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Uma Só Saúde: abordagem integrada para enfrentar desafios globais de saúde e meio ambiente
Foto: Ascom/CNS
No cenário atual, a complexidade dos problemas que afetam a saúde da população, o meio ambiente e a saúde dos animais exige uma abordagem integrada. Este foi o principal destaque dos debates em torno da temática: “Uma só saúde e suas conexões entre a saúde humana, animal, vegetal e ambiental”, apreciada durante a 355ª Reunião do Conselho Nacional de Saúde (CNS), deste mês de junho.
As mudanças climáticas representam um desafio global que requer esforços intersetoriais em todas as esferas: local, regional e mundial. Populações vulneráveis, especialmente aquelas em áreas de difícil acesso e em contato direto com o meio ambiente, estão na linha de frente dos impactos negativos dessas mudanças. As queimadas, o desmatamento e as secas não apenas degradam o ambiente, mas também agravam a situação de saúde pública ao facilitar a propagação de doenças vetoriais, como as arboviroses. Essas alterações ambientais influenciam diretamente a incidência de doenças negligenciadas, muitas das quais são zoonóticas, como a Leishmaniose e a doença de Chagas, que são transmitidas por animais e afetam principalmente os mais vulneráveis.
Prevenção! E como atuar para que isso aconteça?
De acordo com Francisco Edilson de Lima, coordenador de Vigilância de Zoonoses e Doenças de Transmissão Vetorial do Departamento de Doença Transmissíveis (CGZV/SVSA/MS), para enfrentar esses desafios é essencial adotar uma abordagem que vá além da simples reação aos problemas. A prevenção, a predição e a preparação antecipada são estratégias muito mais eficientes e eficazes. A intersetorialidade e a colaboração entre diferentes áreas do conhecimento e setores da sociedade são fundamentais para mitigar os impactos das mudanças climáticas e promover a saúde global de forma sustentável e justa.
"Esses três entes — humanos, animais silvestres e plantas — estão intimamente ligados e são interdependentes. Isso reforça a necessidade de trabalharmos de forma mais integrada. Essa abordagem mobiliza diversos setores, disciplinas e comunidades em vários níveis da sociedade para promover o bem-estar e enfrentar as ameaças à saúde e aos ecossistemas.” destaca. Além disso, ela amplia a visão para incluir o acesso à água, energia, ar limpo, alimentos seguros e nutritivos, bem como o contexto das mudanças climáticas e do desenvolvimento sustentável. “Alguns desses problemas requerem ação imediata para garantir a sustentabilidade e o bem-estar das futuras gerações, enquanto outros já são desafios atuais que não podem esperar. Trabalhar de forma intersetorial e discutir os problemas de maneira interdisciplinar é essencial para a aplicação eficaz dessa abordagem.", completa.
O conceito de uma abordagem integrada e unificadora para enfrentar os desafios de saúde e meio ambiente tem ganhado força especialmente em tempos de crise sanitária. Introduzido em 2021, este conceito vem sendo amadurecido ao longo dos anos e revisitado durante crises, como a pandemia de influenza e, mais recentemente, a COVID-19. A atual crise global trouxe esse tema novamente à tona, reforçando sua importância.
João Alves do Nascimento Júnior, representante da Comissão de Vigilância e Saúde do CNS, destaca a importância da abordagem de "Uma Só Saúde". Ele aponta que as mudanças climáticas e seus efeitos catastróficos, como as enchentes e secas no Rio Grande do Sul, juntamente com as pandemias, que em sua maioria são de origem zoonótica, reforçam essa necessidade. Segundo a OMS, 75% das doenças emergentes são zoonoses, e quase metade das doenças de notificação compulsória envolvem animais em sua cadeia de transmissão. A crescente resistência antimicrobiana também evidencia a urgência de uma nova abordagem integrada que considere as interfaces entre a sanidade ambiental, a saúde animal e a saúde humana. João Alves enfatiza que essa perspectiva é essencial para planejar e avaliar políticas, planos e projetos de saúde.
