Direitos Indígenas: formação, atuação e autonomia
A Revista Pihhy apresenta um minidoc a partir da trajetória e reflexão do advogado, professor e liderança Rogério Xerente. Rogério nasceu na Aldeia Funil, território Akwê. Saiu de sua comunidade para estudar. Atualmente, ele é cacique da Aldeia Cachoeirinha; além de professor e advogado indígena, dedicando-se à defesa dos direitos dos povos indígenas.
Sua jornada acadêmica começou aos onze anos, quando iniciou o ensino fundamental. Em 2008, concluiu o ensino médio e no ano seguinte ingressou no curso de Educação Intercultural, na Universidade Federal de Goiás (UFG). Em 2015, foi aprovado no curso de Direito, na Universidade Federal do Tocantins (UFT), graduando-se em 2019 e obtendo sua carteira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no mesmo ano.
As questões indígenas têm sido uma parte essencial de sua trajetória acadêmica. Rogério é engajado politicamente e participa de maneira assídua das discussões políticas em âmbito municipal e estadual. Ele também atuou como presidente municipal do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em Tocantínia-TO e, até 2023, ocupou a presidência estadual do partido. Em 2024, é pré-candidato à prefeitura do município, onde mais de 54% da população é indígena.
Rogério colocou-se à disposição para disputar o cargo, visando ampliar ainda mais o apoio ao seu povo e a realização de mudanças significativas em sua comunidade.
De acordo com Rogério, há cerca de dez anos, não havia muitos advogados indígenas atuando em defesa de seus direitos. Hoje, é possível perceber o exercício de vários advogados indígenas nos, sendo um deles, Rogério, atuante no estado do Tocantins.
Ele destaca a implementação da lei de cotas como um marco importante para o aumento da aprovação dos povos indígenas em cursos superiores, inclusive em formações acadêmicas onde poderão defender os próprios direitos. No Brasil, a atuação dos advogados indígenas pode ser percebida no Superior Tribunal Federal (STF) e nas comarcas dos municípios. Essa presença é importante para os indígenas reivindicarem seus direitos perante a Justiça brasileira.
Rogério adverte sobre a importância dos indígenas perceberem o quão superficial é a discussão sobre direitos indígenas dentro da academia. Não há, segundo o advogado, conteúdos dentro das universidades e das grades curriculares que atendam a formação integral dos profissionais, os quais irão defender os direitos dos povos indígenas.
Algumas universidades têm disciplinas de direitos indígenas como optativas, outras como obrigatórias, porém, é necessário ampliar essa discussão dentro dos locais de formação. Ele acredita que isso facilitará bastante o diálogo do Poder Judiciário com os povos indígenas, inclusive para encontrar possibilidades dentro do pluralismo jurídico para situações atualmente não resolvidas.
As universidades precisam se preparar. Quem integra o Poder Judiciário passou por essas instituições educacionais, logo, as discussões ocorridas e as compreensões obtidas nesses espaços refletirão a qualidade e a sensibilidade do Poder Judiciário acerca das questões indígenas.
Para Rogério, por exemplo, os povos indígenas possuíam autonomia para empregar seus costumes na resolução de conflitos internos antes da colonização. No Brasil, há vários povos, culturas, línguas e, portanto, diversas formas de resolver situações diferentes e conflitos, o que pode ser entendido como pluralismo jurídico.
Essa multiplicidade deve ser reconhecida pelo Poder Judiciário, principalmente, porque os povos indígenas aplicam suas leis culturais, as quais são fontes de direito e merecem reconhecimento na medida em que são aplicadas dentro das comunidades. O Poder Judiciário precisa se aproximar dos povos indígenas para entender e reconhecer a aplicabilidade dessas ações dentro do contexto cultural de um povo.
Há possibilidade de se resolver questões dentro dos costumes, o que é muito importante e eficaz, mas é preciso levar em consideração também a importância da lei brasileira. A aplicação tradicional e a legislação nacional, ambas precisam ser pensadas e consideradas.
Rogério pontua que, atualmente, o Poder Judiciário está muito aberto a discussões importantes, principalmente voltadas aos direitos dos povos indígenas. Antes não havia diálogo, mas hoje é perceptível a presença de advogados engajados nas cortes, inclusive no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que se posicionam ativamente sobre questões relacionadas a esses direitos.
Antes da chegada dos não indígenas ao território brasileiro, os povos originários possuíam autonomia abrangente e sistemas próprios de resolução de conflitos, dispensando a necessidade de recorrer a qualquer outra fonte de direito para solucionar suas questões. Contudo, com a chegada dos não indígenas, o governo brasileiro começou a criar mecanismos de controle das populações indígenas.
Surgiu, então, a concepção de tutela, na qual os indígenas eram submetidos à supervisão de órgãos estatais como o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e, posteriormente, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI). Estes órgãos agiam em nome das populações indígenas.
A Constituição de 1988 representou um marco significativo para a autonomia indígena, tendo em vista que, a partir dela poderiam, por conta própria, ingressar com uma ação judicial sem depender obrigatoriamente da mediação estatal. Rogério destaca a importância da Constituição em reconhecer a organização social dos povos indígenas, os quais possuem um modelo de organização necessário de ser reconhecido pelo Poder Judiciário.
Texto explicativo Thais Ariel (Revista Pihhy)