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INCENTIVO
Produtores culturais de Mato Grosso apresentam projetos ligados à Lei Rouanet à comitiva do MinC e da CNIC
Fotos: Victor Vec/MinC
Servidores do Ministério da Cultura (MinC) e integrantes da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), órgão colegiado incluindo pessoas da sociedade que subsidia o MinC nas decisões sobre projetos da Lei Rouanet, começaram, nessa quarta-feira (5) uma programação de três dias em Cuiabá (MT). A visita faz parte da 344° reunião ordinária do colegiado, em versão itinerante.
Pela manhã, o grupo visitou a sede do Instituto dos Cegos de Mato Grosso (Icemat), que apresentou projeto à Lei Rouanet este ano para ampliar as oficinas culturais promovidas a jovens e adultos com deficiência visual no espaço. No encontro com os integrantes da CNIC, alunos do instituto apresentaram uma peça teatral de conscientização sobre a violência contra a mulher e a Lei Maria da Penha. “Eu cheguei aqui há dois anos com depressão porque estava perdendo a visão, mas encontrei apoio na instituição, aprendi a me locomover e ainda entrei para o grupo de teatro, em que a gente apresenta aquilo que sonha e quer levar isso para fora desses muros”, relatou Demilson Sidnei Pereira.
A comitiva do MinC e da CNIC seguiu para Bonsucesso, distrito do município de Várzea Grande, vizinha de Cuiabá. Os visitantes conheceram a chamada Rota do Peixe, que reúne restaurantes à beira do Rio Cuiabá, mantendo a tradição de como preparar o prato seguindo as origens criadas pela tribo Guanás, ocupante da região. No espaço, estiveram presentes também representantes do Comitê de Cultura do Mato Grosso, do Escritório Estadual do MinC, das secretarias de Cultura municipal e estadual, além dos representantes do Ministério. “Aqui estão juntas todas as esferas do Sistema Nacional de Cultura, o que precisa ser aplaudido e o que a gente tem que buscar sempre”, destacou Eneida Braga, integrante da CNIC.
Em seguida, o grupo visitou o Centro Cultural Nede Clemente Lemes, no distrito de Limpo Grande, onde estão expostos produtos artesanais feitos por 50 mulheres da Associação das Redeiras de Limpo Grande – duas delas mostraram ao vivo como cada peça é produzida e bordada. “Eu aprendi com minha mãe e faço essas redes desde os 12 anos. Me esforço hoje para que as jovens também aprendam e levem à frente a tradição”, contou Lucinei Antônio Pereira, artesã conhecida como Giva, explicando, ainda, que cada trabalho demora até três meses para ser concluído.
“A tecelagem de Limpo Grande já foi apresentada em outros países e é considerada um dos 100 melhores artesanatos do país, patrimônio cultural do estado de Mato Grosso e de Várzea Grande, importante reduto da cultura popular do estado, um dos berços da forma de viver, falar, acolher e comer do matogrossense”, explicou o presidente do Conselho Municipal de Cultura e gerente do Sistema Municipal de Cultura de Várzea Grande, Wanderson Magalhães.
À tarde, a comitiva visitou o Centro Cultural Em Cena Escola de Artes, um Ponto de Cultura definido pelo MinC. O espaço era uma antiga escola pública que foi deteriorada e tem sido reformada pelo grupo responsável. O projeto conta com recursos via incentivo fiscal da Lei Rouanet para atender gratuitamente alunos de palhaçaria, costura, artesanato, balé e teatro. Os integrantes da CNIC puderam assistir a um trecho da peça As aventuras do macaco malandro, apresentada pelas adolescentes Bruna Brandão e Nathália Campos. “Participar desse projeto é incrível, muitas pessoas não têm a oportunidade de fazer aulas de teatro e nós estamos aqui aprendendo, se apresentando em todo o estado e ainda recebendo um salário por isso”, comemorou Bruna.
O grupo do MinC e da CNIC concluiu a tarde visitando a sede do Instituto Ciranda, que há 20 anos oferece aulas de música gratuitas para cerca de 800 crianças e adolescentes no estado de Mato Grosso. A orquestra se apresenta aos visitantes durante o Fórum de Incentivo à Cultura de Cuiabá, nesta quinta-feira (6). “Há pelo menos cinco anos nós somos mantidos pela Lei Rouanet. Foi com ela que pudemos profissionalizar a equipe e é um grande presente ter as pessoas que aprovam os projetos aqui para olhar no olho e conhecer de perto o que fazemos graças a esses recursos”, disse Jéssica Gubert, diretora de Desenvolvimento Institucional do instituto.
