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Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher precisa ser interseccional para assegurar direito à saúde
Foto: ASCOM/CNS
Como avaliar se uma política pública de saúde é interseccional e atende todas as demandas e diversidades as quais se propõe? Após vinte anos desde sua criação, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM) está contextualizada em um país cujo 52,8% da população é formada por mulheres. São elas também que formam maioria seja nos postos de trabalho do Sistema Único de Saúde (SUS), seja no número de atendimentos. A Pesquisa Nacional de Saúde de 2019 já revelava que dos 17,3 milhões de atendimentos na Atenção Primária à Saúde daquele ano, 69,9% foram destinados às mulheres; 60,9% delas pretas ou pardas.
Na 352ª Reunião Ordinária do CNS, a PNAISM foi colocada em pauta por meio da Comissão Intersetorial de Saúde da Mulher (Cismu/CNS), que focou no conceito de interseccionalidade para compreender os avanços e os desafios desta política. Damiana Neto, coordenadora geral da ONG Ação de Mulheres pela Equidade (AME), abriu as discussões da mesa provocando uma reflexão. “A PNAISM dá conta de atender e entender este conceito de interseccionalidade? Nos seus serviços e no seu dia a dia, as pessoas conseguem aplicar o que é interseccional?”, questiona.
Ela reforça que mulheres trans, lésbicas, ribeirinhas ou com deficiência, por exemplo, devem ter seus direitos sanitários assegurados nesta política. “Precisamos pensar qual a relação da interseccionalidade com as políticas públicas para as mulheres e compreender que estamos atrasadas e muito nessa discussão”.
Intersecção de elementos
Sobre o conceito de interseccionalidade, Damiana menciona uma valiosa lista de mulheres intelectuais norte-americanas e brasileiras, como a idealizadora do termo, Kimberlé Crenshaw, além de Patrícia Hill Collins, Bell Hooks, Lélia Gonzalez, Maria Beatriz Nascimento e Carla Akotirene. “Falar de interseccionalidade integra vários elementos: orientação sexual, classe, identidade de gênero, dentre outros. Mas não posso negar que a questão racial é evidente. Como os profissionais de saúde enxergam as mulheres que chegam para receber atendimento que lhe é de direito? Essa leitura passa pela intersecção de elementos, que muitas vezes vão determinar um acesso ao cuidado”, finaliza.
Desafios e perspectivas
Ampliar e aprimorar indicadores e metas, pensar em estratégias para efetivar as políticas de equidade no SUS com mecanismos para reduzir o processo de fragmentação e pressupor a integração das políticas de equidade a partir do conceito de interseccionalidade são alguns dos desafios apontados na mesa.
Priscila Brito, que atua na coordenação de atenção à saúde da mulher do Ministério da Saúde do MS, reforça que falar da PNAISM é falar sobre a saúde da maioria da população brasileira, e isso deve ser feito considerando todos os ciclos de vida e todas as especificidades. “É preciso considerar a diversidade de mulheres e olhar para aquelas que estão em situação de vulnerabilidade. As políticas para mulheres focam muito no período da gravidez, e não focam no sentido da autonomia do corpo”, revela.
Conselheiro nacional de saúde e representante da Rede Nacional de Religiões Afro Brasileiras e Saúde (Renafro), Doté Thiago alertou sobre a invisibilidade total das mulheres trans dentro das políticas de saúde. “A dificuldade para que pessoas trans, aqui falando de mulheres, para entrar no sistema e como elas são encaradas até mesmo nos ambulatórios trans deve ser revisto”.
Já Beto Pereira, presidente da Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB) e também conselheiro de saúde, chama atenção para o dado que 10% da população brasileira é composta por mulheres com deficiência. “Esses dados sobre meninas e mulheres com deficiências deveriam ser acessíveis e considerados pelos sistemas, já que elas ainda têm dificuldade para acessar os serviços da saúde. Que essas mulheres e meninas não sejam sempre as outras, pois elas são também quilombolas, ribeirinhas, ciganas, do campo e das florestas”, finalizou.
A coordenadora do Cismu, Helena Ferreira Magalhães, da União Brasileira de Mulheres, avalia que o tema é fundamental para que sejam proporcionadas políticas públicas que alcancem toda a população, principalmente a população em condições precárias de vida e de pouco acesso à saúde. “Vivemos um momento muito especial e a própria ministra da saúde, no dia das mulheres, apontou para que as políticas públicas possam observar os determinantes de classe, gênero e raça, e principalmente o combate ao racismo, fator histórico que é preciso ser avançado dentro das políticas públicas”.
Procure saber
- Por um feminismo afro-latino-americano - Lélia Gonzalez
- Interseccionalidade - Carla Akotirene
- O negro visto por ele mesmo: ensaios, entrevistas e prosa -Maria Beatriz Nascimento
- Interseccionalidade - Patrícia Hill Collins e Sirma Bilge
- E eu não sou uma mulher? Mulheres negras e feminismo - bell hooks
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