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Lei Paulo Gustavo permite pluralidade e diversificação da produção local
Foto: divulgação projeto Congo Vivo
Símbolo de resistência da classe artística, a Lei Paulo Gustavo (LPG) aprovada em julho de 2022 e regulamentada em maio de 2023, disponibilizou R$ 3,8 bilhões de recursos para execução de projetos em todo território nacional. Desse montante, R$ 2 bilhões são voltados para os estados e R$ 1,8 bilhão para os 5.570 municípios brasileiros. No Sudeste, estados e municípios terão R$ 1,4 bilhão para realização de projetos voltados ao fortalecimento da cena cultural da região.
Até o momento, R$ 782 milhões de investimentos já foram executados. Deste total, 55,3% são projetos de audiovisual e 58,9% são propostas em outras áreas culturais.
Conforme o Painel de Dados da LPG, Minas Gerais é o estado com maior saldo em conta, em comparação com todos os estados participantes, com R$182,3 milhões, e São Paulo é o estado cujo os municípios têm maior saldo em conta, sendo R$ 206,8 milhões.
Para Roberta Martins, secretária dos Comitês de Cultura do Ministério da Cultura (MinC), além do aspecto econômico, a Lei Paulo Gustavo também possui um importante papel social, ao garantir o acesso da população a uma programação cultural diversificada e de qualidade.
“A Lei Paulo Gustavo é uma importante ferramenta para promover a democratização da cultura. A lei cria oportunidades de emprego e renda para artistas, produtores culturais e trabalhadores do setor, impactando positivamente a economia local e regional”, explicou.
Teresa Oliveira, diretora de Fomento Direto, da Secretaria Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura (SEFIC), explica a importância da LPG no desenvolvimento da economia criativa, por meio dela os menores municípios também vão atuar junto aos trabalhadores e trabalhadoras da cultura.
“A legislação ampara não apenas o audiovisual, mas outras ações, então tanto artistas, produtores culturais, quanto os municípios, terão a oportunidade única de animar a economia local e o consumo cultural. A LPG também é uma maneira de despertar a gestão local para esses ativos culturais que já estão nas cidades e a partir delas instituir políticas locais permanentes”, disse.
São Paulo: municípios com maior saldo em conta
O estado de São Paulo já utilizou 83% do recurso, enquanto os municípios utilizaram 47,1%. No total, o estado e seus 645 municípios vão receber R$ 728,7 milhões. Desse total, 64,7% dos recursos já foram utilizados. Os municípios têm o maior saldo em conta, com R$ 206,8 milhões.
Alessandro Cézar Araújo Azevedo, coordenador do Escritório Estadual do MinC em São Paulo, explica que a LPG permitiu triplicar os valores de incentivo direto no setor cultural do estado.
“Em base de comparação, a lei estadual de incentivo fiscal para projetos culturais, o Proac, está num patamar de R$ 100 milhões e só permitiu cobrir 5% dos projetos inscritos no edital. A LPG chegou a superar R$ 300 milhões e será fundamental para artistas, coletivos e fazedores de cultura de lugares diferentes, de municípios interioranos que nunca foram contemplados, por exemplo. A LPG também é uma forma do Governo Federal estar presente em todas as cidades que aderiram”, afirmou.
Mulheres na cultura
Foi sentindo a necessidade de dar voz à arte produzida por mulheres que nasceu o Festival Diversa, em Mogi das Cruzes, São Paulo. Idealizado pela cantora e compositora, Valéria Custódio, juntamente com a escritora Marian Koshiba, o festival celebra a riqueza e diversidade da produção artística das mulheres brasileiras em suas mais diferentes linguagens.
Contemplado pela Lei Paulo Gustavo com R$ 36 mil, o festival que terá dois dias vai levar música, literatura, circo, fotografia, além de promover a reflexão acerca da presença das mulheres nas cenas culturais, mas em papel de liderança e protagonismo.
