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Vigilância em Saúde
Saúde Única como estratégia para uma política integrada no SUS
A ideia de Saúde Única, embora recente no centro das discussões globais, não é um conceito novo. Suas raízes remontam ao século XIX, mas foi nas últimas décadas que ganhou força, especialmente diante do surgimento de doenças infecciosas emergentes, ainda mais evidenciadas pela pandemia da Covid-19 e dos impactos das mudanças climáticas.
O conceito de Saúde Única, que busca integrar as dimensões de saúde humana, animal e ambiental, foi destaque do webinário "O Controle Social na Perspectiva da Saúde Única", promovido pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), na segunda (9/09), com transmissão no YouTube do CNS.
“Para enfrentar os desafios sanitários contemporâneos, é necessário um esforço conjunto e multidisciplinar, envolvendo diversos setores da sociedade, governos, e a própria população”, ressaltou a conselheira nacional de saúde, Débora Melecchi, coordenadora da Comissão Intersetorial de Ciência, Tecnologia e Assistência Farmacêutica (Cictaf). Ela fez questão de lembrar que a Saúde Única é um campo multiprofissional e interdisciplinar que busca soluções para problemas que ultrapassam fronteiras nacionais, exigindo ações de vigilância e prevenção.
Vigilância Ampliada na Perspectiva da Saúde Única
Para a conselheira, essa intersecção entre saúde humana, animal e ambiental é fundamental para a formulação de políticas de controle e prevenção eficazes. Essas ações estão diretamente ligadas à vigilância e à promoção da saúde.
“A vigilância vai além de olhar apenas para vírus ou protozoários, abrangendo qualquer agente causador de doenças. Ela considera o todo: a saúde animal, humana e ambiental. Para além dos microrganismos, há o ambiente que também influencia o processo saúde-doença. A conservação do meio ambiente, através de atividades essenciais como a coleta de resíduos sólidos urbanos e o fornecimento regular de água potável, são exemplos de como essas questões se conectam diretamente à vigilância e impactam a saúde”, reforça.
Ela fez questão de resgatar o papel constitucional da proteção da prevenção e promoção da Saúde atribuído ao SUS, que não pode ser dissociada de fatores socioeconômicos, como desemprego, fome e miséria, que afetam diretamente as condições de vida das populações.
Desafios e Oportunidades para Implementar a Saúde Única no Brasil
Em 2024, o governo brasileiro deu um passo importante ao transformar a Secretaria de Vigilância em Saúde no Ministério da Saúde em Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Essa mudança reconhece a interdependência entre a saúde humana, animal e ambiental, reforçando a necessidade de políticas públicas integradas.
Para Débora Melecchi, no entanto, para que a Saúde Única se torne uma estratégia efetiva, ainda há desafios a serem enfrentados, como o financiamento sustentável do Sistema Único de Saúde (SUS) e o combate à desinformação.” A financeirização da saúde, impulsionada por interesses de curto prazo, ameaça o princípio de que saúde é um direito universal, e não uma mercadoria. Nesse contexto, a Saúde Única surge como uma resposta para reduzir desigualdades sociais e articular ações entre diferentes setores e a sociedade civil.”
Uma só Saúde e a participação social
A conselheira nacional de saúde, Fernanda Magano, ressaltou a importância da participação social na abordagem de Saúde Única, enfatizando seu papel fundamental na vigilância constante e na participação ativa nas políticas de saúde.
“A gente chama aqui na perspectiva da Saúde Única ou Uma só Saúde nesse elemento maior ainda da saúde humana, saúde ambiental e saúde animal para que a gente possa fazer a referência dessa pactuação de fiscalizar, de acompanhar as premissas de saúde na relação direta de todas essas determinações dos serviços de saúde.”
Ela também mencionou a importância da participação social em todas as esferas — municipal, estadual, nacional e até internacional. Magano destacou que o conceito de Saúde Única está alinhado com os objetivos da Agenda 2030, refletindo a crescente internacionalização e a troca de experiências entre o Brasil e outros países no campo do controle social e da saúde.
Já o conselheiro Carlos Fidelis, presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), trouxe reflexões sobre diálogos possíveis em relação ao conceito Uma Só Saúde, segundo ele com o objetivo de aprimorar ou superar conceitos e traçar pontos de contato com outras perspectivas. Ele aponta que embora promova uma abordagem holística que integra a saúde humana, animal e ambiental, sua implementação frequentemente desconsidera fatores cruciais como as dinâmicas econômicas destrutivas e a falta de engajamento com as ciências sociais. Um enfoque limitado e insuficiente para enfrentar os desafios ambientais e sociais que a humanidade enfrenta atualmente.
“Existe uma grande ausência do sistema econômico que engloba essas três esferas (animal, ambiental e humana). Essa lacuna é especialmente marcante, pois o sistema econômico dominante transforma tudo em propriedade privada e mercadoria. Esta dinâmica econômica se estrutura entre classes dominantes e classes dominadas, onde a exploração, a desigualdade e a busca pelo lucro prevalecem sobre o bem comum. A competição desenfreada, que ameaça a sobrevivência do planeta, ocupa o lugar da solidariedade.”
João Alves Júnior, conselheiro nacional de saúde, destacou que a discussão sobre o conceito de Saúde Única trouxe uma ótica muito pouco debatida: a do controle social. Ele ressaltou a importância de transformar Saúde Única de um conceito teórico em uma abordagem prática para o planejamento e a implementação de políticas de saúde. “ Só será possível se integrarmos a Saúde Única nas políticas públicas, especialmente na Política Nacional de Vigilância em Saúde. O objetivo é ampliar e fortalecer os princípios e diretrizes do SUS, não se contrapor a eles.”
O webinário, proposto pela Comissão Intersetorial de Vigilância em Saúde (CIVS) do Conselho Nacional de Saúde (CNS) é organizado em conjunto com a Rede One Health Brasil (OHB) e o Grupo de Trabalho Uma Só Saúde do Ministério da Saúde (MS), com o apoio do 59º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (MEDTROP 2024).
A ação faz parte da mobilização para a oficina "Desafios para a Implementação da Saúde Única/Uma Só Saúde em um Cenário de Mudanças Climáticas", que acontecerá nos dias 21 e 22 de setembro, em São Paulo, durante o Congresso de Medicina Tropical.
Confira a transmissão: para saber mais assista no youtube o Webinário oficina "Desafios para a Implementação da Saúde Única/Uma Só Saúde em um Cenário de Mudanças Climáticas
Elisangela Cordeiro
Conselho Nacional de Saúde