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ARTIGO
Direitos autorais, remuneração e inteligência artificial
Foto: Filipe Araújo/ MinC
O PL 2338/2023, em discussão no Senado, tem o objetivo de regulamentar a inteligência artificial (IA) no Brasil, com artigos sobre direitos autorais que protegem obras literárias, artísticas e científicas.
A preocupação com o impacto da IA no setor criativo é mundial. A Declaração de Líderes do G2O de 2024 destacou a importância de fortalecer a discussão quanto aos impactos da nova tecnologia sobre os titulares de direitos autorais, enquanto os ministros de Cultura do G20 concordaram que deve haver um pagamento adequado aos proprietários de direitos autorais cujas obras sejam utilizadas em sistemas de IA.
Diversos países têm buscado fortalecer suas economias criativas frente à IA. Nos Estados Unidos, há um PL no Senado com disposições semelhantes às discutidas no Brasil, e no estado da Califórnia já há uma lei que estabelece a obrigação de transparência sobre os conteúdos utilizados em sistemas de IA. Na União Europeia, foi aprovado o AI Act, que estabelece regras de transparência e regula o uso de obras no treinamento de sistemas de IA, facilitando o licenciamento e o pagamento aos titulares. Austrália, Canadá e Espanha também discutem a aprovação de legislação sobre a matéria, e mesmo o Japão tem revisto a implementação de sua lei.
As obras protegidas pelos direitos autorais são dados valiosos. As próprias empresas de IA os consideram insumos de qualidade superior, sendo, portanto, vitais para o desenvolvimento de um sistema robusto de IA generativa. Ainda assim, argumentos contra a remuneração de autores têm aparecido sob as mais diversas justificativas. Ora, seria absurdo que uma empresa estivesse isenta de qualquer pagamento pelos insumos que utiliza. Por que então não se deveria remunerar autores e artistas pelo insumo criativo vital que aportam à IA?
A falta de regulamentação faz com que, hoje, empresas de IA cometam ao menos cinco violações da lei de direitos autorais por cada obra incluída em seus sistemas. Ao utilizarem obras protegidas sem autorização dos titulares, essas empresas desrespeitam, ainda, os tratados internacionais dos quais o Brasil é parte. Permanecendo o cenário de falta de regulação, milhões de reais serão gastos em disputas judiciais e indenizações, prejudicando a inovação e a segurança jurídica dos agentes envolvidos. O PL 2338/2023 busca superar essas dificuldades.
Segundo estudo recente, os criadores de música e do audiovisual perderão quase um quarto de sua renda até 2028. Isso equivale a uma perda de € 34 bilhões (R$ 220 bilhões) no período de cinco anos para compositores e diretores, sem contar as perdas sobre gravações e interpretações de produtores, músicos e atores.
Esses dados revelam os riscos que a IA apresenta ao setor criativo, em que pesem suas potencialidades. No caso brasileiro, estamos falando de uma economia da cultura e das indústrias criativas que representa R$ 230 bilhões, ou 3,1% do PIB de 2020.
A proteção por direitos autorais não beneficia apenas as linguagens artísticas, mas também textos jornalísticos e artigos científicos. Assim, tais direitos ajudam a preservar a liberdade de expressão, ao garantir o estímulo financeiro para que a imprensa continue a exercer seu papel na democracia, bem como o desenvolvimento científico, ao proteger o fruto do trabalho de pesquisadores brasileiros.
É essencial que o PL 2338/2023 seja aprovado nos termos do relatório aprovado em Comissão Especial, em 5 de dezembro, com seus dispositivos sobre transparência e remuneração de conteúdos protegidos por direitos autorais. Cria-se, com isso, um ambiente de segurança jurídica necessário para uma IA ética e genuína, que beneficie toda a sociedade e permita os investimentos de longo prazo num setor-chave para a economia. A proteção conferida aos direitos autorais não tem ideologia ou preferência política. Os efeitos negativos de uma IA sem regulação não escolhem destinatários.
Artigo originalmente publicado n'O Globo.