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VISITAS TÉCNICAS
Tradições, heranças culturais e voluntariado marcaram último dia da itinerância da CNIC pelo Ceará
Foto: Victor Vec/ MinC
Quinta geração da família a trabalhar com artesanato em couro, o Mestre Espedito Seleiro aprendeu o ofício aos oito anos de idade. Hoje, aos 84 anos, supervisiona filhos e netos em seu ateliê, em Nova Olinda, no Ceará. Seus produtos, que viraram uma das marcas registradas da região, ganharam o mundo e fizeram parte de desfiles de moda e até novelas.
O ateliê foi um dos projetos culturais visitados pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC) na última sexta-feira (16). A agenda marcou o final da programação de três dias pelo Cariri cearense, quando foi realizada a 346° reunião ordinária para análise de projetos autorizados a arrecadar recursos via Lei Rouanet.
Além de Nova Olinda, Barbalha e Crato fizeram parte do roteiro. Todos os participantes saíram da experiência dizendo-se muito impactados com o que viram e ouviram. Nos dias anteriores, o grupo levou palestras e debates sobre a Lei Rouanet ao público local e realizou a 346° reunião ordinária para análise de projetos.
Com 16 mil habitantes, Nova Olinda recebe centenas de turistas diariamente para conhecer a história do Cariri e o trabalho dos mestres da cultura popular, como Espedito Seleiro.
"Tem que fazer o que ama, não vá aprender alguma coisa ou se formar pensando no dinheiro, porque ele é bom, mas não é tudo na vida", diz o mestre. "Se fizer o que ama, fica como eu, que tenho 84 anos e me sinto com 30 porque faço o que eu gosto", completa Espedito, que tem um estilo único de produzir vestuários, calçados, decoração e selas para cavalos em couro colorido.
Tradição e herança cultural
A Fundação Casa Grande Memorial do Homem Kariri, fundada pelo pesquisador Alemberg Quindins, foi outro espaço visitado pelos membros da CNIC. Antiga sede de uma fazenda no século XIX. Hoje abriga registros da história da região, incluindo referências ao sítio arqueológico da Serra do Araripe e as tradições do povo Kariri, que vivia no local.
Um dos destaques da Fundação é que quem toma as decisões sobre os espaços, cuida da rádio e da recepção de visitantes são crianças e adolescentes. "Desde o começo a gente deixou a chave com eles, que já passavam o dia aqui brincando e foram ganhando funções, ouvindo a história e reproduzindo", explicou Alemberg.
O pesquisador também abriu as portas do Teatro Violeta Arraes, dentro da Casa Grande, para apresentar outros projetos, como a Rede de Museus Orgânicos. "Estamos numa bacia cultural geológica, o Araripe, um museu a céu aberto e que tem uma grande cadeia produtiva, tem pessoas que fabricam mel, que produzem cultura, a gastronomia, e os mestres", explicou.
Desse conceito, surgiram os Museus Orgânicos, criados dentro das casas dos mestres de cultura popular da região. "Eles não são tecnológicos, são reais, você visita a casa do mestre, toma café com ele, compra ali mesmo seus produtos", relatou o fundador da Casa Grande.
O projeto já implantou 18 museus no Ceará e 10 em Pernambuco, com recursos privados num custo menor que R$ 300 mil por ano, dando subsistência a ao menos 100 famílias de artistas e produtores locais.
Voluntariado e economia
À tarde, a comitiva partiu para a cidade de Barbalha, onde conheceu o Instituto Currupio, que abriga diversos projetos, como uma cozinha solidária que atende 100 pessoas da comunidade, oficina de capoeira para mais de 60 crianças, exercícios físicos para mulheres, grupo de teatro, organização de festivais e oficinas de escola de samba, que receberam patrocínio por meio da Lei Rouanet.
"Somos um instituto artístico-social, unimos a cultura com a assistência às famílias e às escolas, trazemos os mestres para contar histórias para as crianças e ajudamos a desenvolver ações que beneficiem toda a cidade", afirmou Gilsimar Gonçalves, presidente do Instituto.
No local, os integrantes da CNIC assistiram a apresentações das crianças da capoeira, do grupo de Folia de Reis e do grupo de teatro Loucos em Cena, que utilizou a comédia e a rima para contar a história de Barbalha e das tradições regionais.
"Convivemos com as manifestações culturais do Cariri e nos conectamos com o público para isso nunca deixar de existir, pois somos os guardiões desse patrimônio", comentou o ator Anderson Matias.
Acolhimento
No início da noite, a itinerância voltou pro Crato, onde esteve reunido nos dois dias anteriores, mas dessa vez, para conhecer a ONG Beatos - Base Cultural de Ação e Trabalho de Organização Social. Comandada pela produtora e pesquisadora Dane de Jade, a Organização é uma mistura de casa e abrigo para artistas que visitam a cidade, museu sobre as raízes do Cariri, ponto de peregrinação com estátuas de beatos nordestinos e altar de oração, e espaço cultural. "Aqui queremos que as pessoas se sintam em casa mesmo, sentindo a energia que vem das histórias da nossa região", destacou a fundadora da instituição.
A ONG também organiza o Festival Internacional de Máscaras do Cariri, que já recebeu recursos por meio da Lei Rouanet e é um dos inscritos deste ano. "Fomos pioneiros nesse tema e hoje recebemos gente do mundo todo para brincar e vivenciar nossa cultura no período do festival", evidenciou Dane.
Sâmia Ramare, integrante da Casa Ninho, também esteve no local para falar sobre alguns dos projetos do grupo, entre eles, ações com patrocínio via Lei Rouanet, como oficinas de gestão cultural e um circuito de espetáculos teatrais acessíveis a pessoas com deficiência, com audiodescrição e tradução em libras.
"Queremos atingir o maior público possível, tanto assistindo como sendo impactado com geração de renda, como as costureiras e o vendedor de pipoca, fazendo com que a economia criativa gire nesse chão que nos dá muita propulsão para criar nossas artes", esclareceu Sâmia.
Carla Mauch, que acaba de tomar posse na comissão, afirmou: "Percebi a potência de mobilização que o trabalho coletivo pode fazer no território e também fiquei muito feliz ao ver projetos que se preocupam realmente com a acessibilidade, provando que, quando se quer, é possível".
"Vivemos aqui uma singular e impagável experiência de coisas brilhantes feitas com custos baixos, vimos o que pode ser feito quando o trabalho é sério e coletivo”, destacou. "O objetivo dessa itinerância é justamente dar aos integrantes da CNIC essas referências concretas, para levarmos para o nosso trabalho na comissão", concluiu o secretário de Economia Criativa e Fomento Cultural (Sefic) do MinC, Henilton Menezes.