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CTI na mídia
Pessoas com deficiência fazem a diferença na pesquisa científica
“Me orgulho muito em ser pesquisadora, ser mulher e ser pessoa com deficiência (PcD)”, disse com voz firme a servidora Fabiana Bonilha, de 44 anos, do Centro de Tecnologia da Informação (CTI) Renato Archer. Cega desde a infância, ela encabeça uma pesquisa que tem trazido resultados inéditos, transformando a vida de outras pessoas com deficiência visual a partir da transcrição de partituras musicais para Braille, sistema de leitura utilizado por pessoas com deficiência visual ou baixa visão.
Embora não existam dados sobre o número de pessoas com deficiência trabalhando na ciência, a percepção de quem atua na área é de que esse público acaba sendo invisibilizado dentro da academia. Mesmo assim, quando ocupam esses espaços, eles mostram que é possível transformar a ciência em uma área mais inclusiva e melhorar a vida de quem sofre com alguma deficiência.
Fabiana começou a estudar piano aos sete anos. Incentivada pelos pais, sempre se manteve em movimento. Ela se desvencilha das ideias capacitistas ao falar sobre a sua história.
A cegueira, para ela, não foi uma experiência de perda, mas sim uma condição natural. À medida que foi crescendo, tomou consciência de que havia pessoas que enxergavam e ela não.
“Eu acho que a cegueira impacta a nossa vida na medida em que a gente vivencia algumas barreiras presentes no ambiente. Infelizmente a gente vive em um mundo que não está preparado nem planejado para atender às diferenças e às diferentes condições de todas as pessoas”, avalia. “Quando eu vou a um determinado lugar que tem uma forma de comunicação que não é acessível, eu fico sem acesso a essa comunicação. Então o problema não é eu não enxergar. É aquela barreira que eu encontro.”
Essa barreira foi percebida pela música. Ainda na infância, Fabian contou com professores que disponibilizaram partituras em Braille, mas elas eram de difícil acesso. A paixão pelo piano a fez cursar Música e concluir um mestrado e doutorado na mesma área. Ela aplicou o método científico para criar uma metodologia mais ágil para traduzir partituras da tinta para o Braille.
Hoje, ela trabalha na área de tecnologia assistida, na Divisão de Tecnologia para Produção e Saúde, onde tem dado continuidade à pesquisa iniciada no passado. Uma parceria com a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e o CTI permite ainda que essas partituras cheguem às pessoas com deficiência visual. O sonho de Fabiana é que, em breve, as próprias traduções feitas por ela, e que são de autores brasileiros, também sejam divulgadas.
De acordo com Núbia Bernardi, do Departamento de Arquitetura e Construção da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e que pesquisa sobre acessibilidade, faltam estudos precisos que apontem o potencial dessas pessoas dentro do meio científico.
Isso é constatado de forma mais agressiva quando olhado para fora dos muros acadêmicos, a partir da falta de inclusão no mercado de trabalho.
Hoje há subsídios que garantem que as empresas abram as portas para pessoas com deficiência. A Lei de Cotas, por exemplo, exige a contratação de um percentual que varia de 2% a 5% de pessoas com deficiência.
Coordenadora do Núcleo de Pesquisa sobre Mercado de Trabalho e Pessoas com Deficiência, Guirlanda Benevides elaborou um estudo sobre como as empresas cumprem as cotas e quantas vagas são preenchidas por pessoas com deficiência no Estado de São Paulo. A pesquisa foi conduzida junto com os pesquisadores José Daniel Morales, Jacqueline Souen e Maria de Lourdes Alencar e constatou que das 12 mil empresas do Estado, apenas 17,5% cumpriam a exigência da Lei de Cotas. A ocupação das vagas para pessoas com deficiência é de 45,6%.
A pesquisadora explicou que as empresas que devem contratar até 50 pessoas com deficiência, por exemplo, contrataram apenas 30, então há uma certa empregabilidade desse público, mas sem cumprir totalmente a Lei de Cotas.
Os locais de atuação também são diversos, sendo que a maioria vai para o setor de serviços, seguido da indústria e do comércio. O campo científico sequer foi citado no levantamento.
PESQUISA CIENTÍFICA
Durante os anos finais da graduação, a bióloga Anna Oller, de 23 anos, diagnosticada com distrofia muscular de cinturas aos nove, estava preocupada com o futuro. Ela sabia que não seria tão fácil encontrar um emprego e imaginava que sua deficiência criaria um empecilho dobrado para entrar no mercado. “Alguém que acaba de se formar e é PcD, muitas vezes acaba sofrendo uma barreira aos olhos de algumas pessoas, infelizmente”, conta. Foi nesse contexto que ela conheceu o Laboratório de Regeneração Nervosa do Instituto de Biologia da Unicamp.
Ao conhecer o funcionamento do laboratório e as possibilidades de pesquisa, Anna decidiu que ali seria o lugar onde construiria sua trajetória.
Hoje, ela transformou a sua doença em pesquisa, trabalhando para entender melhor e avaliar o efeito anti-inflamatório e neuroprotetor de um fármaco na Distrofia Muscular de Duchenne, uma das formas mais graves e conhecidas da doença.
“Me sinto bastante realizada”, afirma. “Meu interesse desde criança era a ciência. A pesquisa da distrofia era algo que parecia um sonho bastante distante e difícil de concretizar, e hoje é minha realidade. Penso também que estar onde estou contribui para que mais pessoas vejam que é possível, que a ciência deve ser uma área para todos, que nós temos limitações, mas nossas capacidades dizem muito mais sobre nós. E que as pessoas com deficiência podem fazer toda a diferença.”
Notícia publicada no jornal Correio Popular: https://correio.rac.com.br/campinasermc/pessoas-com-deficiencia-fazem-a-diferenca-na-pesquisa-cientifica-1.1422433
Texto: Isadora Isadora Stentzler/Correio Popular
Imagem: Rodrigo Zanotto/Correio Popular