionado avanços, os direitos indígenas ainda não foram retirados destas chaves culturais para a regulação de sua normatização. Essa situação, na visão de Maynamy, compromete a função primordial do Estado, que deveria regular o convívio em sociedade.
Recentemente, a questão do Marco Temporal, por exemplo, foi julgada no Brasil. O advogado indígena ressalta como ela é emblemática para a compreensão da diferença entre o garantismo jurídico dos direitos dos povos indígenas e a materialidade desses direitos na prática, na vida e dentro da nossa legislação pátria, já que apesar de ser considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), segue como tema debatido e referendado no âmbito do Congresso Nacional, que por sua composição ruralista busca sempre uma maneira de manipular a interpretação das leis a seu favor, apontando para a necessidade do fortalecimento da materialidade das regras estabelecidas.