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Oficinas da Cofin desvendam os caminhos do dinheiro do SUS
Foto: ASCOM/CNS
É possível acompanhar de perto se as verbas destinadas ao SUS estão sendo repassadas corretamente e como estão sendo usadas. Parece uma tarefa difícil – e é –, mas com uma boa dose de prática e com as ferramentas corretas, o desafio pode ser enfrentado com sucesso.
Para conselheiros e conselheiras de saúde, isso é fundamental. Para quem integra as comissões responsáveis pelo acompanhamento e fiscalização das execuções orçamentárias, mais ainda.
Por isso, a Comissão Intersetorial de Orçamento e Financiamento (Cofin), do Conselho Nacional de Saúde (CNS), está realizando um ciclo de Oficinas Macrorregionais pelo país, intituladas “Perspectivas do financiamento adequado e suficiente para o SUS”. Nos últimos dias 19 e 20 de março, aconteceu em Manaus, capital do Amazonas, a terceira oficina do ciclo, voltada para conselheiros e conselheiras estaduais e municipais da Região Norte.
No encontro em Manaus, foi possível observar que parte significativa do conteúdo das oficinas tem aplicação prática, ao desvendar caminhos existentes para que os conselhos municipais e estaduais possam cumprir sua função de fiscalizar os orçamentos federal, estadual e municipal do SUS e de contribuir para o aperfeiçoamento de seus usos.
“Estamos compartilhando experiências e trazendo ferramentas, inclusive aplicativos, para que conselheiros e conselheiras tenham à disposição os dados referentes aos repasses feitos para cada município deste país”, comentou o coordenador da Cofin, André Luiz de Oliveira.
A oficina foi dividida em quatro painéis, com a presença de especialistas e também de técnicos do governo federal que atuam no setor. As exposições estiveram abertas a perguntas e propostas do plenário.
Na palma da mão
No primeiro debate, o diretor-executivo do Fundo Nacional de Saúde (FNS), Dárcio Guedes Jr, apresentou dispositivos de acompanhamento dos repasses da União para a saúde pública. “Tudo o que o governo federal repassou ontem, já está lá”, afirmou Dárcio. O diretor se referia ao Portal FNS, nas abas Painel de Informações e InvestSUS.
O InvestSUS pode ser usado também no formato aplicativo para celular, em três modalidades. Uma delas, o InvestSUS Cidadão, que pode ser baixado para Android e iPhone, chega ao detalhamento sobre como e onde as verbas repassadas estão sendo usadas pelas prefeituras.
“Enviar o dinheiro é um dever, e ajuda. Enquanto não houver recursos suficientes, nós não podemos descansar. Mas só isso não resolve. Os conselhos de saúde são os guardiões para que o dinheiro existente seja aplicado de acordo com os pilares que sustentam o SUS”, disse Dárcio.
Há outras duas versões do InvestSUS, a Gestão, voltada preferencialmente para gestores, e Painéis, em que os destinos dos recursos são apresentados por blocos temáticos. Ambas estão disponíveis para Android e iPhone. Usadas de forma integrada e complementar, as três apresentam uma ampla radiografia sobre o papel desempenhado pelo governo federal, os governos estaduais e prefeituras no uso do orçamento do SUS. É possível detectar se há dinheiro parado, faltando ou usado incorretamente.
“Com ferramentas como essas, os conselheiros podem obter dados sobre sua região de atuação e falar com propriedade quando fizerem suas intervenções junto ao poder público e à população”, comentou Mauri Bezerra, coordenador-adjunto da Cofin do Conselho Nacional de Saúde.
Outro aplicativo à disposição é Emenda Parlamentar, que, segundo o diretor Guedes, facilita o acompanhamento das emendas parlamentares destinadas a ações de saúde.
Capacitação e interesse
O portal do FNS também traz um sistema de monitoramentos de obras financiadas com dinheiro público para a área da Saúde, o Sismob, e um de gestão integrada de instrumentos, o SEMS, reunindo num único espaço as atividades de financiamento, antes dispersas pelas superintendências estaduais.
Mas o principal destaque da exposição do diretor do FNS foi mesmo o InvestSUS Cidadão, por sua praticidade e amplitude.
Para Vanilce Lima, conselheira municipal de saúde de Manaus e representante do segmento gestor, usar essas ferramentas não é tão difícil quanto pode parecer à primeira vista.
Vanilce reconhece que o fato de trabalhar na área de planejamento da secretaria municipal de Saúde ajuda no uso das ferramentas. “Sim, eu tenho afinidade e prática, mas acredito que com uma boa capacitação, como esta que estamos tendo aqui, o trabalho pode ser simplificado”, avaliou. “Ter interesse genuíno é o primeiro passo”.