Para evitar e controlar rapidamente problemas de saúde relacionados às zoonoses, é crucial adotar uma abordagem intersetorial e interdisciplinar. Trabalhando em vigilância, prevenção e controle, podemos integrar dados da saúde humana, animal e ambiental para prever e mitigar surtos de doenças. Por exemplo, a colaboração entre o Ministério da Agricultura e o Ministério do Meio Ambiente no Brasil permite ações mais eficazes em populações de animais de produção, silvestres e de estimação. Além disso, abordar questões como resistência aos antimicrobianos, segurança alimentar e os impactos das mudanças climáticas requer a participação ativa de diversos setores para garantir resultados sustentáveis e proteger a saúde das pessoas.
Articulação global
Um grupo de especialistas, formado por uma aliança quadripartite – a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), o Programa das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) – foi constituído para desenvolver diretrizes e orientações que ajudem os países a implementarem essa abordagem. Este enfoque visa equilibrar e otimizar de forma sustentável a saúde humana, animal, vegetal e dos ecossistemas, reconhecendo a interdependência entre esses elementos. Acredita-se que, com essa visão, será possível alcançar resultados mais sustentáveis a longo prazo, em vez de apenas responder a crises pontuais sem abordar as causas, muitas vezes localizadas fora do setor de saúde.
A abordagem de "Uma Só Saúde" também foi fundamental nas discussões do tratado para pandemias na Assembleia Mundial de Saúde e nas políticas do G20 e G7, que visam enfrentar e prevenir pandemias. Além dessas iniciativas internacionais, o Brasil está avançando na institucionalização dessa abordagem por meio da criação de um comitê interinstitucional de "Uma Só Saúde", composto por 20 instituições, incluindo os Ministérios da Agricultura, Saúde e Meio Ambiente, além de outros órgãos governamentais e conselhos profissionais. Esse comitê trabalhará para desenvolver um plano de ação consensuado em 180 dias, focando em eixos prioritários.
Bem-Estar Único: Interações e Desafios
Ingrid Bueno Atayde, Chefe do Setor de Comissão Técnicas (SECOT) do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV ) destacou que a abordagem de "Uma Só Saúde" é uma visão integrada e nesse sentido, o conceito de bem-estar único, as interações entre saúde humana, animal e ambiental são profundas e complexas. Essas comunidades enfrentam uma série de desafios, incluindo falta de moradia, violência, abuso de drogas, encarceramento e endividamento. Sendo ela, a violência contra animais e o ciclo de violência urbana são apenas algumas das interfaces socioeconômicas que permeiam essas relações. Além disso, questões de sustentabilidade, desde animais de companhia até animais de produção, revelam um diálogo intenso em termos de saúde única.
Ingrid também abordou o papel do médico veterinário como essencial nesse contexto, já que atua além da clínica animal, na saúde pública e na defesa sanitária. Sua atuação nos Núcleos Ampliados de Saúde da Família (NASF) na atenção básica é crucial para identificar aspectos zoonóticos e psicossociais, indícios de violência, maus tratos e transtornos de acumulação de animais. Ela destacou ainda que iniciativas internacionais, como as propostas pela aliança quadripartite, têm identificado oportunidades para harmonização técnica em inteligência em saúde única, epidemiologia, sanidade animal, e redes multidisciplinares para enfrentar crises e desastres de forma mais eficaz.
Já Valéria Stacchini, chefe da Divisão de Saúde Única e Boas Práticas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), destacou que dentro do setor de Saúde Animal, as atividades podem ser divididas em três grandes grupos: a saúde dos animais de produção, que é responsabilidade direta do Mapa; a saúde dos animais domésticos de pequeno porte, como cães e gatos, embora o MAPA não trabalhe diretamente com esses animais, algumas doenças são comuns entre espécies; e a saúde dos animais silvestres, destacando a importância de diferentes atores na responsabilidade pela saúde animal, com o serviço veterinário em colaboração com os órgãos estaduais.
"O ideal seria um sistema de vigilância em saúde única, o que hoje não existe e representa um grande desafio”, ressaltou Stacchini, ao destacar que a meta é reforçar e articular os sistemas de vigilância em saúde animal, abrangendo a saúde de animais de produção, domésticos e silvestres. A saúde animal enfrenta desafios, como a necessidade de programas sanitários para diversas doenças zoonóticas, e a colaboração entre os setores de saúde animal e humana, embora não seja totalmente suficiente. Ainda assim, avanços significativos foram feitos, como a detecção precoce da influenza em aves silvestres na costa do Brasil no ano passado, destacando a importância de um sistema de vigilância operante para identificar problemas emergentes.
Ascom CNS