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Funarte é uma das pioneiras na conservação dos daguerreótipos no Brasil
Processo foi o primeiro a registrar o Brasil por fotografia ainda em 1840 (Crédito: Freepik)
Daguerreótipo. Poucos ouviram falar, mas quem conhece vira fã. O precursor dos métodos modernos de fotografia foi o primeiro a ser comercializado ao público em 1839. A primeira imagem feita no Brasil foi a do Paço Imperial (Rio de Janeiro/RJ), durante a demonstração para D. Pedro II, que encomendou equipamento igual. De lá para cá, somente no estado do Rio, graças à curadoria realizada pelo Centro de Conservação e Preservação Fotográfica da Funarte (CCPF), foram encontrados 73 daguerreótipos históricos, quatro daguerreótipos contemporâneos e uma réplica da câmera fotográfica utilizada pelo inventor, Daguerre. E, destes objetos, cinco foram limpos, restaurados e catalogados em uma parceria com o Museu Histórico Nacional (MHN), também no Rio de Janeiro.
A exposição ocorrida em 1998 rende frutos até hoje, quando parte da mesma equipe que participou na conservação original dos daguerreótipos teve a oportunidade de reencontrar as peças do acervo de fotografias especiais do Museu Histórico Nacional e atestar a qualidade do trabalho realizado, 24 anos depois, em excelente estado de conservação. Participaram da conservação dos daguerreótipos, em 1998, as profissionais Nazareth Coury, Marcia Mello, Ana Saramago e Sandra Baruki. O fotógrafo Francisco da Costa, na época servidor do CCPF, e as conservadoras Marcia e Sandra participaram dos projetos em 1998 e 2021.
Sandra exerceu a função de coordenadora do CCPF e foi uma das especialistas convocadas para retornar na reabertura dos daguerreótipos no Museu Histórico Nacional. Com a experiência de quem realiza oficinas sobre a conservação de fotografias há mais de 30 anos, e já formou mais de mil alunos, ela conta sobre a importância de reencontrar as peças tratadas em 1998.
“Como servidora aposentada da Funarte, foi interessante voltar no tempo e entender a trajetória e a importância do Centro de Conservação, que coordenei por quase 20 anos. Abrir os daguerreótipos nessa época e poder voltar e avaliar o que fizemos há 24 anos, foi excepcional. Porque sempre aprendemos muito. E poder constatar que o trabalho realizado em 1998 foi primoroso, porque nós vimos o material intacto, com excelente qualidade de conservação. Isso é uma vitória muito grande, pois esse é o objetivo do nosso trabalho. No que diz respeito à questão técnica, nós sustentamos um desafio em 1998, um processo muito bem realizado. A exposição foi maravilhosa, uma coisa inesquecível na trajetória da Funarte.”, relembra Sandra Baruki.
Um destes objetos inesquecíveis é um daguerreótipo que retrata D. Pedro II, que segundo Sandra é uma peça que foi um dos maiores desafios durante o processo de conservação, ainda em 1998. Por ser um daguerreótipo retratando o imperador, em campo oval, com um suporte para a aparar a cabeça. O objeto trazia características específicas e com uma montagem diferenciada, conservá-lo e limpá-lo trouxe desafios durante o processo de selamento do estojo onde fica a fotografia.
“Foi muito importante para mim, na minha carreira, ter participado em dois momentos tão significativos para a história da fotografia. O primeiro, nós tivemos alguns desafios, e tivemos medo. Estávamos entrando na profissão em 1998 e eu já trabalhava no CCPF desde 1986, mas ainda não tinha essa experiência. Mesmo que já tivesse estagiado com o Grant Romer, que mais tarde foi o nosso mestre. Tínhamos medo, éramos muito jovens na área, e íamos enfrentar pela primeira vez um processo tão delicado. E fizemos isso a partir da orientação do Romer e da Anne Cartier-Bresson”, conta Sandra Baruki.
Sobre o Daguerreótipo
A técnica chamada daguerreotipia foi inventada por Louis-Jacques Mandé Daguerre em 1839 e chegou no Brasil apenas 6 meses após sua invenção na França, trazida pelo abade Louis Compte. A primeira imagem feita pelo daguerreótipo no Brasil retratava o Paço Imperial, local da exposição O Daguerreótipo nas Coleções Cariocas, que aconteceu em 1998. A imagem do Paço estava presente na mostra, que contou com itens cedidos por colecionadores particulares e instituições como o Museu Histórico Nacional, o Museu Imperial, o Museu de Arte Moderna, a Casa de Rui Barbosa, Arquivo Grão Pará, Fundação Casa de Rui Barbosa,Museu Casa de Benjamin Constant e Museu da Cidade. Além dos colecionadores, Waldyr da Fontoura Cordovil Pires, Luiz Antonio Paracampo e Miguel Rio Branco.
“Esse acervo, raro, é de suma importância não só para o nosso acervo, mas para a história da própria fotografia, pois o daguerreótipo foi uma invenção que revolucionou a forma de se registrar imagens, por ser possível capturar a imagem desenhada pela própria luz, de modo que é a imagem mais fiel de uma pessoa, lugar, objeto etc.”, explica Daniella Gomes, do Arquivo Histórico do Museu Histórico Nacional.
A fotografia que conhecemos hoje não é a mesma do daguerreótipo. Devido à fragilidade das placas de metal, os daguerreótipos eram comercializados em estojos ou molduras, formando conjuntos complexos compostos por vários elementos, que podem variar de acordo com o estilo da peça: placa do daguerreótipo, passe-partout metálico, vidro, lacre de papel, lacre metálico e estojo.
