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4ª CNC
Conferência Temática Cultura LGBTQIA+ elege três propostas para etapa nacional
Foto: Rosely Moraes Sampaio
Cerca de 170 pessoas de 26 estados brasileiros participaram da Conferência Temática Cultura LGBTQIA+, realizada nos dias 30 e 31 de janeiro no Centro de Referência das Juventudes (CRJ), em Belo Horizonte, Minas Gerais. O evento, fruto de uma parceria entre o Ministério da Cultura (MinC) e o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), integra o calendário de 13 conferências temáticas preparatórias para a 4ª Conferência Nacional de Cultura, que será realizada entre 4 a 8 de março, em Brasília, para definir os rumos da política cultural no país pelos próximos dez anos.
As três propostas escolhidas pelos participantes para serem levadas à etapa nacional são: a inclusão da cultura LGBTQIA+ em todos os espaços de decisão da política cultural ligadas ao MinC; a criação de um Programa Interministerial envolvendo o MinC, o MDHC, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para financiamento de um projeto estratégico visando o desenvolvimento econômico do setor artístico e cultural LGBTQIA+; e a criação de uma Política Pública Nacional de Patrimônio e Memória Cultural LGBTQIA+.
“Política verdadeiramente pública a gente faz com as pessoas interessadas”, disse a secretária de Cidadania e Diversidade Cultural (SCDC) do MinC, Márcia Rollemberg. “Um mundo mais diverso é um mundo mais justo, mais solidário”, completou. O diretor do Sistema Nacional de Cultura (SNC), ligado à Secretaria dos Comitês de Cultura (SCC) do MinC, Júnior Afro, considera a Conferência o ápice desse processo. “A gente precisa fazer um debate transversal da política nacional de cultura. Trazer esse conjunto de pautas como central é um compromisso da nossa ministra Margareth Menezes. A democracia deve considerar a diferença”, lembrou.
“Estamos construindo o futuro que nós queremos. Não queremos falar apenas de morte e violência. A cultura salva vidas e nos trouxe até aqui”, afirmou a secretária nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ do MDHC, Symmy Larrat, na mesa de abertura. A diretora da Promoção da Diversidade Cultural da SCDC do MinC, Karina Miranda da Gama, destacou a importância do tema e da Conferência Temática para priorizar segmentos da diversidade e grupos vulnerabilizados. A diretora de Projetos da Fundação Nacional de Artes (Funarte), Laís Almeida, lembrou a relevância de produzir dados para avançar nas políticas culturais.
O presidente do Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual de Minas Gerais (Cellos MG), Maicon Chaves, que fez parte da comissão organizadora nacional do evento, ressaltou a militância que ajudou a construir e fazer o movimento acontecer. “É urgente acessar os fomentos nos quatro cantos desse país e considerar o recorte racial. Que a equidade seja nossa principal bandeira”, disse Juhlia Santos, organizadora da Caminhada pelas Vidas Trans de Belo Horizonte.
A universidade pública também marcou presença no evento. Para a reitora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Sandra Regina Goulart Almeida, a universidade tem que ser inclusiva e de formação cidadã. “Estamos retomando um momento importante da vida nacional”, afirmou. O professor de Teoria do Teatro da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Marcio Freitas, destacou o papel da universidade pública na formação do pensamento crítico como espaço de reflexividade, para além da formação técnica. “Como a produção cultural LGBTQIA+ dialoga com o poder público?”, perguntou.
Para a secretária Municipal de Cultura de Belo Horizonte, Eliane Parreiras, a Conferência Temática ajuda a fomentar verdadeiramente a participação e chegar à Conferência Nacional com resultados efetivos. “É importante pensar não apenas a fruição, mas também pontos como trabalho, financiamento e memória”, destacou. Já a secretária Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania de Belo Horizonte, Rosilene Rocha, falou sobre a pluralidade de produções artísticas e a criação de políticas públicas contínuas para a população LGBTQIA+.
Uma outra narrativa possível
A palestra magna ficou por conta da atriz travesti Renata Carvalho, que citou a ideia do “perigo da história única”, da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, segundo a qual histórias que repetem estereótipos terminam virando sua única versão. “Nossas histórias estão sendo contadas por pessoas que não tiveram esse cuidado”, destacou. “Qual a peça de teatro que poderia ter salvo a minha vida? Vamos só repetir esses estereótipos? Eu cansei de morrer em cena. Eu quero falar de vida”, disse, defendendo a possibilidade de uma “narrativa do sonho” em que pessoas trans possam ver um futuro para si.
