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CONFERÊNCIA
"A liberdade é uma luta constante e coletiva", afirma Margareth Menezes durante segmento ministerial da Diáspora Africana
Foto: Filipe Araújo/ MinC
“A liberdade é uma luta constante e coletiva.” Com essa afirmação, a ministra da Cultura, Margareth Menezes, iniciou sua participação no segmento ministerial da Conferência da Diáspora Africana nas Américas, realizada no Centro de Convenções de Salvador, neste sábado (31). O encontro reuniu autoridades brasileiras, incluindo os ministros Anielle Franco (Igualdade Racial), Silvio Almeida (Direitos Humanos e da Cidadania), Mauro Vieira (Relações Exteriores) e Jerônimo Rodrigues (governador da Bahia).
Participaram mais de 50 delegações internacionais, representados por ministros e vice-ministros de Relações Exteriores da África e Diáspora, embaixadores e representantes de organismos internacionais, além de um grupo de representantes da sociedade civil selecionados pela Conferencia para fazer a entrega oficial de uma Carta de Recomendações sobre o tema.
Margareth destacou a importância do fortalecimento das relações entre o Brasil e os países africanos, enfatizando a visão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a cooperação internacional. “Este encontro materializa uma premissa do nosso presidente: a retomada das nossas relações com os países do continente africano, compreendendo que, de maneira coletiva, podemos fortalecer nosso compromisso com a justiça social, combater o desequilíbrio climático, o racismo e as desigualdades, além de promover ideais democráticos e inclusivos,” declarou.
Pontos de convergência
Durante o evento, Mauro Vieira, ministro das Relações Exteriores, reforçou o alinhamento entre a política externa brasileira e os princípios do pan-africanismo, destacando que este momento é um "reencontro do Brasil com ele mesmo", em consonância com a orientação do presidente Lula. “A política externa brasileira busca refletir nossa diversidade e promover a igualdade racial, combatendo todas as formas de discriminação,” afirmou Vieira.
Silvio Almeida completou: “O documento final deve ser entendido como um chamado para que o Brasil e os demais países das Américas renovem seu olhar sobre as questões de igualdade e ajam em consonância com essas reivindicações,” observou.
Memória e reconstrução
Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial, trouxe a questão da memória histórica para o centro do debate. “Quanto da nossa história foi apagada ou ignorada em termos de preservação? É preciso pensar e agir sobre as formas de reparação das injustiças,” pontuou. "Nosso objetivo aqui é, não somente celebrar o encontro, o reencontro, mas refletir como transformar as palavras, as recomendações aqui hoje colocadas e que serão enviados ao 9º Congresso Pan-Africano em ações concretas”, concluiu.
O governador Jerônimo Rodrigues enfatizou a responsabilidade histórica do Brasil, e especialmente da Bahia, como sede da Diáspora Africana. “Compartilhamos a responsabilidade histórica de governar com a participação ativa dos movimentos sociais na luta pela liberdade e autonomia do povo negro,” destacou.
Entrega da Carta
A Carta de Recomendações, elaborada ao longo da sexta-feira (30) por representantes da sociedade civil, foi oficialmente apresentada durante o encontro. Dividido em quatro eixos principais: pan-africanismo, memória, reconstrução e reparação e restituição, o documento destaca a necessidade de ações concretas para fortalecer as redes globais de diálogos culturais e combater o racismo, inclusive em contextos modernos, como as tecnologias digitais. A carta compõe os documentos preparatórios para o 9º Congresso Pan-africano, que será realizado em Lomé, no Togo, entre 29 de outubro e 2 de novembro de 2024.
Após ouvir a leitura das recomendações, Robert Dussey, ministro das Relações Exteriores do Togo e atual presidente do alto Comitê Ministerial da Década das Raízes Africanas e da Diáspora Africana (2021-2031), destacou a importância da reparação histórica. “Sem reparação, o ciclo de racismo, intolerância e discriminação continuará. A reparação é uma exigência da história,” afirmou.
Entre os temas abordados na carta apresentada pela sociedade civil, está a promoção de políticas sociais inclusivas para proteger mulheres, idosos, crianças, jovens, pessoas em situação prisional, com deficiência, LGBTQIA+ e migrantes. A carta também aborda a necessidade de criação de museus transnacionais e iniciativas culturais para preservar a memória e os saberes ancestrais.
