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Movida por lucro, desinformação mina a confiança na saúde pública
Foto: ASCOM/CNS
O que as fake news e a desinformação sobre vacinação e outros temas relativos à saúde pretendem, de verdade, é produzir confusão na opinião pública para, assim, atacar o conceito de saúde coletiva e pública, desmoralizando-a, em favor da ideia de saúde privada.
É, em suma, um negócio, uma operação comercial, ardilosamente disfarçada de verdades e até mesmo em bobagens como “virar jacaré”, que usa milhões de incautos para compartilhá-las, produzir dúvidas e minar os sentimentos positivos que as pessoas possam ter em relação ao sistema público de saúde. No caso do Brasil, o SUS.
“Não importa se as pessoas vão acreditar, por exemplo, que tomar vacina vai fazer que elas virem jacaré. O que importa é o rumor, muito forte, que desinformações como essa causam”, argumenta Rose Marie Santini, professora da Escola de Comunicação da UFRJ, onde também coordena o NetLab, laboratório de investigação e monitoramento das redes e de desinformação digital.
Rose Marie foi uma das convidadas da mesa “Os Impactos da Desinformação na Saúde da População Brasileira”, realizada na quarta (13/03), como parte da 352ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Saúde (CNS), em Brasília.
As vacinas e a vacinação são o alvo predileto das fake news sobre saúde porque, diz Rose Marie, simbolizam de maneira muito forte ações coletivas e públicas de saúde, e assim são associadas no imaginário da maioria das pessoas.
“No Brasil, a produção de desinformação sobre saúde é maior do que sobre qualquer outro setor”, diz a professora, lastreada no monitoramento diário das redes sociais que o NetLab faz. “A saúde é a área mais difícil de ser atacada, porque é baseada em evidências, mas é a que mais sofre. Querem acabar com a ideia de saúde coletiva”, reforça.
“As pessoas são bombardeadas por informações desencontradas, falsas, duvidosas, ao ponto de se perguntarem: ‘será que é verdade?’”. Marie situou no tempo o início das ações coordenadas na rede contra a saúde pública: 2020, ano de pandemia.
Dever de cuidado
A desinformação nas redes atinge níveis epidêmicos, destacou o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do Projeto de Lei 2630 e um dos convidados para debater o tema na reunião do CNS. Se aprovado, esse projeto pretende regular plataformas digitais de redes sociais no Brasil. Um dos princípios do PL é o conceito de “dever de cuidado”.
“O projeto prevê atenção redobrada em determinados temas, análise permanente de riscos sistêmicos em temas como racismo, violência contra a mulher, contra infância e adolescência e ameaças à saúde pública. Isso é o que chamamos de dever de cuidado”, frisou Silva. Essa análise tem o objetivo de identificar riscos iminentes de crises públicas em áreas vitais e detê-las antes que se concretizem.
Silva exortou os movimentos sociais a se mobilizarem em defesa do PL 2630, fazendo pressão sobre o Congresso e manifestações nos espaços públicos. “Precisamos de força social, porque a correlação de forças no Congresso impede que tenhamos a força política necessária”.
Justificativa fake
As grandes plataformas digitais de comunicação e entretenimento, como a Meta, o Google ou o X costumam bradar que tentativas de regulação representam ataques à liberdade de expressão e exercício de censura.
Nada mais fake, segundo alertou Bia Barbosa, jornalista e integrante da Coalizão Direitos na Rede, do Diracom (Direito à Comunicação e Democracia) e conselheira do Comitê Gestor da Internet (CGI).
“Estamos falando das corporações que estão no topo das empresas mais poderosas do planeta. Elas não estão preocupadas com a liberdade de expressão, mas em manter um modelo de negócios em que a desinformação dá lucro”, disse.
O ciclo da desinformação é formado pela mentira ou distorção original, jogada na rede, que depois é reproduzida e compartilhada livremente, produzindo visualizações e cliques. Bia lembrou que esses cliques geram lucro, porque quanto mais gente visita um site, mais valor como canal publicitário esse canal vai ganhar e, portanto, mais dinheiro.
E se uma corrente política ou científica contrária começar a postar desmentidos, o mesmo acontece: mais visualizações, mais polêmica, mais lucro. Foi assim com os processos eleitorais recentes, desde 2018. Para além do SUS, a democracia é o alvo.
Bia também cobrou pressão social sobre o tema. “Enquanto não enfrentarmos como sociedade organizada, nossa democracia continuará sob risco, não apenas em período eleitoral, mas a cada decisão coletiva que a sociedade precisar enfrentar”.
Lacunas regulatórias
A conselheira nacional de Saúde Debora Melecchi, participante da mesa de debate, recordou a mobilização necessária, da qual o CNS fez parte, para a aprovação da Lei Geral de Proteção de Dados, em 2018. “Foi uma grande vitória, mas é preciso continuar a pressão e o debate por conta de lacunas regulatórias na questão das plataformas”, disse.
O pesquisador Francisco Pedroza, especialista em proteção de dados, chamou a atenção para a necessidade de fortalecer a segurança dos sistemas digitais em que o SUS guarda informações das pessoas que atende “Precisamos considerar de que maneira as plataformas podem se utilizar dos repositórios digitais em saúde. O SUS é fiel depositário desses dados”, lembrou Pedroza, professor da UFBA.
“É preciso desenvolver e seguir princípios arquivísticos confiáveis”, disse ele, que é co-autor do livro “Lei Geral de Proteção de Dados e o Controle Social da Saúde”. Para ele, o desafio cresce à medida em que o SUS pretende digitalizar toda a rede.
Saúde como alvo
A professora Rose Marie frisou que a regulação das redes e das plataformas é imprescindível, pois, do contrário, o que é difícil – localizar e desmentir fake news e responsabilizar os autores –, fica praticamente impossível.
“Nas redes, se pode tudo, inclusive dar golpe”, disse. Uma das mais recentes tendências da desinformação é criar conteúdos pseudocientíficos, com aparência séria, para dar suporte a mentiras e charlatanismos.
Ela lembrou que, em algumas situações, o dinheiro público acaba patrocinando a desinformação. “O dinheiro que financia o fundo partidário e o fundo eleitoral é usado por candidaturas e partidos para atacar a própria coisa pública, em conteúdos contra a saúde, por exemplo”.
Bia Barbosa lembrou que há mecanismos para rastrear grupos que incentivam ou produzem fake news e desinformação. “Há os robôs que disseminam mentiras, mas os atores que estão por trás são conhecidos. Temos que responsabilizá-los”, afirmou.
Ascom CNS