Na exposição seguinte, a oficina abordou os conteúdos e o uso do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (Siops), outra ferramenta da gestão federal. É dever das administrações estaduais e municipais inserir no Siops as informações sobre o uso dos recursos destinados ao SUS. É por intermédio desse sistema que se pode aferir se os percentuais mínimos obrigatórios estão sendo cumpridos. O Siops é, portanto, uma das matrizes de dados que alimentam as ferramentas desenvolvidas pelo Fundo Nacional de Saúde.
O que é gasto em saúde
O principal ponto desenvolvido pelo palestrante Paulo César Malheiros, economista e técnico do Departamento de Economia e Desenvolvimento em Saúde, do Ministério da Saúde, foi a identificação de quais ações e investimentos podem e devem ser verdadeiramente considerados, à luz da legislação, como gastos em saúde.
Malheiros apresentou exemplos. “Uma estrada de terra que conduzia as pessoas ao hospital da cidade foi asfaltada. Isso diminuiu a dificuldade para as ambulâncias chegarem até lá, facilitou o atendimento das emergências. Isso é gasto em saúde? O recurso deve sair de qual secretaria?”, questionou ele.
O público respondeu que a secretaria de obras é quem deveria dispor do recurso, e que, portanto, o valor não deve ser computado como gasto em saúde e ser inserido nos valores mínimos obrigatórios.
Os demais exemplos não foram tão simples de desvendar. Verbas para hospitais exclusivos de funcionários públicos, construção de praças, obras de saneamento, ações de assistência social, entre outras, embora possam contribuir para um ambiente de melhora nos índices, não devem entrar na conta dos gastos obrigatórios em saúde.
“Se você estiver atento e puder separar esses investimentos, pode descobrir se a prefeitura está ou não cumprindo a aplicação correta em saúde, sem inflar artificialmente o orçamento”, concluiu Malheiros, destacando que a principal referência para o debate é a Lei Complementar 141/2012.
Saúde versus juros
Flávio Tonelli Vaz, que conduziu a terceira exposição e rodada de debates, falou sobre a disputa que existe em torno das verbas destinadas à saúde pública. Em resumo, o maior adversário do SUS é o pagamento de juros da dívida pública. “Há dois grandes grupos de interesse. Um, é o interesse do povo por melhores serviços públicos. O outro, os que recebem juros”, disse Tonelli, advogado especialista em orçamento e assessor da Câmara dos Deputados.
A disparidade de armas entre esses dois grupos atingiu o ponto máximo entre 2017 e final de 2022, quando esteve em vigência o teto de gastos, criado por Michel Temer. “As despesas públicas não podiam crescer mais do que a inflação, mesmo se o país ficasse mais rico e aumentasse sua arrecadação”, disse Tonelli.
Mesmo com o fim do teto, essa disputa ainda é dura. “Por isso que temos hoje quase R$ 700 bilhões anuais para pagamento de juros e R$ 230 bilhões para a saúde pública”, comparou ele.
O desequilíbrio cresce, segundo Tonelli, à medida em que o bloco dos juros tem autonomia. “Qual gestor pode decidir sozinho se vai aumentar os recursos para a saúde? Nenhum. Mas o Banco Central pode decidir sozinho se aumenta os juros”.
Emendas pix, um perigo
Há um novo fator de risco no horizonte, alertou Tonelli. As chamadas “emendas pix”, também conhecidas como emendas impositivas, substituíram o orçamento secreto, o que representa um avanço. Mas, quando um deputado destina uma emenda como essa para a saúde de um município – geralmente de sua base eleitoral –, essa emenda não está sujeita ao controle do Tribunal de Contas da União, nem do Ministério da Saúde.
“Este é um problema novo, e cabe aos conselhos ficar de olho. Em um ano, é provável que denúncias sobre desvios desses recursos, fraudes, vão crescer tanto, que o clamor por menos verbas para a saúde vai aumentar na mídia e nos opositores do SUS”, advertiu.
Segundo ele, os tribunais de contas dos estados e municípios ainda têm a prerrogativa de acompanhar o destino dessas emendas, porém, a fiscalização dos conselhos estaduais e municipais serão mais essenciais que nunca, inclusive sobre os próprios tribunais.
Tonelli também fez uma proposta aos conselheiros e conselheiras presentes: “Vocês poderiam pensar numa forma de traduzir o que são os investimentos em saúde, para uma melhor compreensão do público. Quando um gestor fala em ‘100 milhões’ ou algo assim, para a maioria das pessoas isso é algo intangível, pode parecer um dinheiro imenso, se comparado com o prêmio da Mega Sena, por exemplo”.