Além deles, ganharam destaque as propostas de criação, o fortalecimento e o financiamento de redes globais acadêmicas, educacionais, artísticas, culturais e políticas. Essas redes visam fomentar o diálogo, a preservação da memória e os direitos culturais, além de valorizar os saberes ancestrais e espirituais, reconhecendo a história compartilhada entre as populações africanas e da Diáspora. Também incentiva a criação de iniciativas transnacionais, como museus, bibliotecas e repositórios, para a preservação desses patrimônios.
Além disso, a carta propõe medidas para combater o racismo algorítmico e ampliar a representação das pessoas negras nas mídias sociais, por meio da regulação e de políticas de inclusão nas novas tecnologias. Outra prioridade é a promoção de políticas sociais interseccionais para a proteção de mulheres, idosos, crianças, jovens, pessoas em situação prisional, pessoas com deficiência, LGBTQIA+ e migrantes, garantindo uma abordagem inclusiva e abrangente que respeite as especificidades de cada grupo.
Data simbólica
Em sua primeira visita ao Brasil, Monique Nsanzabaganwa, vice-presidente da Comissão da União Africana, saudou a realização da conferência em Salvador e destacou a conexão inquebrável entre a Bahia e a África. “A Bahia é o portão e o laço inquebrável da África e da Diáspora”. De acordo com ela, o dia de hoje representa a celebração da batalha e o reconhecimento da extensa e incansável caminhada do povo negro. “Reconhecemos essa data como marco da batalha contra a desigualdade e a União Africana está unida para vencer essas barreiras”.
Ivete Alves do Sacramento, secretária municipal de Reparação de Salvador, destacou o papel histórico da cidade na promoção da igualdade. “Estamos em 2024 e todos os dias perseguimos a promoção da igualdade e a reparação”.
Pronunciamento
Ao final do evento, a ministra Margareth Menezes acompanhou as declarações oficiais à imprensa dos representantes do Togo, da União Africana, do ministro Mauro Vieira e do governador Jerônimo Rodrigues.
Logo em seguida, participou de uma reunião bilateral com a vice-ministra de Relações Internacionais e Cooperação da África do Sul, Thandi Moraka, com quem dialogou sobre a cooperação já existem entre Brasil e África do Sul, e as possibilidades de avanço em aspectos de cooperação cultural e intercâmbio. Ao lado dela, estivavam a secretária Roberta Martins, dos Comitês de Cultura; Maria Marighella, presidenta da Fundação Nacional de Artes (Funarte); e João Jorge, da Fundação Cultural Palmares (FCP).
A íntegra da Carta de Recomendações, juntamente com as contribuições trazidas durante o debate, será publicada nos próximos dias.
Veja a íntegra do discurso da ministra da Cultura, Margareth Menezes, durante o segmento ministerial da diáspora
Gostaria de saudar a todas as autoridades governamentais brasileiras e estrangeiras aqui presentes, aos Embaixadores e demais membros do corpo diplomático, representantes de Organismos Internacionais, demais instituições e representantes da sociedade civil, nesta etapa governamental da Conferência da Diáspora Africana nas Américas, no contexto da “Década das Raízes Africanas e Diáspora”.
Esse encontro materializa uma premissa de nosso presidente Luiz Inácio Lula da Silva: da retomada das nossas relações com os países do continente africano, tendo a compreensão de que podemos de maneira coletiva fortalecer nosso compromisso com a justiça social, desequilíbrio climático, com o fim do racismo e das desigualdades, e com a promoção de ideais democráticos e inclusivos.
Desde o início do seu mandato, o nosso presidente Lula tem recebido presidentes, assim como as tantas instâncias do governo vem recebendo representantes dos países Africanos.
O presidente tem nos orientado na promoção do fortalecimento de um compromisso global de cooperação e multilateralismo – na busca por encontrarmos soluções panafricanistas para desafios contemporâneos e que possam no aproximar do continente africano e de países da diáspora.
O Pan-africanismo nos lembra e nos ensina que a liberdade é uma luta constante e coletiva. O Pan-africanismo também nos informa que tecnologias e saberes podem ser ferramentas importantes na luta pela decolonização e emancipação, para nossos povos, e também para todos os países da diáspora africana.
Estamos no ano de 2024, e o Brasil exerce a Presidência Brasileira do G20, sob o lema “Construindo um Mundo Justo e um Planeta Sustentável”, acolhendo também a União Africana como novo membro pleno do bloco.
