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Financiamento
Para além de garantir financiamento, é preciso diminuir o gasto privado em saúde, afirmam especialistas em seminário do CNS
Marcelo Camargo / Agência Brasil
Superar os gastos públicos de saúde com investimento no SUS, em relação aos gastos com o setor privado. Essa foi a tônica do Seminário Interfaces público-privadas nos gastos em saúde e o financiamento adequado e suficiente para o SUS, promovido pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) com apoio da Associação Brasileira de Economia da Saúde (Abres).
O seminário foi proposto pela Comissões Intersetoriais de Saúde Suplementar (Ciss) e Orçamento e Financiamento (Cofin) do CNS, e surge a partir de propostas da 17ª Conferência Nacional de Saúde que versam sobre o tema.
Para a conselheira Ana Navarrete, coordenadora da Ciss, para avançar no debate sobre equidade é preciso pensar no papel do setor privado no aprofundamento de desigualdades no país. “O mercado privado atende um quarto da população, a porção mais branca e mais rica, e concentra 60% dos recursos aplicados hoje. Enquanto o SUS com 40%, responde pelos demais três quartos da população brasileira”, destacou a conselheira.
Francisco Funcia, consultor do CNS e presidente da Abres, ressaltou a timidez das reformas e as ideias de flexibilização das regras fiscais, apesar do avanço representado pelo fim da EC 95. Para Funcia, a instabilidade sobre o piso de aplicação de recursos em saúde e educação voltou para esfera federal, em uma contradição dentro do próprio governo.
“O que a gente percebe é que ao longo dos anos, sempre que há imposições de cumprimento de regras fiscais, sempre se coloca a necessidade de rever conquistas históricas, como o piso vinculado da saúde e educação, que ajudaram a construir o direito de cidadania”, destaca o consultor.
Para Funcia isso é importante porque se relaciona com a renúncia fiscal dos serviços privados de saúde, pouco discutida com a sociedade em geral. “O gasto público em saúde em países desenvolvidos é maior que no Brasil. A implicação disso é que a forte presença do setor privado acaba condicionando as políticas públicas de saúde. Precisamos inverter o peso dessa participação do gasto público e buscar novas fontes de financiamento”.
Já Artur Monte Cardoso, professor de Política e Planejamento em Saúde no Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (Iesc), levantou a complexidade das relações entre público e privado e da afirmação do SUS dentro de seu projeto constitucional. “Não conseguimos ampliar o gasto público de saúde de forma significativa, enquanto os gastos com planos continuaram crescendo.”
O pesquisador ainda abordou a competição gerada entre os subsistemas e a implicação na assistência, tanto para atrair profissionais de saúde, como fornecedores de equipamentos e insumos.
André Luiz Oliveira, coordenador da Cofin, explicou que com a revogação da Emenda Constitucional 95, que congelava os gastos em saúde, voltamos aos moldes na EC 86, mas isso não significa maior ou melhor financiamento adequado e suficiente ao SUS.
“A gente quer resgatar aquilo que surge como anseio popular, precisamos entender que existem cenários de grande preocupação. Ideias que não são favoráveis ao que os princípios do Sistema Único de Saúde prezam e defendem, muitas vezes aparecem e caminham a passos largos”, afirma André.
Fernando Pigatto, presidente do CNS, rememorou que desde de 2016 mais de 60 bilhões foram retirados da saúde, em projeto que envolve ainda a privatização dos serviços essenciais. “Em 2023 retomamos parte do orçamento com a PEC da Transição, mas ainda é insuficiente. Precisamos continuar trabalhando para o financiamento público adequado e para que o controle social cada vez mais tenha seu papel de decidir sobre as políticas públicas”.
O representante do Departamento de Economia da Saúde, Investimento e Desempenho do Ministério da Saúde (Desid/MS), Anderson José Rocha, abordou a complexidade dos gastos em saúde e a dificuldade de apurar e consolidar as contas da saúde, especialmente com o grande volume de dados de estados e municípios.
Na mesa da tarde, a abordagem foi sobre o quanto as isenções fiscais para serviços de saúde representam de recursos que o Estado brasileiro deixa de arrecadar. Dois dos estudos mais relevantes e atuais hoje disponíveis foram divulgados, um conduzido pelo Diretor de Desenvolvimento Institucional do Ipea, Fernando Gaiger, e outro organizado pelo Ieps, apresentado pela pesquisadora Marcella Semente.
A representante da Abres, Mariana Alves, apresentou uma proposta de financiamento do SUS pensada para reverter o quadro atual, de gastos privados superando os gastos públicos. A moderação ficou por conta da pesquisadora da Fiocruz, Isabela Soares Santos.
Outros cenários de grande preocupação para o financiamento do SUS levantados foram o aumento do gasto com Emendas Parlamentares na saúde, a transição demográfica da população, judicialização da saúde, entre outros.