“Temos que exigir saúde, a sociedade quer ação, não ouvir falar em dinheiro. Nosso papel é fazer essa tradução, porque o gestor tem espaço para iludir, quando o referencial é medido em reais”, completou.
Decifra-me ou te devoro?
Não é pequeno o conjunto de leis e regras que regulamenta a questão orçamentária da saúde. Francisco Funcia, especialista no tema e consultor do CNS, ao apresentar no quarto painel da oficina em Manaus noções básicas e operativas do ciclo orçamentário, reconheceu a complexidade da legislação.
Mas, sobretudo, defendeu a conveniência das regras para o orçamento público. “A lei vale para o setor público porque o gestor não é dono do dinheiro. O dono é o interesse público. O dono de uma rede de hospitais privados pode decidir fechar uma unidade que não dá lucro. Mas o gestor público não pode escolher livremente”, comparou.
“Na região amazônica, por exemplo”, continuou, “há ocasiões em que um paciente precisa ser levado de barco, por mais de 20 horas, de uma unidade de saúde para um hospital equipado para atendê-lo. Isso tem um custo maior, se comparado ao gasto com transporte num centro urbano. Alguém poderia afirmar que se trata de um gasto desnecessário, um desperdício?”, questionou.
Funcia lembrou que, em 2019, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) apontou em relatório que o SUS tinha uma ineficiência da ordem de bilhões de reais na aplicação de seus recursos. Ele argumentou que a medida de eficiência precisa considerar gastos como o transporte fluvial, que não segue uma lógica da iniciativa privada, e que simplesmente cortar gastos não é solução. “A lei não engessa o setor público”, afirmou.
A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), aprovada pelo Congresso Nacional, traduz para o período de um ano as diretrizes do Plano Plurianual (PPA), e é a peça-chave desse quadro. A partir dela, o Plano Nacional de Saúde, assim como os planos estaduais e municipais, estabelece as diretrizes e as propostas. Cabe aos conselhos nacional, estaduais e municipais aprová-lo, cada qual em suas instâncias. “Do contrário, é irregular”, disse Funcia.
Papel ‘crica’
O especialista acrescentou que os conselhos de saúde, nas três instâncias, devem combinar o papel de fiscalização com o de construção de propostas, o que inclui estabelecer pactos com os governos, na perspectiva de cooperação, sempre que possível. Porém, determinadas situações exigem relações abrasivas: “Tem de ser ‘crica’, tem que incomodar. Melhor que os conselhos fiscalizem, cobrem, do que o Ministério Público”, disse.
Funcia também lembrou que o processo de planejamento orçamentário é ascendente, ou seja, é construído a partir dos municípios, refletindo a própria lógica das Conferências Nacionais de Saúde. Segundo ele, esse aspecto confere importância adicional ao trabalho dos conselhos municipais e estaduais.
Antes do encerramento da oficina, no dia 20, o coordenador da Cofin, André Oliveira, reforçou ao público presente que o CNS dispõe de materiais impressos e digitais com informações práticas para os processos de construção, monitoramento e fiscalização dos orçamentos da saúde. E que o ciclo de Oficinas Marcrorregionais “Perspectivas do financiamento adequado e suficiente para o SUS” segue por outras regiões do país.
André frisou também a realização das oficinas de formação do projeto Participa+, que percorrem o país em formatos presencial e virtual, cujo conteúdo abrange outros aspectos do trabalho de conselheiros e conselheiras. “São iniciativas que nosso Conselho tem para estreitarmos nossas relações e fortalecer o trabalho dos conselhos estaduais e municipais, e estão abertos a vocês”.
O conselheiro nacional de saúde Moysés Toniolo, integrante da Cofin, fez um apelo e uma oferta: “O nosso trabalho, o trabalho de conselheiros de saúde, é uma responsabilidade grande, social e política. É uma tarefa árdua, não é status, é ser ‘crica’ muitas vezes. Vamos voltar para a casa e levar esses conteúdos que vimos aqui para os nossos grupos, nossos locais de trabalho, e vamos debater com outras pessoas. Vamos estudar. E contem conosco, da Cofin, do CNS, para ajudá-los no que for preciso”.
Agenda
A oficina em Manaus foi a terceira do ciclo. Antes dela, foram realizadas oficinas em Florianópolis e Recife. Confira as próximas:
- Campo Grande - 16 a 18 de abril
- Fortaleza - 14 a 16 de maio
- Vitória - 4 a 6 de junho
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