Cultura ancestral
No início da noite, os integrantes da CNIC vivenciaram uma experiência de afroturismo. A pé pelo centro histórico fizeram a chamada Rota da Ancestralidade ao som dos berimbaus de alunos do Centro Cultural Aruandê Capoeira e guiados pela professora e mestra em História Cristina Soares e pelo idealizador do projeto,Cristóvão Luiz.
A visita passou por sete pontos: Largo do Rosário, Igreja do Rosário, Praça da Mãe Preta, Praça da Mandioca, Rua das Pretas, Beco do Candeeiro e Museu de Imagem e do Som de Cuiabá (Misc). Os locais representam lugares construídos por pessoas escravizadas no período colonial ou nos quais há registros do que elas viveram. “A rota passa pela oralidade, ouvindo os moradores mais antigos, quem veio antes de nós, e pelo sentimento que ali ficou, a energia das pessoas, a força das histórias”, explicou Cristina.
Um dos pontos de maior atenção foi a Praça da Mandioca, antigo pelourinho da cidade onde os escravizados eram vendidos como mercadoria e castigados. Cristina destacou que o local hoje foi ressignificado, abriga bares da região e também é ponto de encontro de blocos de carnaval, mas o que aconteceu ali precisa ser lembrado. “Se a gente esquecer o passado, ele pode se repetir”, reforçou.
Em frente à praça, o grupo conheceu a sede do Centro Cultural Casa das Pretas, que reúne exposições, oficinas, ateliê, espaço para apresentações e ensaios e outras atividades culturais; além de local de resistência da população negra de Cuiabá. “A gente não é uma apresentação cultural, a gente está aqui todo dia, suando, segurando uma bandeira que não é só das mulheres pretas, sempre homenageadas, mas não incluídas”, pontuou a presidente do espaço, Antonieta Costa, em conversa com os visitantes. “Não existe projeto cultural sem incluir o povo, a gente precisa aprender que espaço de poder é onde está o povo.”
Comissária da CNIC, Veridiana Barreto terminou a caminhada dizendo-se emocionada. “Passar pela Rota da Ancestralidade foi uma experiência única, senti um misto de emoções impactantes ao longo do percurso nas ruas, becos e lugares históricos”, comentou. “A emoção mais constante foi a angústia de saber que mesmo hoje, em pleno século XXI, ainda haja tanto apagamento, racismo e invisibilidade referente à importância e à contribuição da cultura africana no nosso país”, lamentou.
A representante da Fundação Cultural Palmares na CNIC, Adrielle Arouche, acrescentou que todos têm a ganhar ao participar de atividades como essa. “A rota nos faz refletir sobre os aspectos fundadores da cultura brasileira, ao abordar temas como resistência, contra-colonialismo e comunidade como estratégia de sobrevivência ao racismo, assim como as violências sistêmicas contra a população negra brasileira”, evidenciou. “Incluir programações como essa em roteiros culturais é fundamental à medida em que se exercita o pensamento crítico sobre o passado e mostra alternativas afrocentradas de futuro, em que valores como vivência em comunidade, respeito à natureza, memória e resiliência são o norte”.
Cristóvão Luiz explicou que a Rota da Ancestralidade foi criada há 10 anos para buscar a valorização da história e da cultura cuiabana, sobretudo da contribuição e influência de africanos e afro-brasileiros no território. “Eu me perguntava quando criança, toda vez que eu passava por aqui, ‘onde está o meu povo?’”, relatou. “Então saímos na rua para entender, compreender, cheirar, rir e sentir um pouco dessa cicatriz na alma”.
A CNIC
O formato itinerante da CNIC tem percorrido todas as regiões do Brasil para estabelecer um canal direto de comunicação com os agentes culturais locais. A versão do Centro-Oeste tem como representante a capital de Mato Grosso, Cuiabá.
Nesta quinta, o grupo assiste a apresentações e analisa projetos para a reunião de sexta (7). Enquanto isso, os inscritos no Fórum assistem a palestras, debates e oficinas sobre a Lei Rouanet.
O secretário de Economia Criativa e Fomento Cultural do MinC, Henilton Menezes, lembra que a comissão representa praticamente todos os estados brasileiros e precisa se aproximar e ver de perto o que é feito com os projetos que passam por eles. “É muito importante a participação do público local nesse encontro para ter o contato direto com essa comissão e a oportunidade de falar sobre suas angústias, dificuldades e expectativas com relação ao uso do incentivo fiscal aqui no estado do Mato Grosso”, concluiu.
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