“O tapir, durante a noite, rói a castanheira, que consegue se recompor ao longo do dia, e permanece segurando o céu. Os parentes dizem para não transitar na floresta nesse período, porque faz barulho e mantém o tapir acordado, roendo a castanheira até derrubá-la”.
Interculturalidade e autonomia
No minidoc produzido pela Revista Pihhy, baseado em entrevista com Edson Kayapó, ele nos conta parte de sua trajetória e importante atuação no campo da defesa dos direitos indígenas.
Reflete, ainda, sobre práticas interculturais para um país melhor, sobre a noção de pluriepistemologia, central para a remodelação de instituições de ensino, e acerca da possibilidade de autonomia.
Edson faz, também, uma interessante analogia entre a história do tapir, parte da cosmologia de seu povo, e a presença avassaladora e destruidora de máquinas para a mineração e para a exploração madeireira nos territórios indígenas.
Se o tapir rói a castanheira, a base do mundo pela noite, mas deixa ela se recompor ao longo do dia; o mundo se mantém, o que é diferente da lógica da atividade predadora, que destrói os fundamentos da terra sem trégua e ameaça a sustentação do mundo. Desta forma, reflete e problematiza sobre a existência e valoração de diferentes forma de conhecer.
Edson Kayapó é um importante intelectual e ativista do movimento indígena no Brasil, sendo membro do Parlamento Indígena do Brasil (PIB), entidade recentemente formada pelo movimento indígena nacional para colaborar nas lutas contra as violações dos direitos dos povos originários. É docente na Licenciatura Intercultural Indígena, do Instituto Federal da Bahia (IFBA), e também no Programa de Pós-graduação em Ensino e Relações Étnico-Raciais da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Ele faz parte, também, do Núcleo Indígena e Quilombola da Comissão de Direitos Humanos da OAB de São Paulo, membro da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal e parte do Grupo de Trabalho (GT) Cartografia de Interculturalidades: Redes de Interaprendizagens, da Associação Latino-Americana de Antropologia (ALA). Participa, ainda, ativamente das articulações do Acampamento Terra Livre (ATL) e do Foro Nacional de Educação Escolar Indígena, na Unicamp, onde ocorreu o Encontro Nacional de Estudantes Indígenas, que resultou na criação da União Plurinacional dos Estudantes Indígenas (UPEI).
Sua importante atuação para o movimento indígena, para instituições educativas e para a democracia brasileira teve início quando conheceu a teoria anarquista, identificando e percebendo semelhanças com a forma originária de organização dos povos indígenas, particularmente aqueles situados na Amazônia. A partir daí, escreveu o livro ‘’Um Estranho Espadarte na Aldeia’’, que conta a história de um anarquista que encontrou um território indígena, estabelecendo relações com este povo. O livro é baseado na pesquisa de mestrado de Edson sobre uma prisão construída para isolar anarquistas, especialmente; mas também sindicalistas, comunistas, os considerados dissidentes da República. O texto é literário e foi premiado pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, ganhou o prêmio Tamoios.
Edson chegou a ser vítima de atentado e ameaças de morte, no início de sua trajetória no Amapá, sendo coagido a deixar seu território de origem. Para ele, quem está na linha de frente precisa ter muita coragem para enfrentar as represálias e se manter um articulador e ativista.
Mudou-se para São Paulo, onde fez sua pesquisa de mestrado em História Social e doutorado em Educação, sempre sobre temáticas amazônicas e indígenas. Sua jornada foi longa, muito desafiadora e também angustiante, porque precisou sair de sua terra natal.
Edson não se rende ao pessimismo e acredita que ainda há jeito para as diversas crises vividas no país e no mundo.
Ele sabe que os povos indígenas podem colaborar muito, por meio de seus conhecimentos e práticas ancestrais; participando, também, da formação das pessoas em instituições que tenham como eixo a interculturalidade crítica.
Estes conhecimentos ancestrais podem ser, igualmente, base de currículos educativos, pesquisas científicas e políticas públicas, sendo acessível às pessoas em forma de aprendizado e alerta, e gerando possibilidades de autonomia para sujeitos, povos e coletivos.
Texto: Thais Ariel (Revista Pihhy)