Nesse contexto, o Governo Brasileiro tem reafirmado a necessidade de construção de uma governança global justa e solidária, levando em conta as assimetrias sociais e econômicas que ainda persistem no mundo.
Sabemos que é preciso buscar soluções conjuntas para enfrentar os desafios da atualidade, no sentido de construir um desenvolvimento sustentável, que combine crescimento, redução das desigualdades e preservação ambiental, garantindo e fortalecendo a participação social em todas as instâncias.
Na área da cultura, o Brasil tem destacado a importância de criarmos mecanismos conjuntos para fortalecer a economia criativa de nossos países, fomentando a circulação de bens e serviços culturais e garantindo uma remuneração justa e equitativa para os trabalhadores da cultura. Isso se aplica também para o ambiente digital, com o avanço da Inteligência Artificial e seu impacto no mundo da cultura.
É preciso também ressaltar a conexão cultural e histórica que nos aproxima, criando um entendimento comum sobre o papel das políticas culturais no processo de emancipação plena da África e da Diáspora.
Desde a retomada do Ministério da Cultura em 2023, temos trabalhado para consolidar políticas inclusivas e que garantem a diversidade do povo brasileiro reconhecendo as contribuições inegáveis do povo afro-brasileiro e diaspórico.
Estamos em exercício diário para garantir a inclusão e o reconhecimento dos ativos culturais da produção afrobrasileira em nossos editais e nas políticas públicas culturais. Só dessa maneira podemos produzir igualdade de oportunidades.
Nesse momento com o renascimento da Fundação Cultural Palmares, que foi asfixiada no governo passado, o que significou um retrocesso de políticas importantes no caminho da reparação, mas, agora é um tempo novo para essa entidade vinculada ao Ministério da Cultura criada em 1988, e que é a primeira instituição pública brasileira voltada à promoção e preservação dos valores culturais, históricos, sociais e econômicos decorrentes da presença do povo negro na formação da sociedade brasileira.
Temos nos comprometido em ações que buscam o resgate da memória histórica, com o patrimônio cultural do Cais do Valongo, um lugar de memória que recebeu milhões de pessoas escravizadas, e que sintetiza algumas complexidades da história da diáspora africana no mundo. Representando um dos mais significativos e cruéis vestígios do tráfico negreiro e de um sistema escravagista que durou mais de trezentos anos.
Nesse momento em que a reparação é imponente para a construção de um mundo mais justo, estamos unidos, várias pastas do governo para trazer ações que possam implementar verdadeiramente uma mudança de paradigma na vida da população afro acendeste aqui no Brasil.
São milhares os levados da herança africana em solo brasileiro, mesmo depois de 388 anos do comércio de vidas humanas e da subjugação do povo negro no Brasil, houve resistência e luta, e por isso estamos aqui.
O reconhecimento aos nossos antepassados, é uma forma de agradecer aos verdadeiros heróis da nossa história, porque somos frutos dos que lutaram e sobreviveram.
Na direção dessa retomada das ações com os países africanos, o Ministério da Cultura tem se reunido com as embaixadas africanas no Brasil, por meio do programa ABCD - África, Brasil, Caribe e Diáspora, que tem como objetivo fortalecer nossos laços de cooperação, celebrar nossa tradição em defesa da liberdade, celebrar a resistência dos quilombos. Enfim, preservar e valorizar nossas manifestações e expressões culturais negras – É o nosso direito à memória cultural.
O Ministério da Cultura, possui um compromisso com o legado e a tradição da cultura negra e a africana. Por isso reafirmamos a urgência de recuperarmos nossa memória negra e da diáspora, sistematicamente apagada pelos longos processos de dominação e colonização.
Celebro e saúdo o nosso encontro que tem no Pan-africanismo peça fundamental para mobilizarmos ações conjuntas para um desenvolvimento democrático, sustentável e decolonial.
Que em nossa unidade, integridade e diversidade possamos forjar um futuro para África e a Diáspora Negra com respeito, inclusão e autonomia. Que possamos promover e executar políticas universais guiadas por reparação, restituição e justiça social.
Precisamos de um tempo novo, e ele só poderá ser constituído, com renovação, trabalho e esperança.
Essa luta é de todos e todas nós!
Salvador, Bahia
31 de agosto de 2024