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EXPOSIÇÃO
Povos originários brasileiros levam arte ancestral para 60ª Bienal de Artes de Veneza
Foto: divulgação Fundação Bienal de São Paulo
O Hãhãwpuá, Pavilhão do Brasil na 60ª Bienal de Artes de Veneza, tornou-se o epicentro da resistência dos saberes e práticas, história e expressão artística dos povos originários brasileiros. Além de renovar a presença do país na bienal italiana, a exposição intitulada Ka'a Pûera: nós somos pássaros que andam, atualiza problemáticas como a colonização e a violação dos direitos territoriais. A presidente da Fundação Nacional de Artes (Funarte), Maria Marighella, representa o Ministério da Cultura (MinC) ao longo de todo o evento. Na manhã desta sexta-feira (19), ela participou de uma coletiva de imprensa que marcou a pré-abertura oficial do evento.
Para Maria Marighella, a exposição brasileira com conceito indígena é lançada em uma data simbólica nacionalmente: o Dia Nacional dos Povos Indígenas, e reitera a política de redemocratização do país.
“Hoje é um dia para celebrarmos a democracia e os direitos dos povos originários. O pavilhão do Brasil com a exposição Ka'a Pûera apresenta esses nossos pássaros que voam pelo mundo afora levando uma diligência sensível. O Brasil abre seu pavilhão e reforça esse espaço de diálogo e troca”, afirmou.
A 60ª Bienal de Veneza será realizada de 20 de abril a 24 de novembro de 2024. A edição deste ano é histórica, já que pela primeira vez em quase 130 anos, um sulamericano foi escolhido curador geral da Bienal. Trata-se do diretor artístico do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), Adriano Pedrosa.
A Fundação Bienal de São Paulo é a responsável pelo Pavilhão brasileiro, que tem curadoria de Arissana Pataxó, Denilson Baniwa e Gustavo Caboco Wapichana. A mostra reúne a produção de artistas da comunidade Tupinambá e artistas pertencentes a povos do litoral como Glicéria Tupinambá, Olinda Tupinambá e Ziel Karapotó.
Conforme Renato Mosca, embaixador do Brasil na Itália, a participação brasileira na Bienal leva uma forte mensagem: “Esses povos brasileiros acabam sendo estrangeiros em seus próprios territórios e isso é algo que começa a ter fim. Com essa participação na bienal, este ano, deixa claro a mensagem que o Brasil é um país da inclusão que defende a paz e a integração de seus povos”.
Narrativa
A retomada de território, a preservação identitária e as adaptações frente às urgências climáticas são algumas das histórias que inspiraram as obras dos artistas indígenas. Arissana Pataxó explica o conceito por trás do título da exposição.
“A exposição Ka'a Pûera trabalha a narrativa da regeneração e resistência. A Ka'a Pûera, em Tupi antigo, idioma dos Tupinambá, é um lugar, uma floresta desmatada, mas que se regenera depois de um tempo. Assim como os povos indígenas no Brasil que lutaram ao longo de 500 anos e que estão se regenerando em seus territórios com o fortalecimento cultural e linguístico. E Ka'a Pûera também é um pequeno pássaro com penas marrons que circula no chão e se camufla na terra, nas plantas, para fugir de predadores. E se assemelha com o movimento dos povos indígenas de resistir”, explicou.
Segundo Andrea Pinheiro, presidente da Fundação Bienal de São Paulo, “vivemos um momento de convergência entre o passado, o presente e o futuro para encontrarmos um caminho para modos de vida sustentáveis e a repactuação das relações humanas. As questões levantadas pelo trabalho dos curadores e artistas apontam para caminhos relevantes para o árduo processo que temos pela frente”.
Arte Tupinambá
Resgatar a história e arte tupinambá é uma forma de reconhecer e valorizar a cultura e a história de um povo indígena que teve um papel fundamental na formação do Brasil.
Para Glicéria Tupinambá, as artes retratam uma unidade indígena. “Aqui não é só a Glicéria, aqui é todo o território Tupinambá, toda a minha comunidade - 220 famílias - ou seja, é um trabalho coletivo de escuta sensível dos curadores, dos representantes da Bienal que lutaram para a realização deste sonho”, declarou emocionada.
Até 2001, os Tupinambá eram considerados extintos, mas o Estado Brasileiro reconheceu que o povo não só não havia sido exterminado, como também estava ativo na luta pela recuperação de seu território e de parte de sua cultura que havia sido removida durante a colonização.
A exposição ocorre no mesmo ano em que um dos onze mantos tupinambá retorna ao Brasil após um longo período na Europa. Segundo registros oficiais, a peça, que os indígenas consideram sagrada, está em Copenhague desde 1689.
Os curadores explicam que a vestimenta transcende períodos históricos e atualiza as questões relacionadas à colonização, enquanto os Tupinambá e outros povos continuam suas lutas anticoloniais em seus territórios.
Obras
Além de provocar reflexões sobre questões de marginalização e desterritorialização, a exposição convida os visitantes a repensarem a essência compartilhada da humanidade e a urgência de preservar a diversidade cultural e ambiental.
Por meio de obras de Glicéria Tupinambá, como "Okará Assojaba", que convoca numa instalação os mantos tupinambá para criar um conselho de escuta; ou "Dobra do tempo infinito", uma videoinstalação que conecta tradição e presente através de sementes e redes de arrasto; a artista compartilha suas visões únicas e profundas sobre a relação entre humanidade, natureza e memória.
Já “Equilíbrio”, de Olinda Tupinambá, por sua vez, amplia a voz de Kaapora, entidade espiritual vigilante da nossa relação com o planeta e que também dá nome ao projeto de ativismo ambiental conduzido por ela na Terra Indígena Caramuru. A obra apresenta um retrato da condição humana na Terra e uma discussão crítica da relação destrutiva da civilização com o planeta do qual depende.
Por fim, Ziel Karapotó confronta processos coloniais em ‘Cardume”, uma instalação que une, com uma rede de tarrafa, maracás de cabaça e réplicas de projéteis balísticos, envolvidos por uma paisagem sonora com sons de rios e torés (cantos tradicionais do povo Karapotó), que se misturam a sons de disparos de armas de fogo. Cardume evoca a luta pelos territórios frente aos processos de genocídio que se atualizam nos últimos 523 anos, mas, sobretudo, reforça a resistência indígena por meio da vida.
No encontro, também estiveram presentes Sandra Benites, diretora de Artes Visuais e primeira diretora indígena da Funarte, e Andrea Pinheiro, presidente da Fundação Bienal de São Paulo.