“Ainda vivemos em um cenário cultural que dificilmente vemos mulheres, em predominância na produção, ou em papéis de liderança. Nosso festival é ímpar na tentativa de alcançar uma igualdade de oportunidades das mulheres na cultura”, afirma Marian Koshiba.
O projeto contribui para o desenvolvimento cultural e artístico de Mogi das Cruzes, principalmente da região do Alto Tietê e amplia os horizontes da população, como complementa Koshiba.
“Um festival que contempla diversas linguagens artísticas é uma riqueza para a comunidade. A LPG permite que projetos possam ser realizados e pessoas que nunca tiveram contato com essas diferentes linguagens, tenham contado com ela. Além disso, permite dar oportunidade às artistas mulheres no cenário independente da região de serem vistas e reconhecidas”, felicita.
Minas Gerais: Desafios na utilização estadual
Em Minas Gerais, a situação foi diferente. O estado utilizou até o momento 11,3% do recurso, enquanto os municípios utilizaram 46,4%. Dos R$ 378,2 milhões destinados à Minas Gerais (estados e municípios), R$ 182 foi só para o estado.
Segundo Ana Tereza Melo Brandão, coordenadora do Escritório Estadual do MinC em Minas, apesar dos grandes desafios enfrentados na execução, a Lei Paulo Gustavo em Minas Gerais foi crucial para o setor cultural.
“Além de fomentar uma diversidade de projetos, a LPG tem estimulado a articulação do setor e a descentralização de recursos. Mais importante ainda, tem gerado debates públicos sobre direitos culturais e os mecanismos de fomento, reforçando a necessidade de políticas adequadas e o aprimoramento da administração pública em âmbitos federal, estadual e municipal para efetivação desses direitos", disse.
Identidade urbana de Belo Horizonte
Ruas vazias devido a pandemia da covid-19. Um personagem negro e periférico pedala sua bicicleta rumo a uma Mostra de Cinema do Mazzaropi [que não aconteceu], mas se depara com uma perseguição policial. Essa é a narrativa do curta-metragem de animação, Legacy, do multiartista, ilustrador e quadrinista, Rafael La Cruz, de Belo Horizonte.
O projeto Legacy foi um dos contemplados por meio da Lei Paulo Gustavo no edital municipal ‘BH nas Telas’. Com R$ 119 mil de recursos, o multiartista Rafael La Cruz, vai fortalecer a identidade cultural urbana afro-brasileira de Belo Horizonte, especialmente pela estética do grafite, por meio do seu projeto.
“A Lei Paulo Gustavo é uma política pública que chega em um momento de fragilidade do setor cultural e reaviva a cultura com o ressurgimento do audiovisual, e dá oportunidades para realizar sonhos”, declarou La Cruz.
Legacy é uma adaptação audiovisual do livro que leva o mesmo nome. Lançado em 2021, o livro também foi viabilizado por uma regulamentação emergencial, a Lei Aldir Blanc. Ainda para La Cruz, o projeto do curta-metragem de animação vai aquecer o cineclubismo em Belo Horizonte, principalmente na periferia da capital e envolver jovens enquanto peças fundamentais de articulação.
“O edital tem um impacto profundo na formação de sujeitos. Então a ideia é que a obra seja reproduzida em espaços sobretudo periféricos para que haja o desenvolvimento dessa juventude. A cultura dos cineclubes, por exemplo, é muito forte em Belo Horizonte, em Contagem e na região metropolitana de BH e são espaços democráticos, educativos e políticos. Então espero que o projeto tenha um impacto no processo formativo e germinador de arte e cultura para esses jovens”, explicou
Rafael La Cruz tem 32 anos e se formou no curso de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Espírito Santo: utilização majoritariamente estadual
No Espírito Santo, a utilização dos recursos da Lei Paulo Gustavo foi majoritariamente estadual, com o estado utilizando 70,5% do total recebido, enquanto os municípios utilizaram 32,7%. Estado e municípios juntos receberam R$ 75 milhões. Só o estado recebeu um total de R$ 40,7 milhões.