A mesa Política Cultural: o que já foi feito e o que temos? serviu como preparação para os debates dos grupos de trabalho que viriam em seguida. Karina Miranda da Gama fez uma retrospectiva histórica dos editais e do trabalho em rede nos Pontos de Cultura, destacando a retomada das instâncias participativas. “Falar de cultura é falar de pessoas. A Conferência Nacional de Cultura é a instância mais importante dentro do Ministério e essa Conferência Temática discute que deve constar no Plano Nacional de Cultura dentro do segmento LGBTQIA+”, explicou.
“O fascismo continua tendo que ser combatido cotidianamente”, lembrou o analista técnico-administrativo do MinC, Tony Bezerra. O artista visual e professor da Escola de Belas Artes da UFMG, Sandro Ka, falou sobre a valorização de modos de ser e estar no mundo e o estímulo ao acesso, produção e fruição cultural das pessoas LGBTQIA+. Ao tratar da preservação da memória LGBTQIA+ ao nível nacional, a fazedora de cultura de Florianópolis (SC), Elaine Sallas, falou sobre o mapeamento de mais de 200 fazedores de cultura LGBTQIA+ realizado em seu estado. “Fazemos muita coisa em nossos espaços e precisamos trocar experiências”, disse.
“Retomada é olhar para trás e também para frente”, frisou Eloi Iglesias, diretor da Festa da Chiquita, realizada há 47 anos durante as festividades religiosas do Círio de Nazaré, em Belém (PA). “Onde estão os acervos de nossas lutas?”, questionou, levantando a importância do resgate histórico. Depois da realização dos seis grupos de trabalho, o primeiro dia do evento foi fechado com o Balaio Cultural, que contou com a apresentação de drag queens como Suzaninha (SC), Penélope Fontana (MG), Valerie O'rarah (BA), Olívia Olí (MG) e Victor Baliane (DF). Também houve teatro, performance, dança e música, com os shows da cantora Doralyce (PE) e do bloco carnavalesco Truck do Desejo (MG).
Confira a íntegra das propostas aprovadas:
1. Incluir a cultura LGBTQIA+ em todos os espaços de decisão da política cultural ligadas ao MinC, como: Conselho Nacional de Cultura, CNIC [Comissão Nacional de Incentivo à Cultura], Conselho Ibram [Instituto Brasileiro de Museus], Conselho de Patrimônio; além de retomar o Comitê Técnico de Cultura LGBTQIA+ ligado, agora, à Secretaria Executiva.
2. Criação de um Programa Interministerial envolvendo o MinC, MDHC, SECOM e MTE que paute, no Comitê de Patrocínio das Estatais Federais, o financiamento de um projeto estratégico para mapeamento de artistas, agentes culturais, pessoa trabalhadora da cultura, coletivos e organizações LGBTQIA+. E que vise o desenvolvimento econômico do setor artístico e cultural LGBTQIA+, focado na formação e profissionalização da cadeia produtiva da economia solidária e criativa protagonizada por nossa comunidade; que abranja a qualificação continuada para o nosso acesso direto e indireto, atuando na mitigação das desigualdades presentes na nossa população e priorizando assim a produção trans, travesti e pessoas não-bináries. Também valorizando as produções pretas, de pessoas com deficiência, periféricas, do campo, ribeirinhas, quilombolas, indígenas e garantido a interseccionalização necessária na nossa população, assim como para a gestão e manutenção dos recursos.
3. Criação de uma Política Pública Nacional de Patrimônio e Memória Cultural LGBTQIA+ contemplando a criação e manutenção de um Centro de Referência Nacional de Memória e Museologia Social LGBTQIA+. Com isso, possibilitar a criação e manutenção de espaços físicos de memória em todo o território nacional (não se limitando às capitais e grandes centros); que guarde e registre documentos (físicos e digitais), memórias e fazeres da comunidade LGBTQIA+. Tal ação visa resultar em promoção o reconhecimento da cultura transformista/drag e das Paradas do Orgulho LGBTQIA+ em sua diversidade territorial (periféricas, interioranas, litorâneas e capitais) como patrimônios imateriais. Outra frente é mapear outras manifestações LGBTQIA+ que possam ser reconhecidas da mesma forma, respeitando, ainda, os critérios para execução das políticas públicas de fomento, manutenção e patrocínio, considerando as parentalidades LGBTQIA+, a acessibilidade PCD no consumo e na produção da arte, racialidades, recortes de classe e regionalidades.