Durante o processo de limpeza e conservação, os profissionais não podem tocar na placa ao trabalhar com ela para que não aconteça contato com o ambiente externo. E o daguerreótipo tem que ser fechado em uma situação de umidade controlada para que não haja retenção de qualquer umidade dentro do estojo. Por ser uma placa de prata, se ela ficar solta sem uma proteção, essa placa oxidaria pois todos os componentes no daguerreótipo são metálicos, como o mercúrio, o cobre e a prata, então eles se oxidam com o contato com o ar. E, além disso, a prata, o cobre e a madeira, eram materiais muito preciosos na época e, por isso, exigiam um manuseio delicado.
Junto a Sandra Baruki, as profissionais do Centro de Conservação e Preservação Fotográfica (CCPF), Nazareth Coury, Ana Saramago e Marcia Mello fizeram parte da primeira geração de conservadoras fotográficas formadas pela Funarte. Conversamos com Marcia Mello, responsável pela curadoria dos daguerreótipos utilizados durante a exposição, como foi o início do processo. Na época, quando surgiu a ideia de fazer a campanha para identificar daguerreótipos nas coleções brasileiras, o CCPF decidiu começar por quem estava mais próximo, ou seja, os objetos localizados no Rio de Janeiro.
“Quando a gente procurava o jornalista ou algum colecionador, as pessoas falavam ‘dag o quê?’ e isso virou uma brincadeira entre nós, ninguém conhecia o daguerreótipo! Explicamos o que era o daguerreótipo, a estrutura e também as diferenças entre daguerreótipo, ambrótipo e ferrótipo. A estrutura deles é diferente, o que faz com que a aparência seja diferente: a placa do daguerreótipo é polida e fica como um espelho, e a imagem fica sob este espelho. O ambrótipo não tem o suporte na placa de cobre e sim, um vidro com colódio, que é um ligante, e não tem esse aspecto do espelho que o daguerreótipo tem. Muitas vezes, dependendo da posição, seu reflexo pode se fundir com o retratado. É muito bonito, chega a ser romântico! E o ferrótipo é uma placa de ferro fininha, pintada de preto no geral, e que também não reflete. Mas como eram comercializadas no mesmo tipo de estojo, as pessoas faziam confusão”, alerta Marcia Mello.
Além de preservar, a função do CCPF durante todo o processo foi o de educar. A exposição de 1998 foi realizada no Paço Imperial (Centro, RJ), onde foi feito o primeiro daguerreótipo no Brasil. Foram diversos desafios técnicos superados por Marcelo Camargo, que cuidou do projeto cenográfico do espaço, possibilitando que o público pudesse compreender como funcionava o daguerreótipo. Já o fotógrafo Francisco da Costa, utilizou técnicas diferenciadas para conseguir fotografar as imagens dos daguerreótipos como, por exemplo, escurecer o ambiente ao redor da câmera e do daguerreótipo cobrindo-a com um tecido preto, a fim de impedir a entrada de luz.
“Normalmente não se abrem os daguerreótipos, mas muitos tiveram que ser abertos para higienizar e cuidar do lacre. Mas a maioria deles nunca tinha sido aberta. Alguns já tinham sido abertos por pessoas sem preparação para o serviço, e infelizmente chegaram até nós com algum dano. E não há o que fazer para retocar. Muitas vezes o objeto tem 150 anos, então o lacre original deles era feito em papel e já tinha sido deteriorado pelo tempo. Refazer os lacres foi fundamental porque a gente lacrou novamente a placa da influência externa. Num primeiro momento a gente teve receio de lidar com itens tão preciosos, raros, únicos. Mas o receio foi superado, à medida que a gente foi fazendo, vimos que as decisões técnicas estavam certas.”, avalia Marcia Mello.
Para os pesquisadores interessados em conhecer mais de perto os daguerreótipos, a profissional do Museu Histórico Nacional, Daniella Gomes, conta que o acervo sempre esteve à disposição dos pesquisadores, por meio de agendamento prévio e acesso in loco. “Com a conclusão do projeto, será possível o acesso às imagens em alta resolução, assim, preservando os originais e sendo possível atender ao usuário em qualquer parte do mundo.”, completa Daniella que acrescenta que está nos planos do MHN realizar uma nova exposição virtual para apresentar ao público a coleção recentemente tratada pelos conservadores.
Funarte como pioneira na conservação fotográfica
A Funarte tem um papel essencial na preservação dos acervos fotográficos brasileiros. Além de ser uma referência nacional e internacional, podendo também ser creditada à Instituição a implantação de uma política de conservação fotográfica no país. Por meio do CCPF, a Funarte traz uma perspectiva nova no olhar, uma política pública direcionada a essa questão. Baseada no Instituto Nacional da Fotografia, que está disponível para consulta no nosso Brasil Memória das Artes.
O papel da Funarte é imensurável na fotografia. Hoje a Funarte tem mais de mil alunos formados pelo CCPF, com mais de 80 oficinas lecionadas nestes 30 anos. Como costumava dizer Solange Zúñiga, falecida em 2014: “Não há no país instituição que não tenha se beneficiado do CCPF de alguma maneira”. O Centro de Conservação e Preservação Fotográfica sistematizou, pesquisou, treinou e disponibilizou uma metodologia e isso fez uma grande diferença na fotografia brasileira.
Antes do daguerreótipo o Brasil só era retratado por meio de pinturas, foi com a chegada desta tecnologia que o país se viu como era, graças à fotografia. Recuperar os daguerreótipos é também recuperar a nossa história.
Com informações da Funarte
Ascom/ Secult