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Programa Nacional de Saneamento Rural
Não é só por saneamento, mas por território, saúde e estratégia de inclusão e mitigação das mudanças climáticas
O Conselho Nacional de Saúde (CNS) está trabalhando na elaboração de uma recomendação com o objetivo de garantir celeridade na implementação do Programa Nacional de Saneamento Rural (PNSR). A iniciativa deve ressaltar a urgência de institucionalizar o programa, garantindo que ele se torne uma política pública abrangente, capaz de atender às populações rurais e enfrentar os desafios impostos pela crise climática em curso.
A iniciativa foi discutida durante a 77ª Reunião Extraordinária do Conselho Nacional de Saúde, realizada no dia 11 de outubro. A criação de um subprograma específico no PNSR para atender comunidades indígenas e quilombolas, priorizando critérios de saúde pública e estabelecendo uma coordenação, entre estados e municípios, para ampliar o acesso ao saneamento também esteve entre as discussões destacadas.
A decisão acontece em meio a avaliação de que o Programa Nacional de Saneamento Rural, iniciado em 2015, tem apresentado poucos avanços em termos de metas e ações. Essa é a conclusão do Grupo da Terra, que recentemente avaliou a implementação das diretrizes previstas no programa. A análise destaca a necessidade urgente de retomar o debate, especialmente em relação à governança do programa e à garantia de um orçamento público que viabilize sua execução.
Para o Coordenador da Comissão Intersetorial de Políticas para Equidade do Conselho Nacional de Saúde (CIPPE/CNS), Júnior Pontes, diante desse cenário, é fundamental que se estabeleçam ações direcionadas ao saneamento rural, com foco nas reais necessidades das populações que vivem no campo, na floresta e nas áreas ribeirinhas. ”Afinal, quando falamos de saneamento rural, falamos de salvar vidas e promover saúde pública para essas comunidades. O sonho de um campo mais equânime só será possível com um programa nacional de saneamento rural que dialogue diretamente com os anseios dessas populações e ofereça soluções concretas para os desafios enfrentados.”
Dívida histórica
A disparidade na cobertura de saneamento entre áreas urbanas e rurais é realmente alarmante, conforme destacou Alexandre Pessoas Dias, pesquisador e professor da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fiocruz. A falta de saneamento adequado impacta diretamente a vida das populações do campo, das florestas e das águas. "O saneamento rural é uma dívida histórica do Estado brasileiro”, afirmou Dias, reforçando a importância de institucionalizar o PNSR.
Ele ainda ressaltou que a crise hídrica, agravada pelas mudanças climáticas, torna ainda mais urgente a implementação do PNSR. "O tempo está passando, e faço um apelo para que o programa se concretize e ganhe efetividade, especialmente neste governo", afirmou. O professor ressaltou ainda que o saneamento é uma ação estratégica indispensável para enfrentar as emergências climáticas, sendo fundamental para a adaptação às novas realidades ambientais. "Não há como lidar com as emergências climáticas sem avançarmos com o saneamento rural".
Por fim, o pesquisador alertou sobre a necessidade de fortalecer a intersetorialidade, a mobilização e a comunicação social em torno da pauta do saneamento rural. "Se não houver uma intervenção, a insegurança hídrica irá aumentar, agravada pelas mudanças climáticas e pelo déficit de saneamento", advertiu.
Direito humano
Elionice Conceição Sacramento, da Articulação Nacional de Pescadoras, trouxe à discussão outro aspecto relevante: a privatização da água por grandes latifundiários, que impede o acesso das comunidades tradicionais a esse recurso básico. "O rio passa pela nossa porta, mas o fazendeiro privatiza a água. Estamos aqui para discutir a continuidade de um recurso vital que precisa ser institucionalizado", afirmou, ressaltando que a luta por saneamento é também uma luta pela soberania territorial.
Sacramento destacou que o debate não se restringe ao saneamento, mas à reforma agrária e à resistência contra os interesses do capital que comprometem o direito das comunidades de permanecerem em seus territórios.
Não é só por saneamento, mas por território
“Existe uma ação orquestrada. Não é por acaso que as políticas públicas não nos alcançam. O debate que a gente tá fazendo aqui não é simplesmente o do saneamento, mas o debate do interesse pelo nosso território, que também é o interesse do Capital. O debate que a gente tá fazendo aqui é o da reforma agrária.”
Nas palavras de Elionice, a luta por saneamento vai além do acesso à água. Trata-se de uma questão de soberania territorial e resistência frente aos interesses do capital. "O debate aqui é sobre reforma agrária, sobre o direito de permanecermos em nossos territórios. E esse direito tem sido inviabilizado por alianças políticas que colocam o capital acima da vida", declarou.
Ela finalizou ressaltando que é preciso avançar para que o direito dessas populações seja respeitado e implementado, mediante a institucionalização do PNSR nas múltiplas dimensões (abordadas durante a reunião), com a governança não só do estado, mas dos territórios com as experiências locais consideradas. “ Que ele [PNRS] também não perca de vista a dimensão da comunicação e da formação. Assim, a sociedade brasileira precisa conhecer esse programa melhor e a gente precisa avançar no sentido do direito humano da população do campo da floresta e das águas, das mulheres ser respeitado e implementado”, declarou.
O presidente da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Alexandre Mota, destacou que a institucionalização do Plano Nacional de Saneamento Rural (PNSR) é essencial e trata-se de um instrumento fundamental na organização do debate e da ação pública, além de ser crucial para sensibilizar os agentes públicos tomadores de decisão sobre a necessidade de uma abordagem diferenciada para o meio rural. “A Funasa sempre atuou no saneamento básico, reconhecendo-o como um elemento essencial para melhorar a qualidade de vida e a saúde das pessoas. No contexto da crise climática, o saneamento básico adquire uma nova dimensão: torna-se um instrumento de sobrevivência.”
Retomar o debate sobre o PNSR é urgente, pois sua institucionalização e a estruturação de sua gestão são passos essenciais. É preciso superar a ideia de que primeiro devemos atualizar o plano para, só depois, institucionalizá-lo. A institucionalização do PNSR é fundamental para o enfrentamento da crise climática e para a melhoria das condições de vida das populações do campo, das florestas e das águas.
Elisângela Cordeiro
Conselho Nacional de Saúde