Todos os municípios do Espírito Santo fizeram adesão. Apesar da solução ser emergencial, a LPG tem características permanentes, como explica Célia Maria Vilela Tavares, coordenadora do Escritório Estadual do MinC no Espírito Santo.
“A Lei Paulo Gustavo veio reaquecer o setor cultural e garantir às pessoas afetadas pela pandemia, os fazedores de cultura, trabalho e mostrar o quanto a cultura é importante para as nossas vidas. O Governo Lula e o Ministério da Cultura se preocupam com uma cultura permanente. Tanto a Lei Aldir Blanc como a Paulo Gustavo, no Espírito Santo, fomentam a cultura de todos os municípios, garantindo assim a continuidade de projetos e ações culturais tão fundamentais em nossas vidas”, afirmou.
Fomento à economia criativa em Vila Velha
Enriquecer os festejos da fincada e criar ações que fomentem a vivência do congo da Barra de Jacu, em Vila Velha, e o sentimento de pertencimento com a cultura local, é um dos objetivos do projeto Congo Vivo, aprovado pela Lei Paulo Gustavo no edital de seleção de projetos Patrimônio Vivo, no Espírito Santo (ES).
As bandas de congo na Barra do Jacu tem uma história antiga. As primeiras surgiram nos anos 50, conforme informações do Museu Vivo da Barra do Jacu. O congo é uma das mais importantes expressões artísticas do Espírito Santo e o bairro, localizado em Vila Velha, é referência da cultura do congo no estado. Em 2014, o congo teve o reconhecimento estadual de patrimônio imaterial.
Além de ser uma expressão cultural que carrega valores, tradições e histórias que são transmitidos de geração em geração, é uma forma de manter viva a memória e a identidade de um povo.
“A LPG veio favorecer as bandas de congo. Foi a primeira vez que um projeto de banda conseguiu ser contemplado, e por meio disso, nós estamos conseguindo realizar várias coisas que não tínhamos condições. A banda de Congo Raíz trabalha com quatro gerações e agora conseguimos resgatar a cultura, enriquecer os festejos e manter o congo vivo”, declarou Rosangela Caus, coordenadora geral e a presidente da Banda de Congo Raízes da Barra.
O projeto foi contemplado com R$ 100 mil reais e, também, vai fomentar a economia e o turismo local, pois contribui para a geração de renda e para a divulgação da cultura capixaba para o resto do país e do mundo.
Ainda conforme Rosangela Caus, viver o congo é respirar os anseios do bairro onde ela vive. “Os jovens precisam de cultura para os nortear na vida e lhes dar a sensação de pertencimento, que de acordo com a ONU é um direito essencial aos seres humanos”, disse.
Hoje Rosangela Caus é membro titular no Conselho de Cultura de Vila Velha, ocupando a cadeira destinada a essa cultura ancestral, que é o congo.
Rio de Janeiro: Utilização Equilibrada
Já no Rio de Janeiro, a utilização dos recursos foi equilibrada, com o estado utilizando 78,8% do recurso e os municípios 65,3%. O estado e municípios receberam um total de R$ 271 milhões. Só o estado recebeu R$ 138,9 milhões.
Segundo Edu Nascimento, coordenador do Escritório Estadual do MinC no Rio de Janeiro, a Lei Paulo Gustavo traz a sua linguagem local para potencializar e aumentar o repertório da cultura em cada uma das regiões.
“A grande importância da execução dos projetos culturais com a Lei Paulo Gustavo foi a garantia da pluralidade na produção local. A linguagem local, as histórias ganharam força e capacidade de ampliação e de potencializar as narrativas de cada município. Seja pelo audiovisual, ou outras formas como a arquitetura, as exposições regionais, vão se cristalizar com a política nacional”, concluiu.
Nota: Os dados utilizados nesta reportagem foram baseados na data de 10/04/2024