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Servidor é homenageado por trabalho durante acidente com o Césio-137
O tratamento humanizado às vítimas, o aprendizado de todos os profissionais envolvidos e, principalmente, a importância de uma rede de apoio permanente foram as principais lições deixadas pelo acidente com o Césio-137, ocorrido em Goiânia (GO), em setembro de 1987, de acordo com o físico Walter Mendes Ferreira, da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN. Ele foi um dos homenageados Medalha do Mérito Legislativo Pedro Ludovico Teixeira, pela Assembleia do Estado de Goiás (Alego), em cerimônia realizada nesta segunda-feira, 30.
A sessão foi proposta pelo presidente da Casa, deputado Bruno Peixoto (UB). Além de Walter, atual coordenador do Centro Regional de Ciências Nucleares do Centro-Oeste da CNEN, recebeu a honraria a ex-presidente da Fundação Leide das Neves (Funleide), a médica Maria Paula Curado. Cerca de 60 pessoas que trabalharam ou ainda trabalham na assistência às vítimas da contaminação com Césio-137 também foram homenageadas e receberam Certificado do Mérito Legislativo, como forma de reconhecimento do parlamento goiano, após 37 anos do maior acidente radiológico do mundo.
Primeiro profissional a constatar o acidente com o Césio-137, Walter Mendes Ferreira destacou, em seu pronunciamento, que a experiência em Goiânia foi uma verdadeira “pandemia radioativa”, um aprendizado de como lidar com uma situação desconhecida. A experiência adquirida aqui se tornou uma referência mundial na prevenção de ocorrências semelhantes. O que nós aprendemos aqui, estamos transmitindo a outras gerações, para que nunca mais isso volte a ocorrer. A Comissão Nacional de Energia Nuclear também teve seu aprendizado em Goiânia”, afirmou.
De acordo com o físico, ainda hoje, muitos perguntam se a CNEN estava preparada para a situação. “Evidentemente que nós tínhamos dificuldade de trabalhar e foi aqui que aprendemos”, pontuou Walter, com os números vivos na memória. Segundo ele, a CNEN enviou 382 servidores para a capital goiana, e eles permaneceram em Goiânia de 29 de setembro a 21 de dezembro, quando a cidade foi descontaminada. Walter também mencionou outras 786 pessoas do Estado e do município que trabalharam incansavelmente. “Somos todos merecedores”, salientou.
Emocionado, Walter destacou o trabalho da médica Maria Paula Curado, a quem chamou de “audaciosa”, por sua atuação no isolamento dos pacientes no Estádio Olímpico. “Com o auxílio de todo o Estado, o entendimento do então governador de Goiás, Henrique Santillo, essa mulher, médica audaciosa, merece o nosso agradecimento”. O físico fez questão de mencionar ainda outros profissionais envolvidos e os técnicos da CNEN, que por três meses deixaram suas famílias para cumprir a missão de servidores públicos.
O acidente em Goiânia é considerado um case de referência internacional no que diz respeito a arcabouços legais planos de emergência e novos aspectos regulatórios, principalmente junto à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), centro das Nações Unidas para assuntos nucleares e acidentes radiológicos, segundo Walter. Para ele, contudo, o grande diferencial foi o tratamento humanizado dado às vítimas. Jornais da época relatam que os técnicos da CNEN chegaram a Goiânia como “desconhecidos” e saíram como “heróis”. Walter destacou a importância da mídia como uma grande aliada, na ocasião.
Discriminação
Não bastasse o drama enfrentado pelas vítimas, a população goiana enfrentou muito preconceito e discriminação, o que sensibilizou as equipes técnicas ao longo de todo o período de atendimento. E foi justamente essa a razão que levou o presidente da Alego, Bruno Peixoto, a propor a sessão solene. Ele recordou que tinha 13 anos quando ocorreu a tragédia do Césio-137 e compartilhou uma experiência vivida com sua turma na escola, que na época foi a São Paulo para participar de um festival promovido pela instituição.
“Quando chegamos lá, cerca de 30 jovens se afastaram de nós. Eles diziam: 'Olha, os goianos do Césio.' Todos se distanciaram, e nós ficamos isolados, até mesmo durante o show. Naquele dia, compreendemos o que cada um de vocês enfrentou, e o que muitos ainda enfrentam”, disse Peixoto, lembrando os projetos que já apresentou em benefício das vítimas e crescentando que os radioacidentados podem contar com o apoio da presidência da Assembleia Legislativa.
Maria Paula Curado também fez uso da palavra. A médica recitou o poema Resíduo, de Carlos Drummond de Andrade, usando excertos como “de tudo ficou um pouco” para expressar que todos os envolvidos no acidente ficaram com um pedaço dela, assim como um pouco dela ficou com todos. Ela diz que até os dias de hoje tem o sentimento de compaixão e de solidariedade. “Como médica, eu não me sentia à vontade vendo aquela situação sem ajudar. Por isso que eu fui voluntária. Essa homenagem me emociona porque a gente não faz as coisas esperando uma homenagem, a gente faz pelas outras pessoas, para ajudar”.
A diretora-geral do Centro Estadual de Assistência aos Radioacidentados Leide das Neves (Cara), Glauciene Umbelina de Freitas Esteves, destacou a rede colaborativa que se formou. “Todas as pessoas que estão sendo homenageadas são merecedoras. Até os nossos servidores dos serviços gerais hoje estão aqui, porque eles também fazem parte desse cuidado no acolhimento às vítimas. A parceria com a CNEN, por meio do doutor Walter, muito nos engrandece, porque os trabalhos foram exitosos e hoje nós temos aí os resultados dessa união”, afirmou Glauciene Umbelina de Freitas Esteves.
Além dela, foram homenageados o secretário de Estado da Saúde de Goiás, Rasível Santos, representado pelo subsecretário de Vigilância e Atenção Integral à Saúde, Luciano de Moura Caralho; e a psicóloga e escritora Suzana Helou, uma das organizadoras do livro Césio 137: Consequências Psicossociais do Acidente com o Césio em Goiânia.
No encerramento da cerimônia, o jornalista e poeta Adalberto Monteiro declamou o poema Superar as dores, sim! Esquecer jamais!, em que faz um histórico emocionante do acidente.
Texto: Ana Paula Freire Artaxo