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Diagnóstico tardio, vazio assistencial e dados precários em saúde são desafios para combate ao câncer infantojuvenil
Foto: Ascom CNS
O câncer é a segunda causa morte entre crianças e adolescentes no Brasil e a estimativa para novas incidências da doença no triênio 2023-2025 também é preocupante. Há previsão de que 8 novos mil casos sejam notificados neste período e o país não apresenta declínio nos índices de cura de câncer infantojuvenil há 40 anos.
Este complexo cenário epidemiológico do câncer infantojuvenil no Brasil foi apresentado a conselheiras e conselheiros nacionais de saúde durante a 355ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Saúde (CNS), realizada nos dias 12 e 13 de junho, em Brasília. O objetivo da mesa foi apontar os desafios para garantir o diagnóstico correto e precoce da doença, bem como assegurar o acesso ao tratamento e a assistência, não só à criança, mas também à família que a acompanha.
“O câncer infantil tem sido tratado ao longo dos últimos anos em políticas públicas localizadas dentro de um contexto do que é o modelo de um câncer em um paciente adulto. Isso está mudando e é necessário mudar, pois são doenças diferentes”, declara Algemir Brunetto, oncologista pediátrico, fundador do Instituto Câncer Infantil e um dos convidados da mesa.
Algemir defendeu a necessidade de implementação de uma política de atenção integral à saúde voltada especificamente para o câncer infantojuvenil ao apresentar uma extensa análise dos principais bancos de dados que sistematizam informações sobre o tema. Dados públicos extraídos do DataSUS, RHC (Registros Hospitalares de Câncer) e SIM (Sistema de Informação sobre Mortalidade) obtidos em 2021, apontam que existem mais de 600 tipos de doenças oncológicas na faixa etária pediátrica, sendo que só para leucemia (apontada como o tipo de câncer mais comum em crianças brasileiras) há 37 variações. “O conhecimento técnico é essencial para traduzir o que está no prontuário para inserção no banco de dados”, destaca o pediatra.
Panorama de atendimento
Os dados demonstram também que há no país 175 hospitais que registraram atendimento oncológico para pessoas abaixo de 19 anos de idade (no ano de 2021). Outro destaque é que existem 99 Unidades de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon) sem serviços específicos para Oncologia Pediátrica (OP), ou seja, sem reconhecimento da gestão federal. A grande maioria deles não atendem aos critérios da Portaria nº 688 de 28 de agosto de 2023, que dispõe sobre a habilitação de estabelecimentos de saúde na alta complexidade em oncologia.
Aline Leal, assessora técnica da coordenação-geral da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer do Ministério da Saúde, endossa que a pasta chegou a identificar hospitais que não possuem habilitação para realizar serviços oncológicos em pediatria, mas que ainda assim os executam. Quem indica o hospital para tal habilitação, explica Aline, é o gestor estadual, e o compromisso do monitoramento e da execução deste estabelecimento em cumprir os parâmetros é realizado de forma conjunta entre Secretaria de Estado da Saúde e Ministério da Saúde.
“Para os casos de hospitais que realizam procedimentos oncológicos pediátricos mesmo sem a habilitação adequada, qual a qualidade desse atendimento? Os hospitais de oncologia pediátrica passam por avaliações específicas e os que não foram habilitados para tal, portanto, não foram avaliados seguindo tais critérios”, explica a assessora técnica.
Aline aponta que a situação pode ser notada em hospitais localizados em regiões de grande vazio assistencial, o que é confirmado por dados apresentados por Algemir. No estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, existem cerca de 20 hospitais que prestam atendimento a casos de câncer infantojuvenil. “Alguns deles estão localizados muito próximos, apresentam pequeno volume de pacientes e portanto, pouca expertise e pouca estruturação, desencadeando em uma performance desfavorável”, pondera o pediatra.
A região Norte do país é a mais desafiadora neste sentido. Dos sete estados, somente Amazonas e Pará ofertam serviço de oncologia pediátrica. O Hospital Otávio Lobo, localizado em Belém do Pará, recebe pacientes de toda a região, que muitas vezes demoram até três dias para conseguir chegar ao local, já que muitos se deslocam pelas vias fluviais.
As longas distâncias e a limitação de exames laboratoriais resultam em uma triste realidade sanitária. Aproximadamente 75% das crianças chegam ao Otávio Lobo com tumores em estágio avançado, sendo 58% delas com tumores cerebrais. Observa-se ainda que 100% das crianças diagnosticadas com retinoblastoma chegam com a doença em estado metastático por que o diagnóstico é tardio. A morte por infecção também é alta, principalmente para crianças indígenas: chegam a cerca de 20%.
“O desafio é justamente o acesso ao tratamento para este paciente. Há uma concentração de serviços nas regiões Sul e Sudeste e, no Nordeste, os serviços estão concentrados na região litorânea. É preciso destacar que há também uma rede de casas de apoio que são cruciais para dar suporte à criança em tratamento e sua família”, explica Aline.
A aproximação com gestores estaduais para identificar necessidades de apoio e a revisão dos procedimentos de quimioterapia são algumas das estratégias traçadas pelo Ministério da Saúde citadas na mesa. “Alguns hospitais estavam tratando crianças sem o profissional oncologista pediátrico. Modificamos os procedimentos de forma que isso não fosse mais possível, ou seja, o estabelecimento sem habilitação em OP mas que dispõe de oncologista clínico para adultos não conseguirá faturar o respectivo valor do serviço”, revela Aline.
Equidade
Carolina Camargo, oncologista pediátrica que representou a Confederação Nacional das Instituições de Apoio e Assistência (Coniacc) na mesa, destaca que o tratamento do câncer infantil precisa alcançar também a equidade. “Nos países de alta renda a chance da criança sobreviver ao câncer é de 80%. Em países de baixa renda, especialmente em países do continente africano, as taxas não chegam aos 30%”, revela.
Para exemplificar as iniquidades no Brasil, a médica cita até mesmo o impacto dos índices de analfabetismo no país como fator que reforça as desigualdades neste contexto. “É importante que o cuidador compreenda o tratamento e o impacto do analfabetismo e a baixa renda per capita são fatores notáveis para tantas discrepâncias”, aponta Carolina, que mostra que 46,2% das crianças brasileiras vivem em situação de pobreza e 13,4% em situação de extrema pobreza.
A médica defende que é preciso criar ações para equiparar a possibilidade de sobrevida dos pacientes, já que não há prevenção para casos de câncer infantil e a mais eficiente delas é estimular o diagnóstico precoce. “Especialmente após a pandemia vemos cada vez mais crianças chegando aos consultórios com doença em estágio avançado. Devemos oferecer tratamento de qualidade e suporte necessário para o paciente e família, evitando assim o abandono do tratamento”, finaliza.
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Ascom/CNS